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1 INTRODUÇÃO

6.3 Compreendendo a interação das professoras com as crianças,

6.3.5 Gardênia

Em todas as cenas de Gardênia, ela está interagindo com as crianças. Os resultados de Gardênia indicam um estilo interativo com atitudes de total empenhamento, tendo no ponto 5, 55% das observações, seguida de 30% no ponto 4, apresentando atitudes predominantes de empenhamento, com traços de não empenhamento. Gardênia estabelece contato visual com as crianças, costuma ser afetuosa e carinhosa. As crianças gostam de abraçá-la e beijá-la. Tem atitudes encorajadoras e elogia os êxitos das crianças. Quando percebe alguma criança distante do grupo, preocupa-se logo em saber o que está acontecendo.

Gráfico 5 – Sensibilidade no empenhamento de Gardênia

Fonte: Produzido pela autora

Percebemos Gardênia muito atenta à nossa presença. Em várias situações, enquanto conversa com as crianças, se dirige a nós, nos incluindo. Como passamos a descrever:

Gardênia pôs todas as crianças sentadas em frente a ela, próximas à lousa. A professora olha para a câmera, enquanto fala com os pequenos: “A tia Gardênia vai explicar agora uma coisa importante pra vocês. E só vai entender quem ficar bem comportado.”

João interrompe: “Eu ouvi a diretora falar que a Bianca ta voltando.”

Gardênia: “Tá voltando porque não deu certo a viagem; a ida dela pra lá.” – respondendo a João, mas logo se virando para mim, continua: “É que era uma aluna minha que a mãe dela foi embora pra Goiânia e a mãe mandou buscar ela pra lá, aí vai voltar de novo.” Vira-se para as crianças mais uma vez e fala em tom de voz positivo: “Então, que bom que ela vai voltar!”(1º DIA, 3º MOMENTO).

Gardênia ouve atentamente o que as crianças falam e é a única professora, dentre as pesquisadas, que faz da “rodinha de conversa” um espaço real de conversa. Nesse espaço, ela e as crianças falam sobre assuntos variados e, mesmo que Gardênia direcione ou provoque o assunto, logo a conversa pode tomar outros rumos sob a direção das crianças. As demais professoras fazem o momento da roda de leitura um momento em que as crianças vão sendo indagadas sobre a história na medida em que a professora a conta. Quando não são questionadas, não podem falar!

Os conflitos na turma de Gardênia são muito comuns e ela demonstra se esforçar para não “sair do sério”, especialmente envolvendo Artur, uma criança que as professoras afirmam ter necessidades educacionais especiais34, e João.

Durante a leitura do poema, Artur dá pequenas cotoveladas em João, que por sua vez revida batendo mais forte e chama a atenção da professora. - Para, João... Não bate nele, não... Vem pra cá, Artur (puxando a criança para junto de si).

- Olha... troca de lugar. (Apontando outro lugar pra criança sentar.)

- Senta bem aqui pertinho da Tia Gardênia... Vem! Pra perto da tia Gardênia... anda! (puxando novamente a criança pra perto)

- João, não bate nele, não... Tu é maior... Senta direito Joãozinho... bora João... você não ta sentado direito...

Joaquim: Ei tia eu tô, num tô? (pergunta mostrando as pernas cruzadas, mas a professora só olha e nada comenta)

- Já falei pra você não mexer com ele porque ele não é igual a você. Porque ele é menor. (Chamando atenção de João). (2º DIA, 3º MOMENTO).

A próxima cena foi uma das raras em que vimos Gardênia puxar o braço de uma criança com força e mandá-la calar a boca:

A professora se dá conta que é hora do lanche, que na verdade, já estão atrasados. Chama as crianças rapidamente e todos pegam seus lanches nas mochilas. Ainda há crianças guardando material e a professora começa a apressá-los.

- Vamos, Marcos! Cuida! - Enquanto isso, a maioria já está fora da sala, chegando ao banheiro. Ela sai segurando o braço de Marcos e volta porque esqueceu seu beiju (tapioca); João está sempre por perto, seguindo a professora. Gardênia grita as crianças:

- Ei, vamos fazer uma fila aqui, anda! – Algumas crianças estão pulando uma mureta que separa o espaço da sala de atividades de uma área ao ar livre. – A Beatriz, vou ter que falar com a mãe dela de novo! Vem! Beatriz! – gritando – volta! Vamos, é uma atrás da outra. – A professora só consegue reunir as meninas, os meninos, já estão no banheiro. Enquanto arruma a fila, Beatriz sai do lugar em que a professora colocou. Gardênia pega em seu braço com força e a traz de volta: “Será possível, menina?”. – A menina reclama e a professora a manda calar a boca. Depois de tentar organizar, conduz a fila em direção ao banheiro. (4º DIA, 5º MOMENTO)

Vemos que, em uma situação de imperícia, Gardênia fica ansiosa e irritada com as crianças, por elas não corresponderem à sua expectativa de irem

34 Artur não tem laudo que precise sua deficiência. A gestora informa que, desde que ele foi para a

escola, aos 4 anos, ela e a as professoras pedem à mãe procure assistência especializada, mas a família não aceita a possibilidade de ele ter qualquer problema. De fato, durante as observações, percebemos que Artur apresenta algumas dificuldades, mas que não podemos identificar quais sejam. Ele não costuma interagir com as demais crianças quando brinca, fala coisas desconexas boa parte do tempo, rasga o material gratuitamente, tem movimentos imprecisos e apresenta problemas na fala. Por essas razões, ou porque os adultos da escola dizem que ele tem problemas, conseguiu conquistar a proteção das demais crianças. Em situações, como as encenadas pela professora, as crianças raramente revidam ou, se alguém o faz, sempre aparece algum defensor que diz: “Não faz isso, ele é especial!”.

organizadas na fila. Parece-nos que as professoras têm expectativas em relação às crianças, que estão fundamentadas em suas concepções de criança e de pré- escola. Como vimos na cena, os movimentos infantis desestabilizam a professora. Galvão (2008) relata seu incômodo em observar situação semelhante, corroborando com nossa compreensão:

A dificuldade de as crianças se manterem na postura somada à rigidez em cobrar a obediência às prescrições posturais configura um desencontro entre a atitude das crianças e a expectativa da professora, o que gera numerosos conflitos entre as duas partes, criando um ambiente de contínua tensão (p. 59).