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1 INTRODUÇÃO

6.3 Compreendendo a interação das professoras com as crianças,

6.3.3 Margarida

Os resultados de Margarida são preocupantes. Quando, após a filmagem/observação dos 2 minutos, tirávamos um rápido período para atribuir a pontuação na escala, ficávamos na dúvida se esses números não estavam em desacordo com a realidade. No entanto, depois de assistir novamente todos os períodos gravados e da releitura cuidadosa do diário de campo, nos demos conta de que, na verdade, Margarida é uma professora muito distante das crianças. Não existe qualquer tipo de cumplicidade entre ela e os pequenos. Parece-nos que ela é a “inimiga” mais forte, aquela que manda e todos obedecem, aquela que se orgulha perante as outras professoras por “seus alunos serem comportados”.

Gráfico 3 – Sensibilidade no empenhamento de Margarida

Fonte: Produzido pela autora

Margarida não teve nenhuma situação de empenhamento máximo em que pudéssemos atribuir o ponto 5. A maior quantidade de ocorrências da

professora foi no ponto 1, com 65%, e no ponto 3, com 20%, o que representa um estilo de interação com atitudes de ausência total de empenhamento.

A professora pegou papel e tinta no armário, só que ela havia dito que ia pegar um livro. Aproxima-se das crianças que estão à mesa e inicia uma atividade com elas, mas sem explicar como será o procedimento para realizar a mesma. A atividade consiste em passar a tinta na mão e depois pressionar a mão sobre o papel para deixar uma marca das digitais, como se fosse um carimbo. Quando pega a mão de uma criança, diz: “Êh... Olha a cor dessa mão! Que mão suja é essa!?” Em seguida pega a mão da criança, espalha a tinta e põe a mão da criança sobre o papel. A criança até tenta fazer sozinha, mas ela lhe repreende: “Deixa que EU boto.” (1º DIA, 4º MOMENTO).

Margarida adota um estilo autoritário e centralizador. De alguma forma ela reconhece isso, mas acredita que é pelo bem das crianças, para que elas sejam “bem educadas”. Todavia, não podemos esquecer que:

É preciso que os adultos estejam atentos para modificar aquelas práticas que tolhem as oportunidades de desenvolvimento infantil. Favorecer interações humanas positivas e enriquecedoras deve ser uma meta prioritária de toda instituição educacional. (BRASIL, 2009, p. 45).

Durante um dos grupos focais, em um diálogo entre ela e demais professoras, Margarida acusa as colegas de serem “muito boazinhas” e que, por isso, as crianças de suas turmas não lhes obedecem. Quanto a ela, diz que foi criada assim, com muita disciplina. Conta que seu pai era do exército e que todos em sua casa foram muito bem disciplinados. Essa fala de Margarida, de alguma forma, nos deixa perceber o quanto de sua criação reflete no modo como lida com as crianças. Vejamos mais um pouco:

A professora segura pela mão as crianças que estão agrupadas em duas filas, uma composta por meninas e a outra por meninos. Ela fica entre as duas filas e vai caminhando em direção à sala. No percurso as crianças fazem queixas umas das outras. Uma das meninas diz: “Tia, tia, ela tá botando a mão em mim!”. Mas a professora, como se não ouvisse, segue caminhando em direção à sala. Quando chegam à porta da sala, a professora solta a mão da fila das meninas e parece dar um comando para que os meninos parem e esperem até que as meninas entrem e sentem nos lugares delas. Em seguida ela solta a mão dos meninos e deixa que também eles entrem e sentem-se. Ela espera um pouco do lado de fora. Depois entra e segue em direção às mesas organizando-as. Nesse momento a professora diz: “Guarda os brinquedos agora. Guarda os brinquedos, guarda os brinquedos!”. Ela fala mais alto: “Guardar os brinquedos, pois se eu pegar eu não devolvo!”. Ela fica olhando para as

crianças com os brinquedos esperando que eles guardem e diz: “Guardou?!” (2º DIA, 1º MOMENTO).

Não a vimos se colocar no mesmo nível físico das crianças nenhuma vez e, em geral, quando fala com eles é em tom e postura (apontando o dedo, mão na cintura) de ameaça ou desprezo. Margarida gasta muito tempo, do período em que deveria estar com as crianças, organizando materiais, corrigindo tarefas, decorando a sala ou carimbando os livros. Aliás, são constrangedores os momentos de carimbo dos livros, como podemos verificar na descrição a seguir:

As crianças folheiam os livros para encontrar a página que a professora pediu. A professora pergunta: “Todo mundo achou?”. Em seguida, vai até sua mesa procurar uns carimbos para corrigir a atividade que havia passado para as crianças fazerem em casa. Uma criança se levanta e vai até ela mostrando que achou a página e a professora olha e diz: “Deixa aí em cima, deixa que é já que eu vou olhar.”. As crianças querem ver as tarefas umas das outras e por isso trocam de livro, quando a professora vê, pede que destroquem: “Não, de quem é o livro? Cada um com seu livro, você com o seu e ela com o dela.”. A professora segue para corrigir as tarefas das crianças, sai carimbando a página do livro que não foi respondida e vai dizendo o nome da criança: “José, levou a tarefa para casa e não fez a tarefa.” “Maria, fez a tarefa mal feita.” E nesta atitude a professora passa de mesa em mesa. [...] “Você não fez. Deixa eu carimbar. Quem mais não fez? Levam a tarefa para casa e as mães não fazem.” E ainda acrescenta: “Mostre esse carimbozinho para a sua mãe, viu? Quando chegar em casa.” (2º DIA, 3º MOMENTO).

Todos os dias há sessão do carimbo. Ele serve como instrumento de punição para quem não faz a tarefa e as crianças devem mostrar para a família. É como um modo de Margarida cobrar dos pais o acompanhamento de seus filhos. Contudo, aquelas crianças que fazem as tarefas não recebem nenhum elogio ou encorajamento.