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A ÉTICA POR TRÁS DAS RESPONSABILIDADES COMPARTILHADAS

4 JUSTIÇA RESTAURTIVA E SOCIOEDUCAÇÃO: UMA MUDANÇA

4.3 A ÉTICA POR TRÁS DAS RESPONSABILIDADES COMPARTILHADAS

O caráter ético das práticas restaurativas aplicadas na experiência socioeducativa pode ser claramente evidenciado depois de tudo o quanto já exposto no decorrer desse trabalho. A carência de uma reformulação das medidas socioeducativas sempre foi alvo de fortes críticas por não atender à finalidade pedagógica da responsabilização para a qual foram criadas, padecendo de uma ética de valores.

186 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e ato infracional: desvelando sentidos no itinerário da

alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 79-80.

187 SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente em Conflito com a Lei: Da Indiferença à proteção Intergal.

Sucede, também, que a o sistema socioeducativo deveria ser um diferencial na vida do jovem infrator, mostrando-lhes outras alternativas viáveis em contraposição à criminalidade, a fim de torná-lo um sujeito ativo na construção da sua própria identidade, a partir de posturas coerentes na condução das suas escolhas188.

Dito isso, as infrações praticadas pelos jovens em conflito com a lei podem muito bem serem compreendidas como situações que os expõe ao elevado risco social. Diante desse fato, verifica-se que há uma margem de dever ético da sociedade civil e do poder público no sentido de unirem esforços para assegurar uma estrutura que atenda aos objetivos previstos no ECA. A elaboração de uma rede de atendimento com profissionais capacitados e que priorize a restauração ao invés de dor, bem como que inverta a lógica da punição pela da responsabilização consciente, torna-se a chave fundamental para a abertura de um sentimento de empatia nos jovens.

Alerta Kay Pranis189 que a mensagem passada aos adolescentes, atualmente, é a de que as únicas pessoas que realmente se importam com o seu bem-estar são a família mais próxima e as pessoas contratadas para cuidá-los. Essa lógica é altamente prejudicial pois cria uma visão de mundo individualista e que descarta possibilidades de incentivo à empatia e ao senso de bem comum.

Segundo a autora, a sociedade criou uma geração de jovens sem a preocupação de ensiná-los a desenvolverem sentimentos de empatia. Em contrapartida, tornou-se comum uma indignação quase que geral das pessoas, quando os adolescentes parecem não prestar atenção se o comportamento que vierem a adotar pode impactar negativamente ou não na vida de outros indivíduos. Destaca, então, que há três pré-requisitos para que se possa cultivar a empatia nos jovens: a) a análise de um feedback regular sobre como nossas ações estão afetando outras pessoas, comunicado de forma respeitosa; b) relacionamentos nos quais somos valorizados e nos quais nosso valor é validado; c) a sensação de que outros sabem que estamos sofrendo190.

Sem dúvidas as premissas lançadas pela autora ajudam na compreensão do que até então foi criado e do que precisa ser modificado, reconhecendo-se eticamente as falhas na

188 OLIVEIRA. Maria Cláudia Santos Lopes de. “Da medida ao atendimento socioeducativo: implicações

conceituais e éticas”. Justiça juvenil: teoria e prática no sistema Socioeducativo. Org: Ilana Lemos de Paiva, Candida Souza, Daniela Bezerra Rodrigues. – Natal, RN: EDUFRN, 2014. p. 91.

189 PRANIS, Kay. Justiça Restaurativa: revitalizando a democracia e ensinando a empatia. In: SLAKMON,

Catherine; MACHADO, Maíra Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cuz (org.). Novas Direções na Governança da Justiça e da Segurança. Brasília, DF: Ministério da Justiça, 2006. p. 588.

educação de crianças e jovens e equívocos de um sistema de justiça juvenil, que por todas as críticas doutrinárias apontadas, priorizou punições disfarçadas de medidas socioeducativas ao invés da restauração da dor sofrida e de buscar incutir nos jovens infratores a importância de uma auto responsabilização que preze pela alteridade da vítima e demais afetados pela infração, inclusive ele.

Nesse contexto, Ana Paula Mota Costa saliente que:

O grande avanço será admitir explicitamente a existência da responsabilidade penal juvenil, como categoria jurídica, enfatizando o aspecto pedagógico da resposta como prioritário e dominante. É útil à concepção doutrinária garantidora de direitos que se proclame o caráter penal das medidas socioeducativa, pois, sendo assim reconhecidas, serão impostas observando o critério de estrita legalidade191.

