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2 AS RAÍZES DA ETNOGEOMORFOLOGIA: DA CULTURA DAS

2.3 GEOMORFOLOGIA COSTEIRA E ESTUARINA

2.3.3 Ambientes costeiros

Regiões costeiras são áreas de transição entre ambientes continentais e marinhos, de grande dinamismo ambiental e com características geomorfológicas bastante peculiares. Segundo Carmo (2016), as zonas costeiras podem ser divididas em três subzonas: a costa, o

litoral e a plataforma continental. A costa inclui dunas, cordões ou sistemas dunares; o litoral compreende a praia emersa e a praia submersa, e a plataforma continental desenvolve-se para além da secção em que deixam de ocorrer as alterações morfodinâmicas significativas.

Praia é um acúmulo de sedimentos em geral não consolidados, variando em tamanho de areia muito fina até seixos, e ocasionalmente pedregulhos, contendo muitas vezes material conchoso. São consideradas sistemas dinâmicos, dependentes de diversos fatores, destacando-se a geologia, balanço sedimentar, características da agitação, regime de maré, regime de ventos e subida do nível médio da água do mar (BARBOSA, 2007; BIRD, 2008).

Segundo Muehe (1998), ao tratarmos a praia, em sua parte emersa ou submersa, estamos nos referindo ao sistema praial, que se divide em praia e antepraia (Figura 3). A primeira é composta pela pós-praia e face da praia, e a segunda é composta pelas antepraias superior, média e inferior.

Figura 3- Terminologia da praia e zona submarina adjacente

Fonte: Muehe (1998).

A pós-praia que só é afetada pela atuação das ondas durante temporais excepcionais, se estende do limite superior da zona de espraio até ao início dos corpos dunares, arriba, ou outra unidade fisiográfica qualquer (APRH, 2007).

A antepraia abrange o prisma sedimentar submarino de transição entre a plataforma continental interna e a praia, caracterizando-se por um contínuo incremento do gradiente topográfico em direção ao litoral associado ao processo de empolamento das ondas

até a sua quebra (MUEHE, 2004). Segundo Thieler et al. (1995 apud Machado, 2007), ela atua como uma espécie de barreira, filtro ou condutor para a troca de materiais entre a terra e o mar, respondendo diretamente aos efeitos das tempestades, do aumento do nível do mar e das mudanças induzidas pela ação antrópica.

A berma é uma forma arenosa quase horizontal formada por deposição sedimentar provocada pela agitação marítima, marcando os limites do espraiamento e do refluxo. A zona de quebramento ou rebentação correspondente à faixa onde ocorre a diminuição de profundidade que provoca arrebentação das ondas. Já a zona de espraiamento é a parte da face da praia em que ocorre o espraio da onda (BARBOSA, 2007; APRH, 2007).

As praias são geologicamente recentes datando do período Quaternário, e são áreas extremamente dinâmicas e de constantes fluxos de matéria e energia. As mudanças nesses ambientes podem ocorrer em diversas escalas temporais, e podem variar desde a escala de tempo instantânea até a escala de tempo geológico. Neste sentido, muitas praias mudam a sua forma (plano horizontal) e/ou perfil (plano transversal à costa) de forma rápida (algumas horas ou dias) ou lenta (décadas ou séculos), podendo ainda sofrer algumas alterações de caráter cíclico (ciclos das marés, por exemplo) (BIRD, 2008).

Além disso, algumas praias estão em processo de ganho ou perda de sedimentos, já em outras estes sedimentos migram ao longo da costa. Quando ocorrem processos de sedimentação as praias estão em estado de progradação (avançando em direção ao mar por deposição), ao contrário quando os processos erosivos são predominantes, estão em estado de retrogradação (recuando continente adentro por erosão) (BIRD, 2008).

