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1 INTRODUÇÃO

6.3 Compreendendo a interação das professoras com as crianças,

6.3.1 Açucena

Os resultados da Escala de Empenhamento do Adulto com relação às interações da professora Açucena, demonstram que as percentagens concernentes à categoria de ação “sensibilidade” variam do seguinte modo: 45% no ponto 5; 35% no ponto 4; 10% no ponto 3; e 10% no ponto 2. Não há registro do ponto 1.

Analisando tais resultados, vemos que os maiores percentuais de Açucena estão precisamente nos pontos 5 e 4, isto é, a professora apresenta um estilo interativo, com atitudes de total empenhamento e atitudes predominantes de empenhamento com traços de não empenhamento. Como mostra o gráfico abaixo:

Gráfico 1 – Sensibilidade no empenhamento de Açucena

Significa dizer que Açucena procura adotar um tom de voz positivo e encorajador. A professora, na maioria das observações, procura acompanhar as crianças em suas atividades, elogiando-as e sendo afetuosa, como podemos ver na transcrição do trecho a seguir:

Atividade de desenho – A professora está acompanhando as crianças que estão fazendo um desenho. Uma das crianças parece chateada, por não conseguir desenhar um sol. Apaga várias vezes o desenho, afirmando não saber fazer. A professora olha para o papel, limpa os restos de borracha com as mãos e, carinhosamente, diz: “Faz do jeito que você quiser fazer.” As crianças vão desenhando e mostrando para a professora, que sempre elogia e incentiva-as a continuar o desenho até completar o que havia sido proposto. A professora conversa com as crianças e sempre tenta respondê- las. Ela não está alheia, nem ao que as crianças fazem, nem ao que elas falam. Da mesa em que está ela chama uma criança de outra mesa, a qual ela percebeu que já havia finalizado a tarefa: “Deixa eu ver o seu, deixa eu olhar.” Ela segura o desenho da criança e vai perguntando o que são as figuras desenhadas, enquanto registra no desenho o que as crianças falam. A professora demonstra muito interesse pelos desenhos das crianças. (1º DIA, 2º MOMENTO).

A professora não tem pressa para que as crianças terminem as atividades e encoraja-as, sem interferir diretamente na produção. Quando Açucena elogia o trabalho, parece fomentar nas crianças mais empenho no que estão fazendo. Por isso, várias vezes, elas apagam os desenhos na tentativa de fazer melhor. Ela se preocupa em sentar com as crianças na sala ou se abaixa para falar com elas, colocando-se no mesmo nível físico.

Contudo, não significa dizer que Açucena trata todas as crianças sempre com a mesma paciência e de forma carinhosa. Na sala de Açucena há um menino, que nas transcrições chamamos de Pedro. Em todas as atitudes de não empenhamento evidenciadas pela escala, a professora está chamando atenção do menino:

Musicalidade no pátio – [...] “É só o Pedro chegar que começa essa

feiúra! Por favor, vamos ser educados.” (2º DIA, 1º MOMENTO). [...] “O Pedro nem vai ficar bonito pra Jesus porque ele não quer „ficar um vaso novo‟.” Em seguida, uma criança pergunta: “Tia, o que é um vaso velho?” e a professora responde, dizendo: “quando é velho é porque é desobediente, é teimoso, não obedece a mamãe, nem a professora e quando fica novo é tudo muito bom, educado, obediente, né assim?”. (2º DIA, 2º MOMENTO).

[...] “Deixa eu ver o que é que o Pedro está inventando que ele não está bonito na fila, na rodinha. Ô Pedro... Para, Pedro...”. (2º DIA, 3º MOMENTO).

[...] A professora pega o lanche de Pedro e guarda na mochila dizendo: “Você está muito teimoso, desobediente, a tia não gosta.”, enquanto ele senta desconfiado, olhando para a câmera. (2º DIA, 4º MOMENTO).

Notamos que nas ocorrências em que Açucena teve pontuação 4 e 2 são de situações justamente envolvendo o Pedro. O menino não gosta de ficar na sala e não senta para algumas atividades, como as outras crianças. Faz gestos exuberantes ou de oposição notadamente para chamar atenção de Açucena. Desta feita, quase sempre bate nas outras crianças. Açucena parece perdida quando tem que intervir nos conflitos em que Pedro se envolve. Ora faz como nas cenas captadas na aplicação da escala, chamando-o de “desobediente”, “teimoso”, “feio”, entre outras; ora adota uma postura sensível, como na cena a seguir:

Depois do intervalo: Atividade: Cantigas na parte externa da sala com a outra turma. Cantam músicas, algumas como escolha das crianças. Pedro morde um colega. A outra professora diz que ele não pode morder, porque não é cachorro. O coleguinha chora. A professora Açucena consola a criança dizendo que vai conversar com o Pedro. Açucena deixa a turma com a outra professora e leva Pedro pelo braço calmamente para dentro da sala. Senta-se em sua mesa e conversa em tom baixo com o garoto. Diz que ele não pode bater e nem morder, porque o coleguinha chora. Argumenta que ele também não gosta de apanhar. Fala em tom carinhoso e pede para ele prometer. Ele promete e sai correndo para o lugar onde a turma está. (NOTA DE CAMPO, 23/05/13)

Nessa cena, Açucena põe o menino em frente a ela e conversa no mesmo nível físico, olhando-o o tempo todo. Não se altera e explica calmamente o quanto o colega está sofrendo por causa da mordida. A cena corresponde ao que Açucena diz nas entrevistas, dando ênfase à importância de conversar com as crianças. Este processo de explicar, de acordo com Dantas (2005), é importante para a criança. Se a criança está estabelecendo as fronteiras que a distinguem do outro, o professor deve ser um parceiro nesse processo. Assim,

[...] Como é que a gente pode ajudar a construir o “eu” infantil? Ajudar a construir o sujeito?

O mecanismo pra ele [Wallon] é dialético. Um sujeito, pra ele, se constrói se expandindo e sendo limitado. Então, a gente precisa abrir espaço para a expansão, a expressão do sujeito, mas também precisa limitá-lo. Será que nós sabemos fazer isso? (DANTAS, 2005, p. 3).

Com as crianças “difíceis”, aquelas que batem, mordem, incomodam, atrapalham, é necessário que se estabeleça o confronto no qual ela terá de fazer uma escolha: “O que você prefere: ficar sozinho, ou ficar com os outros sem bater? Pra estar com os outros, você não pode nem bater, nem atrapalhar [...] Ele tem que realizar agora, claro, com ajuda, uma renúncia pulsional.” (DANTAS, 2005, p. 3).

Percebemos que os conflitos entre as crianças desestabilizam as professoras e, muitas vezes, por não saberem como agir, acabam se contaminando com a emotividade da criança, a ponto de a confrontarem, mas de forma inadequada.