Em virtude da complexidade que é intercalar uma justiça penal juvenil com uma ética de valores é que se apresenta o modelo de Justiça Restaurativa. Pautado numa ética da alteridade, o modelo restaurativo não tem como objetivo a punição do ofensor, haja vista a priorização de procedimentos dialógicos com a pretensão de alcançar soluções mais justas do que aquelas ofertadas pelo modelo penal tradicional, atentando-se para a singularidade e complexidade humana sem, contudo, desviar-se dos direitos e garantias fundamentais.

De forma elucidativa, o professor Marcello Pelizzolli, sintetiza a questão:

Portanto, pensar Justiça como escuta-diálogo de alteridade é colocar num lugar mais apropriado o sentido social e de finitude de cada ser individual. Trata-se de propor uma escuta pessoal ao nosso grande e frágil ser que somos, com nossas inquietudes e nossos carmas (ações-reações), gerando emaranhamentos e conflitos, amor e dor, caminhando para a aceitação de si, peregrino, pergunta-dor, aberto, e sempre limitado em seu empoderamento. Deste modo, não posso tomar simplesmente uma instituição como guardiã de meu ser, através da garantia de propriedade e direitos, mas colocar- me na dialética entre propriedade/autonomia e alteridade/finitude. Isso concretamente pode começar como a dis-posição ao dia-logos e à socialidade como generosidade. O logos significa originalmente palavra, sentido, depois traduzido como razão e estudo. No diálogo, não tenho a razão última de nada, não tenho a palavra final, sou dependente do jogo social, da dialética, e preciso saber jogar, saber viver. Não se trata, no dia-logos, de ganhar do outro, pois o sistema ganha-perde pode apenas produzir novas frustrações, ou vinganças. No dia-logos e na generosidade, literalmente, a palavra é atravessada, passamos a palavra, de ouvido em ouvido; e assim, damos algo, o tempo inteiro a vida é doação e serviço. Para isso funcionar, é preciso aprender a ouvir e a dar de si sem neuroses. Ouvir não é estar com os ouvidos abertos, mas com a obediência de coração. Ob-audere, ouvir a, ouvir para. Não se trata de ouvir e fazer pelo fato de uma lei externa e autoridade obrigar. Mas ouvir verdadeiramente é uma

191 COSTA, Ana Paula Motta. As Garantias Processuais e o Direito Penal Juvenil. Porto Alegre: Livraria do

obediência positiva que não precisa concordar tal e qual com o outro; ela não é uma escravidão, pois é feita a partir de anseios profundos dos sujeitos humanos que são intersubjetivos no fulcro da alteridade. A incapacidade para o diálogo, tema caro à hermenêutica e às filosofiasdo diálogo, diz muito da incapacidade para ouvir. Por vezes, ouvir o outro e acolher é quase toda solução. Somos carentes de alguém que nos ouça. Ouvir verdadeiramente é raro, sem julgar previamente, compreendendo a fragilidade humana, que é sempre a minha também. Eis um dos grandes ensinamentos da Comunicação Não-violenta à serviço da mediação de conflitos e do diálogo192.

De fato, o saber escutar o outro, ouvindo suas necessidades e anseios, aprimora o modo como se deve encarar os conflitos, sejam eles de natureza penal ou não e, em consequência, promove a justiça social. A comunicação não violenta, proposta eticamente pelo paradigma restaurativo, aproxima os sujeitos e potencializa as chances de consenso, além de evitar a exclusão social.

Nesse sentido, Marcelo Pelizzolli conclui:

Temos, por conseguinte, um casamento perfeito desta base com os processos de mediação e restauração ética da Justiça Restaurativa, como apontamos. Neste sentido, fica claro que Justiça tem tudo a ver com ouvir, acolher, dar a cada um o que lhe cabe. Trata-se basicamente de incluir o outro em vez de reforçar a mentalidade da exclusão. Infelizmente, nosso mundo, por vezes mudo, ergueu barreiras ou verdadeiras divisões entre classes, raças e espaços. A mentalidade da exclusão tem um fundo protetor, mantenedor de uma segurança, a mesma que atua na base dos racismos. É por isso que tais aspectos são tão encarnados nas sociedades ainda hoje. Vencer tais muros não é apenas uma questão de mudar de idéia. Exige Justiça – radical, como a ética da alteridade vai sugerir. A Liberdade torna-se posterior à Justiça, a saber: justiça em primeiro lugar é um auto-questionamento, até que ponto não estou excluindo, e até onde meu ser sujeito, minha ação no mundo, inclui. Até que ponto o mundo de poucos se sustenta. Muito grave pessoal e socialmente o egocentrismo, pois não corresponde aos anseios profundos dos ethos comunitários; egoísmo é não saber ouvir, é não incluir, é não aceitar a diferença, é levantar ou corroborar muros. É aceitar o estado de coisas excludente. Apartheid social. Quando me relaciono com alguém apenas mediado no conceito e imagem que tenho dele, isso é fadado ao fracasso193.