O perfil transversal de uma praia varia de acordo com o ganho ou perda de sedimentos e a energia das ondas, ou seja, de acordo com a alternância entre tempo bom (engordamento) e de tempestade (erosão) (MUEHE, 1998). Alternâncias sazonais de erosão e acreção sedimentar da praia ocorrem geralmente onde há um nítido contraste entre a estação chuvosa e a seca. Deste modo, de maneira geral, a maioria das praias apresenta sequência sazonal destrutiva no inverno e construtiva no verão (BIRD, 2008).

A morfologia de uma praia muda à medida que as ondas e correntes movem sedimentos de um setor para outro. As oscilações da maré agem na deposição e erosão de material, além disso, a ação do vento também atua sobre essa morfologia através do transporte eólico de sedimentos (BIRD, 2008).

As praias e as zonas adjacentes agem como zonas de amortecimento à ação marinha sobre as regiões costeiras. Por esse motivo são muito sensíveis a mudanças ambientais (induzidas por fatores naturais ou antrópicos), sejam a longo ou curto prazo. Ao

serem expostas a estas mudanças que implicam em variações energéticas, são concomitantemente desencadeadas alterações no padrão morfológico (BARBOSA, 2007).

Na antepraia, como se observa na Figura 3, encontram-se as barras arenosas (offshore bars) também chamadas de barras submersas, submarinas ou bancos arenosos, e uma área mais profunda correspondente ao canal ou calha.

As barras arenosas são estruturas morfológicas muito notáveis dos ambientes praiais e importantes no que diz respeito ao volume de sedimentos armazenados, desempenhando importante papel no balanço sedimentar atuando como importante fonte de sedimentos local. De caráter muito dinâmico, estão situadas numa zona submersa próxima da costa e são determinantes no espectro de energia que alcança a face praial, uma vez que são responsáveis pela dissipação de uma parte considerável da energia de ondas, atuando assim como uma barreira de defesa natural contra a erosão da linha de costa (BARBOSA, 2007; CALLIARI et al., 2003).

Já o canal é uma zona deprimida do perfil de praia submarino, normalmente associado a uma barra arenosa. A linha de costa e o canal são relativamente lineares, e se o perfil de praia está afetado por mais de uma barra, existe igual número de canais (APRH, 2007; BARBOSA, 2007).

Embora possuam características universais, o comportamento e ocorrência das barras arenosas variam de acordo com as condições ambientais. Em costas oceânicas caracterizadas pela alternância de ondas de tempestade ou de ondulações de alta energia com períodos de ondulações de baixa energia, as barras aparecem como feições muito dinâmicas, migrando em direção ao mar durante tempestades e em direção à costa durante regimes de menor energia. Já em costas protegidas de ondulações, sistemas de múltiplos bancos, muito estáveis, podem desenvolver-se. Geralmente os bancos arenosos proximais são mais móveis e instáveis do que os distais, pois estes requerem níveis de energia mais elevados para serem mobilizados (CALLIARI et al., 2003).

No ambiente costeiro em sua zona submersa, existem ainda formas bastante expressivas como as rochas de praia (beachrocks) e os recifes algálicos e coralígenos. No Brasil, especialmente no litoral nordestino, verifica-se ao longo da costa uma muralha intermitente dessas formações (BIOMANIA, 2016).

As rochas de praia, também chamadas de recifes de arenito, arenitos de praia ou

beachrocks caracterizam-se por areias quartzosas, que variam desde fina à grossa, até

Dispõem-se sobre uma faixa estreita e retilínea paralela à linha de costa (CASTRO; SUGUIO, 2011).

Segundo Bird (2008) a formação dos beachrocks ocorre pela precipitação de carbonatos de cálcio na zona de flutuação dentro da água de uma praia (relacionada com a preamar e baixa-mar e as alternâncias entre tempo molhado e seco) que cimenta a areia da praia em discos de camadas de arenito. Os beachrocks também são notadamente conhecidos como geoindicadores de variações do nível relativo do mar. Em geral, marcam a linha de costa pretérita e a constituição sedimentar de paleopraias (CASTRO; SUGUIO, 2011).

