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5 A VISÃO ETNOGEOMORFOLÓGICA DOS PESCADORES ARTESANAIS DO

5.5 CLASSIFICAÇÃO ETNOGEOMORFOLÓGICA COSTEIRA E ESTUARINA

5.5.2 Processos

A hidrodinâmica, com destaque para o papel das marés, controla os processos modeladores da paisagem geomorfológica costeira e estuarina. Silva e Garcia (2013) que descrevem as marés identificadas pelos pescadores de Lucena – PB ressaltam que estas junto com o vento e a lua determinam as boas condições para a pesca. Destacam, no entanto que, apesar dos outros elementos a maré é o de maior peso, corroborando assim com o que foi observado neste trabalho.

A dinâmica das marés é classificada e descrita como exposto nos Quadros 2, 3 e 4. Nomenclaturas similares foram encontradas nos trabalhos de Alves e Nishida (2002), Ramalho (2004), Nascimento (2014) e Silva e Garcia (2013).

A síntese da dinâmica das marés em um ciclo mensal, comandada pelas fases lunares estão ilustradas na Figura 50. Foi identificada também nomenclatura para as marés de acordo com a sua relação com as fases da lua a qual não se encontra explicitada na referida figura. Essa classificação ocorre da seguinte maneira:

“Noite” ou “dia de lua” (lua cheia) ocorre a “maré de lua” (maré de sizígia);

“Noite de escuro” (lua nova) ocorre a “maré de escuro” (maré de sizígia);

“Dia de quarto” (quarto crescente e minguante) ocorre a “maré de quarto” (maré de quadratura).

As marés citadas, na prática são as mesmas ilustradas na figura 50 para cada fase lunar, no entanto a nomenclatura é distinta porque aqui a associação para classificar cada maré foi feita com a lua, e não com as suas características físicas.

Quadro 2- Ciclo diário das marés segundo classificação etnogeomorfológica dos pescadores artesanais

CICLO DIÁRIO DAS MARÉS

Nomenclatura Cientifica

Nomenclatura

Local Conceito Científico Conceito Local

Maré enchente Maré de

enchente

O processo de subida do nível da maré, ou seja, transição da baixa-mar para preamar (APRH,

2007). “Quando ela está enchendo”

Maré vazante Maré de vazante

O processo de descida do nível da maré, ou seja, transição da preamar até a baixa-mar (APRH,

2007). “Quando ela está vazando”

Preamar Maré alta, Maré

cheia

“Nível máximo de uma maré cheia” (APRH,

2007). ___________

Baixa-mar Maré baixa “Nível mínimo de uma maré” (APRH, 2007). ___________

Elaboração: A autora (2016).

Quadro 3- Ciclo mensal das marés segundo classificação etnogeomorfológica dos pescadores artesanais

CICLO MENSAL DAS MARÉS

Nomenclatura Cientifica

Nomenclatura

Local Conceito Científico Conceito Local

Marés de sizígia ou Marés vivas

Maré grande

“Maré com maior amplitude que ocorre quando a Lua, a Terra e o Sol estão alinhados, isto é, durante as fases de Lua Nova e Lua Cheia” (APRH, 2007).

É uma “maré alta acima do normal”, “alaga o mangue todo”, “é uma maré secadeira”, “corre muito”.

_________ Maré de

quebramento

É o intervalo entre as fases lua cheia - quarto minguante e lua nova- quarto crescente, quando o nível das marés está decrescendo gradativamente.

Quando ela está “baixando, secando, quebrando”, ela passa seis dias diminuindo até a fase de “cabeça de água morta”. “Quando a gente pensa que ela tá secando ela já ta é enchendo”.

Maré de quadratura

Maré morta, Maré pequena

“Maré com menor amplitude que ocorre quando a Lua está em quadratura com o Sol, isto é, durante o quarto crescente e o quarto minguante” (APRH, 2007).

“Não cresce e nem seca”, “ela não tem velocidade de jogar a água lá em cima, não tem carreira d’água, correnteza”, “enche mais devagar e com menos força, “só bota no nível do bardo (margens)”.

_____ Cabeça de água

morta

É o nível mais baixo que a maré de quadratura pode chegar.

É os últimos dias da “maré morta”, onde ela “amanhece o dia parada e depois vai lançar”, “a maré mais baixa é cabeça de água morta, quando vai dar lançamento.”

______ Maré de

lançamento

É o intervalo entre as fases quarto minguante- lua nova ou quarto crescente- lua cheia, quando o nível das marés está aumentando gradativamente.

“Passa a semana crescendo”, “onde ela botou ela já vai botar mais para cima”, ela é muito “corredeira”.

Elaboração: A autora (2016).

Quadro 4- Ciclo anual das marés segundo classificação etnogeomorfológica dos pescadores artesanais

CICLO ANUAL DAS MARÉS

Nomenclatura Cientifica

Nomenclatura

Local Conceito Científico Conceito Local

Marés vivas equinociais Maré de carnaval, Maré de março, Maré de agosto

“Maré que ocorre quando o Sol está próximo ao Equinócio, sendo caracterizada por variações de marés de sizígia maiores do que a média” (MARINS, 2010).

