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5 A VISÃO ETNOGEOMORFOLÓGICA DOS PESCADORES ARTESANAIS DO

5.1 COMUNIDADE DE ATAPUZ

5.1.2 A água e a hidrodinâmica

A água é um dos principais elementos dos ambientes costeiros e estuarinos, e suas características físico-químicas são determinantes na dinâmica ambiental local. No estuário, há uma convergência de fluxos hídricos fluviais e marinhos, com características geoquímicas bastante distintas, e tal fato é reconhecido pelos pescadores por exercer forte influência na prática da pesca.

O principal atributo que os faz diferenciar as águas estuarinas das marinhas é a salinidade, sendo esta acentuada nessas últimas. Afirmam os entrevistados que a água do rio é

doce, enquanto a do mar é salgada, e quando as águas do rio e do mar se misturam elas ficam de cor amarelada (Figura 23).

À propósito, a cor é outro atributo utilizado para diferenciá-las, pois destacam que a água do rio é mais escura (provavelmente pela carga sedimentar e presença de matéria orgânica advinda dos interflúvios) e a do mar aberto é mais clara. O comportamento das águas também é observado, sendo a água do rio calma e a do mar agitada. Além disso, o fluxo também é diferente, sendo no rio menor e no mar maior.

Figura 23- Coloração amarelada da água na comunidade de Atapuz

Fonte: SILVA (2016). Quando a água se encontra nessas condições é chamada pelos pescadores de “água nova”.

Além disso, segundo eles o peixe do rio é diferente do peixe do mar, adaptado à água salgada, e das espécies de peixes de água doce, poucas sobrevivem no ambiente marinho.

Deste modo, a água é um elemento essencial para a vida dos pescadores, que por suas características físico-químicas distintas, exerce influência sobre a prática da pesca. Além disso, ela é o principal agente modelador da paisagem costeira e estuarina, através dos processos hidrodinâmicos, sobretudo exercido pelas marés.

A maré trata-se de um processo diariamente observado pelo pescador, por isso muito conhecido por ele. Suas oscilações diárias através do processo de fluxo e refluxo, são classificadas como “maré de enchente”, quando o nível da maré está subindo e “maré de

vazante” quando o nível esta descendo. Denominam de “maré alta” quando está em seu nível máximo, ou seja, na preamar, e “maré baixa” em seu nível mínimo, ou seja, baixa-mar (Figura 24).

No que concerne à relação das marés com a lua, os pescadores também detém uma classificação própria. Quando a lua está em fase de quarto crescente ou minguante e ocorre a “maré de quadratura”, os pescadores classificam as marés da seguinte maneira:

Figura 24- Paisagem de Atapuz na preamar e na baixa-mar

Fonte: A autora (2015; 2016). À esquerda a paisagem com a maré baixa e à direita com a maré alta.

 Maré morta: período das menores amplitudes entre as marés, caracterizada por uma baixa preamar e uma alta baixa-mar. Afirmam que a maré morta “não cresce”, já que é uma “maré mansa”, ou seja, mais calma.

 Cabeça de água morta: trata-se dos últimos dias da maré morta, quando a lua está em transição para a fase de lua cheia ou nova. Segundo o PA1 (28 anos) ela “amanhece o dia parada e depois vai lançar”. Os pescadores afirmam que é o nível mais baixo que a maré pode ficar, e a partir dela se começa um novo ciclo de “lançamento”.

Quando a lua está em sua fase nova ou cheia, ocorrem as marés de sizígia ou marés vivas e as maiores variações de maré. Os pescadores classificam e descrevem esse tipo de maré da seguinte maneira:

 Maré grande: ocorre após as fases de “lançamento” e trata-se do topo da maré alta, que ocorre nas “noites de lua” (lua cheia) ou “noite de escuro” (lua nova). Afirmam que essa é uma maré “secadeira”, referindo-se justamente a amplitude dessa maré que assim como se eleva muito, também diminui muito. Segundo eles, a maré grande tem muita correnteza, ou seja, possui fortes correntes de maré.

Os períodos de transição entre as marés de sizígia e de quadratura são definidos por eles da seguinte forma:

 Maré de lançamento: é o intervalo entre as fases quarto minguante - lua nova ou quarto crescente - lua cheia. Nessa fase a maré vai crescendo gradativamente dia após dia. Assim ela ocorre logo após a maré cabeça de água morta crescendo gradativamente através do primeiro lançamento, segundo lançamento, até alcançar aproximadamente o sexto lançamento seguido da fase de topo da maré alta: a maré grande.

 Maré de quebramento: é o intervalo entre as fases lua cheia- quarto minguante e lua nova- quarto crescente, ou seja, entre as marés grande e cabeça de água morta, assim ela ocorre sequencialmente à maré grande. É quando ela está baixando o seu nível gradativamente, passando seis dias diminuindo até a fase de cabeça de água morta.

Desta forma, no período de um mês as variações das marés ocorrem na seguinte sequência conforme denominação local: maré grande, maré de quebramento, maré morta, maré cabeça de água morta e maré de lançamento.

As marés vivas equinociais, maiores marés por eles observadas, são denominadas de “maré de carnaval” ou “maré de março” (equinócio de outono) e “maré de agosto” (equinócio de primavera).

Como vimos, o pescador reconhece a influência da Lua sobre a dinâmica natural, em especial no fenômeno das marés e na produtividade pesqueira, afirmando que ela também influencia na própria vida humana. Também reconhecem a importância do sol, que é essencial para o crescimento do peixe como afirma o PA4 (60 anos).

Sobre a relação lua-maré-peixe, observam que na “noite de escuro” (lua nova) é mais fácil encontrar o pescado, mas ao contrário, na “noite de lua” onde ocorre a “maré de lua” (lua cheia), o peixe se afasta e se esconde nas pedras.

Assim, as marés estão diretamente relacionadas ao sucesso, ou não, da pescaria. Ainda segundo os pescadores na maré alta o peixe sai de dentro do rio, por causa da correnteza, e quando a maré “quebra” (diminui) o peixe entra no rio novamente. Nessas ocasiões a maré retira o peixe do mar de dentro e joga-o para o mar de fora.

Deste modo, para a maioria dos pescadores a maré baixa é melhor porque o peixe não é retirado para longe já que essa maré não tem força suficiente para levar o peixe para o mar de fora. A maioria dos entrevistados afirma que realiza a pesca na maré de vazante, porque este é o momento em que ela está “correndo pouco”, ou seja, não possui fortes correntes de maré.

As correntes de maré foram denominadas pelos pescadores de “correnteza” ou “carreira d’água”, e se sobressaem na maré grande, onde a maré “corre mais”. Os

entrevistados destacam que com a ação do vento as carreiras d’água se tornam muito mais fortes.

Ao contrário dessas correntes que tem como principal característica o fluxo e a fluidez existem áreas de “remanso”, ou seja, em que a água está parada, afirma o PA3 (42 anos). Atestando o entendimento do pescador sobre o remanso, Guerra (1993, p. 370) explica que o remanso se trata de um “trecho de um rio no qual a corrente fluvial fica como que parada”.