Já os recifes que podem ser coralígenos ou algálicos, podendo também se desenvolver sobre os beachrocks, são produtos da construção ativa de organismos marinhos junto a sedimentos que crescem em combinação com seus detritos, construindo estruturas rígidas e resistentes à ação das ondas (POOP, 2014). A palavra “recife” se refere a “rochedo ou série de rochedos” situados próximos à costa ou ligados a ela diretamente, submersos ou rasos, a pequenas alturas do nível do mar ficando emersos na maré baixa (MMA, 2009).

Biologicamente são considerados como os mais antigos e ricos ecossistemas. Isso ocorre porque esses ambientes compreendem um setor de refúgio e esconderijo biológico, constituindo-se em hábitat natural de diversas espécies marinhas (MMA, 2009).

A ocorrência de forma quase contínua de recifes (arenitos de praia), formando verdadeiros quebra-mares, sobretudo entre Natal e Maceió, representa uma feição de proteção à erosão costeira, ao dissipar parte da energia das ondas (BARRETO et al., 2010; MUEHE, 2001). No entanto, essas formas apesar de protegerem a costa do efeito da energia das ondas, podem gerar processos erosivos nas suas extremidades (MANSO et al. 1995 apud GREGÓRIO, 2009).

A plataforma continental é a porção do fundo oceânico que margeia os continentes, indo da linha de costa até a profundidade de aproximadamente 200 m. Possui declividade suave (1 m de declive para cada 1.000 m de extensão) e largura variável (70 a 80 km em média) (BRANCO, 2014). No Brasil, ela se apresenta mais larga onde o aporte de sedimentos é maior (Litoral Amazônico) e mais estreita onde há uma menor carga sedimentar (Litoral Nordestino).

Pode ser dividida em plataforma externa e interna. A primeira corresponde à porção da plataforma continental com profundidade variável de 30 a 200 m, onde predomina a sedimentação bioclástica. A segunda possui profundidade entre 0 e 30 m, predominando a sedimentação siliciclástica (MARINS, 2010).

Apesar do aspecto plano das plataformas, oriundo das atividades erosivas e deposicionais relacionadas às transgressões e regressões marinhas, a sua topografia é constituída de feições negativas e positivas. As primeiras incluem os canyons, canais e vales submarinos, bacias e depressões lineares, já as segundas são representadas por bancos e cristas, terraços e escarpas de falhas, recifes e bancos costeiros (COUTINHO, 2005).

Após a plataforma continental ocorre uma quebra a qual corresponde ao talude continental, e se constitui numa pendente relativamente íngreme, que se estende da quebra da plataforma até o sopé continental. Ele constitui a porção mais íngreme (3° a 6°) do piso marinho (COUTINHO, 2005).

Como é notável, as zonas costeiras possuem grande diversidade de formas e processos. A preocupação com a estabilidade geoambiental desses ambientes ocorre porque cerca de 50% da população mundial vive nessas áreas, e a densidade populacional nesse setor, é três vezes maior que a média mundial. Além disso, à medida que aumenta a ocupação do litoral, sobretudo nas proximidades das grandes cidades, aumentam também os relatos sobre erosão (MMA, 2010; MUEHE, 2005). As zonas costeiras também são importantes por serem usadas para pesca, transporte, recreação e fonte de energia (DAVIDSON-ARNOTT, 2010).

Muitas comunidades tradicionais do planeta dependem dos ecossistemas costeiros para sua subsistência, segurança alimentar e sobrevivência cultural. Esse ambiente representa muito além de uma fonte de renda, um meio para a reprodução sociocultural desses povos, sendo portanto, carregado de um valor simbólico. Neste âmbito, destacamos o papel da Etnogeomorfologia, na busca pela manutenção dos conhecimentos e práticas socioculturais desses grupos, que apesar de “quase invisíveis” para a sociedade, possuem papel socioambiental extremamente relevante nos aspectos social, econômico, ambiental e cultural.