“O mar cresce mais”, “chega aonde as outras não chegam (...) é a maior maré que se vê”.

Figura 50- Relação entre as fases lunares e a dinâmica das marés dentro de um ciclo mensal

Elaboração: A autora (2016).

Outros processos hidrodinâmicos foram reconhecidos pelos pescadores artesanais de Goiana, e se encontram descritos no Quadro 5.

Quadro 5- Outros processos hidrodinâmicos reconhecidos pelos pescadores

23 A afirmação do pescador é validada por Bird (2008), que destaca que as mais fortes correntes de maré são geradas por marés vivas, porque há um maior volume de água sendo movido.

OUTROS PROCESSOS HIDRODINÂMICOS

Nomenclatura Cientifica

Nomenclatura

Local Conceito Científico Conceito Local

Corrente de maré Correnteza, Carreira d’água “Movimentação horizontal alternante da água em função da subida ou da descida das marés” (MARINS, 2010).

Aparece quando a maré está enchendo ou vazando e tem sua força e direção ditada pela ação do vento, é a “velocidade da maré”, “a maré grande tem correnteza maior23”.

RELAÇÃO ENTRE AS FASES LUNARES E O REGIME DAS MARÉS

Nomenclatura científica Nomenclatura local Maré grande Maré morta Maré morta Maré grande Maré de Sizígia Maré de Sizígia Maré de quadratura Maré de quadratura Maré de quebramento Maré de lançamento Maré de lançamento Maré de quebramento

Elaboração: A autora (2016).

As marés são vistas como os principais agentes geomorfológicos sendo que a maré grande “come”, ou seja, erode e a maré morta “bota”, ou seja, deposita. O avanço do mar relatado pelos pescadores é visto como um fenômeno que também desencadeia processos erosivos no litoral de Goiana, expressivamente em Carne de Vaca.

Já o assoreamento fluvial foi destacado como oriundo de atividades antrópicas como construções de estradas e implantação da carcinicultura, que em sua fase inicial demandou revolvimento de terra, e “a água trouxe terra aterrando o rio, deixando o rio raso”.

Algumas conclusões foram obtidas por meio da análise da percepção dos pescadores artesanais, acerca dos processos geomorfológicos e hidrodinâmicos. Assim podemos dizer que o pescador artesanal percebe:

 Inter-relação dos processos hidrodinâmicos com os processos geomorfológicos na modelagem do relevo: “a maré alta leva (sedimentos) do rio para o mar e depois traz do mar para o rio”, “a onda agitada ela cava”;

 Interferência dos processos hidrodinâmicos sobre a pesca: “para cada espécie há um tipo de maré”, “a carreira d’água que traz o peixe”;

 Relação da hidrodinâmica com os astros por meio do ciclo das marés que é influenciado pelas fases da lua: “a força da lua vem com a maré alta”;

 Visão integrada, por meio da percepção dos processos hidrodinâmicos e geomorfológicos dentro de uma perspectiva ambiental sistêmica onde a alteração em uma parte do sistema, causa distúrbios em sua dimensão total: “o que acontece em Ponta de Pedras dependendo da corrente marítima vai atingir aqui”, “aterra lá e prejudica nóis aqui”;

 Dinamicidade nos aspectos fisionômicos da paisagem comandada pelo papel dos processos nas mudanças destes, tanto dentro de uma perspectiva sazonal, “tem tempo que

Refluxo Repuxo Movimentação da água,

após o espraio, na direção do oceano (APRH, 2007).

“O repuxo ocorre mais onde tem as ondas”, “em área de mar aberto dá mais repuxo, que é aquela onda que bate ali e quando ela volta, ela pula e levanta”.

Corrente longitudinal

Corrente marítima

Corrente marinha que se desloca paralela ou sub- paralelamente junto à costa (WINGE et al., 2001).

“O que acontece em Ponta de Pedras dependendo da corrente marítima vai atingir aqui” (noção de que as correntes levam a jusante os impactos decorrentes de alterações ambientais a montante).

o vento destrói a areia”, “por tempo, em fevereiro o mar avança mais”, como numa perspectiva de médio e longo prazo como ocorre, sobretudo com o avanço do mar, “antes a praia era mais larga”;

 O papel dos processos sobre as formas, definindo a sua fisionomia e dinâmica, “quando chove muito a água tem carregado a areia para dentro do rio e forma croa”, “pode abrir buraco na croa (...) a maré que abre”;

 Influência negativa da ação antrópica, por meio de impactos ambientais, sobre a estabilidade dos processos hidrodinâmicos e geomorfológicos: “de alguma forma o homem ta interferindo no ambiente, na atmosfera, na maré”.

Destacamos que todos esses ricos conhecimentos detidos pelos pescadores artesanais foram construídos através da apropriação da natureza, como um pré-requisito básico para a efetuação da atividade pesqueira. Tendo a vida ditada pela dinâmica da natureza, aprenderam a interpretá-la, traduzindo os seus segredos, e edificando então um importante acervo de conhecimentos ambientais, que são a principal ferramenta para a sua sobrevivência e resistência sociocultural.