Ademais, conclui-se que a assunção de uma responsabilidade do jovem autor de ato infracional mediante a execução das medidas socioeducativas, sob a égide dos princípios e valores do paradigma restaurativo, firma-se como um meio eticamente coerente no modo como o Estado e a sociedade respondem às infrações praticadas na adolescência.

192 PELIZZOLLI, Marcelo. Fundamentos Para a Restauração da Justiça. Resolução de Conflitos, Justiça

Restaurativa e a Ética da alteridade/Diálogo. UFPE - Dep. de Filosofia. p. 8-9. Disponível em: < http://gajop.org.br/justicacidada/wp-content/uploads/fundamentospararestauracaojustica.pdf . > Acesso em: 25 dez. 2017.

Como pondera Fabiana Schmidt194, a medida socioeducativa significa uma reprovação da conduta ilicitamente praticada que, como consequência, carrega a privação ou restrição da liberdade ou ainda uma admoestação, mas seja como for, representa em si o peso da aflição que se materializa no sofrimento do jovem que se vê privado do exercício pleno da liberdade.

Constata-se, então, que tais medidas fazem parte do aparato estatal de controle social, não raro exercido de maneira repressiva. Todavia, o SINASE foi criado exatamente para findar com a ideologia punitivista que se estabelece insistentemente sobre as medidas socioeducativas, analisando-se justamente o contexto atual em que se encontram os jovens em conflito com a lei195 .

Exatamente por esse motivo, recomenda-se a restauração e pacificação das relações sociais por meio do paradigma restaurativo. Promover o desenvolvimento do jovem infrator tendo, como parâmetros, os elementos fornecidos pela Justiça Restaurativa aumenta as chances de ele assumir as consequências de seus atos perante a vítima, a partir de uma postura autonomamente ativa, tendo o apoio, sempre que possível, da família, da comunidade e do poder público.

Demais disso, para além de uma simples responsabilização juvenil, faz-se necessário que também o sistema de justiça penal juvenil, o sistema socioeducativo e o poder público agreguem esforços no sentido de promoverem uma socioeducação que auxilie o jovem infrator a superar as dificuldades deixadas pela infração e que o prepare para o convívio na vida social. Para tanto, esse processo de preparação do adolescente deve partir de dois pressupostos, segundo Isa Maria Guará196: uma educação voltada à preparação do jovem para o convívio social e concomitantemente a esta uma outra, de cunho específico, nos casos de execução da medidas judiciais.

Segundo a autora, elas partem de uma ação profissional que, por sua diversidade podem ser aplicadas em variados contextos institucionais de execução das medidas socioeducativas, a fim de propiciar a oportunidade de aprendizado e desenvolvimento pessoal do jovem.

194 SCHMIDT, Fabiana. Adolescentes privados de liberdade: a dialética dos direitos conquistados e violados.

Dissertação (Pós-graduação). Faculdade de Serviço Social da PUC-RS. Porto Alegre, 2007. Disponível em: <http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=870>. Acesso em: 27 dez. 2017.

195 SCHMIDT, Fabiana. Op. cit., p. 26.

196 GUARÁ, Isa maria Ferreira da Rosa. A Ação Socioeducativa: desafios e tensões da toria e da prática. In:

LIBERATI, Wilson Donizeti (coord.). Gestão da política de direitos ao adolescente em conflito com a lei, 1 ed. São Paulo: Letras Jurídicas, 2011. p. 115.

A partir do contexto de problematização da conflituosidade que emerge da adolescência e dos mecanismos de responsabilização com esforços conjugados para a conscientização do jovem autor de ato infracional acerca da importância do papel social que ele exerce é que a Justiça Restaurativa contribui para a retomada de uma vivência ética. Nesse sentido, preconiza Lainetti:

É de inquestionável importância tanto para – em uma esfera micro – capacitar e subsidiar o trabalho direto com adolescentes autores de ato infracional, de maneira que ele possa ser cada vez mais ético e eficiente, quanto para, em uma esfera macro – questionar/problematizar o binômio adolescência-violência, e, de forma implicada, perguntar se é possível reverter esse processo, e, ainda, qual o lugar que pode ser ocupado pela Justiça Restaurativa nesta questão197.

