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4. ASPECTOS ARQUITETÔNICOS DAS CIDADES DE MARIANA E OURO

4.3. Surge um novo conceito

Na Carta de Veneza, de 1964, foi proposta a revisão dos princípios estabelecidos no primeiro encontro de Atenas, em 1931. Chegaram à conclusão que o melhor termo empregado não era mais cidade ou cidade monumento, mas sim, o termo sítio urbano que delimitava melhor qual área da cidade seria passível de preservação e qual deveria ser o vetor de crescimento, considerando a cidade como um todo. A partir de então, ocorreram mudanças de orientação técnica no Serviço do Patrimônio, que acabaram por confundir moradores e arquitetos. Dentro deste novo conceito de preservação, passava-se a valorizar o planejamento, com a elaboração de planos para os centros históricos.

Após visitar Ouro Preto, em missão da UNESCO, o arquiteto português Viana de Lima apresentou, em 1968, uma proposta para a cidade que, em resumo, consistia em seu zoneamento, com o intuito de delimitar o núcleo histórico das áreas passíveis de expansão. Continha também sugestões de

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retirada de frontões e platibandas e até mesmo a demolição de edificações do entorno dos principais monumentos consideradas “sem qualidade”. Conceitualmente, já havia consciência relativa à necessidade de compreensão do todo, mas ainda seria preciso mais coerência nas ações (MOTTA, 1987).

Entre 1973 e 1975, o Centro de Desenvolvimento Urbano da Fundação João Pinheiro elaborou o “Plano de Conservação, Valorização e Desenvolvimento das cidades de Ouro Preto e Mariana”, pelo fato de ambas apresentarem um conjunto semelhante de interesses, problemas, peculiaridades históricas, aspectos econômicos, além da proximidade física. O plano, de caráter regional, tratou os dois municípios de forma integrada e buscou de uma maneira mais abrangente a preservação não só no aspecto físico, mas também, a melhoria das condições de vida das populações locais. Visto que o crescimento urbano desordenado ameaçava as características peculiares das duas cidades, propunha, inclusive, ao considerar o plano Viana de Lima, distinguir com clareza as áreas de preservação das áreas de expansão. Porém, apresentava medidas mais radicais como a restrição do uso residencial na área histórica (FISCHER, 1993).

A proposta final gerou 23 projetos para Ouro Preto e sete para Mariana, além de conter alguns dossiês relativos à restauração de diversas edificações e de legislação urbanística - lei de uso e ocupação do solo, código de obras, código de posturas - mas nunca foi detalhado, implantado e nem aprovado pelos municípios. Mesmo sendo as principais áreas indicadas para a expansão distante dos núcleos tombados, as normas de edificação, o “estilo patrimônio” continuava a ser recomendado. Apesar da aplicação destas normas serem menos rígidas que anteriormente, a sua aplicação em um novo traçado urbano gerou também certo hibridismo.

No final da década de 1970, com a abertura política, a população passou a reivindicar seus direitos e uma maior parcela da sociedade interessou-se pela questão da preservação do patrimônio cultural. Ao reconhecer quais eram as reais intenções da preservação, observou-se uma ambiência pró-patrimônio e

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contra a especulação imobiliária. Esta nova consciência refletiu-se também dentro da instituição, com a difusão das Cartas Patrimoniais, que foi recorrente também de uma renovação nos quadros técnicos. Então, surgiu uma nova orientação sobre as novas intervenções, na qual deveriam ser respeitadas as características da conformação antiga, porém sem repetir o “estilo patrimônio”. Nem toda a população assimilou tal mudança no conteúdo das orientações técnicas do Patrimônio, que passou a ver o novo tipo de intervenção como uma agressão ao conjunto tombado, o que causou certo desgaste na imagem da instituição (MOTTA, 1987 e FISCHER, 1993).

Como as Cartas não são normas legais, mas somente recomendações, aos técnicos cabiam a interpretação de seu conteúdo. Desta forma, ao contrário das rígidas normas anteriores, o processo acabou ficando muito heterogêneo, pois cada técnico tinha autonomia para aprovar os projetos a ele encaminhados, prevalecendo a sua interpretação pessoal. Então, para orientar este procedimento, por volta de 1987 e 1988, foi criado na 7ª D.R. da SPHAN, em Belo Horizonte, um conselho consultivo, com o intuito de reunir os técnicos dos diversos órgãos afins, para analisarem em conjunto os projetos apresentados. Pretendia-se estabelecer em conjunto uma política de atuação. Entretanto, por questões políticas internas, o conselho não funcionou (FISCHER, 1993).

No Brasil, os arquitetos em sua maior parte no exercício da profissão, acabam se afastando das reflexões teóricas mais profundas sobre a produção arquitetônica. Segundo Brasileiro (1998), tal situação tem suas raízes na formação do arquiteto, razão pela qual propõe a discussão da História da Arquitetura como uma disciplina instrumental na fundamentação de metodologias que tenham como objetivo final essa consciência na prática arquitetônica contemporânea:

Uma vez que um dos objetivos da disciplina de História da Arquitetura é a formação de uma consciência crítica que auxilie nas disciplinas de Projeto, acreditamos que as questões relativas à preservação do Patrimônio Cultural podem ser discutidas dentro do conteúdo programático daquela disciplina, sem o prejuízo da cronologia como base

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para a definição desse mesmo conteúdo. Na realidade, propomos que a formação de uma postura crítica dos alunos frente a Arquitetura e o Urbanismo através da História – como disciplina autônoma, insistimos – se enriqueça do debate sobre a preservação do Patrimônio Cultural, um problema contemporâneo e extremamente delicado, com o qual os arquitetos e urbanistas deparam-se a cada instante da vida profissional (BRASILEIRO, 1998: p.76).

Ainda segundo esta autora, a História da Arquitetura nos apresenta questões que deveriam ser abordadas e respondidas na disciplina de Restauro. Porém, em geral, esta se situa no final da grade curricular dos cursos de Arquitetura e Urbanismo. Como consequência, os alunos têm pouco contato com as questões referentes à preservação do patrimônio cultural, comprometendo uma postura crítica desejável, o que talvez explique, em parte, a diferença em relação ao modelo internacional.