De mais a mais, é salutar, até mesmo num contexto ético-pedagógico trazer, a ideia de que as práticas restaurativas sejam executadas alternativamente à execução das medidas socioeducativas. Significa dizer que, um programa socioeducativo que adote o paradigma restaurativo, como aliado efetivo no combate à violência em que a juventude toma parte e em processos de inclusão social do jovem nessas condições, deve priorizar intervenções que contem em seu bojo uma responsabilização coletivizada, a restauração dos danos sofridos pela vítima, com todo o apoio de que ela e sua família precisam. Aliás, todas essas questões são apontadas na pesquisa de Maria Cristina Vicentin e Mirian Rosa Debieux198.

4.4 A ALMEJADA REDUÇÃO DOS DANOS À VÍTIMA, AO OFENSOR E A COMUNIDADE

O sistema de justiça penal juvenil, do ponto de vista restaurativo, diferentemente do modelo tradicional de justiça penal, tem como preocupação central a maximização da redução dos danos advindos do ato infracional.

197 LAINETTI, Manoela de Oliveira. Justiça Restaurativa e transformação do laço social: adolescência e

autoria do ato infracional. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP. São Paulo. 2009, p. 8.

198 ROSA, Miriam Debieux; et. al. “Adolescência e sistema de justiça: problematizações em torno da

responsabilização em contextos de vulnerabilidade social”. In: Responsabilidades, Belo Horizonte, v. 1, n 2, p

271-295, set. 2011/ fev. 2012. Disponível em: <

http://www8.tjmg.jus.br/presidencia/programanovosrumos/pai_pj/revista/edicao02/8.pdf> Acesso em: 2 jan. 2018.

Contudo, essa dinâmica não pode ser alcançada sem o foco na coresponsabilização pelas causas e consequências do conflito pois, como bem lembra Egberto Pinido199, amplia-se o grau de responsabilidades, seja no âmbito individual e coletivo, seja no plano do aparato das estruturas institucionais que apenas reproduzem a conflituosidade das relações e a violência.

Sustenta o mesmo autor que o sistema de justiça focado no paradigma restaurativo, cujas bases se afirmam na agregação de valor à participação ativa dos envolvidos nas relações, tende a restaurar o equilíbrio social afetado pelo conflito, de modo a atender, com mais eficiência, às necessidades de todos no processo, questões, aliás, já trabalhadas no decorrer deste trabalho.

Esbarra-se, todavia, na emergência de um sistema de justiça juvenil que efetivamente atenda aos anseios de justiça com uma adequada responsabilização pautada no respeito à doutrina da proteção integral e na condição peculiar de desenvolvimento a que estão sujeitos esse grupo de indivíduos. Esse problema é, apenas, uma das faces de outra crise ainda maior e mais generalizada que se verifica em todo o judiciário. Frise-se, inclusive que o referido problema de que se está referindo se verifica em quase todos os países do mundo, conforme lembra Aída Carlucci200.

A autora alega, a partir do referido problema, que os responsáveis pela administração da justiça, muitas das vezes, não cumprem os deveres impostos pela própria lei, o que implica na sua lentidão, ineficiência e ausência de aptidão para tutelar as vítimas. Advoga Howard Zehr201, que o sistema de justiça deve partir da premissa inicial em identificar e satisfazer as necessidades humanas. Lançando essa lógica para a prática do delito, ele afirma que as primeiras preocupações deveriam ser a quem o dano atingiu e como se deu, e o que os atingidos estão imediatamente precisando. Como, na prática, esses métodos são ignorados, tem-se, como consequência, um aumento na descrença e desconfiança no Poder Judiciário.

Não se pode perder de vista que a experiência de justiça constitui uma necessidade humana básica, pois sem ela a cura e a reconciliação tornam-se inalcançáveis202, o que tornaria difícil a instauração de uma cultura para a paz. Portanto, a postura dos responsáveis pela gestão

199 PENIDO, Egbrto de Almeida. “A arte do encontro na justiça”. In: CASA em Revista: juventude e cultura de

paz. Ano II, Número 3. dezembro. São Paulo, 2010. p. 14-23.

200 CARLUCCI, Aída Kemelmarjer de. Justicia Restaurativa: possible respuesta para el delito cometido por

personas menores de edad. ed. Santa Fé: Rubinzal-Cultone, 2006, p. 35-36.

201 ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo olhar sobre o crime e a justiça: Justiça restaurativa.

Tradução de Tônia VanAcker. Pallas Athena. 2008. p. 178.

do sistema de justiça juvenil não deve ser outra, senão a de adequação a um modelo diferenciado, cujas bases se encontram no paradigma restaurativo para o atendimento ao jovem autor do ato infracional, mas conscientizando-o de que deve ter responsabilidade sobre suas ações, de modo a reparar ainda que de maneira simbólica, o dano causado, a exemplo de um pedido de desculpas sincero.

Em razão da descrença no sistema de justiça, pode-se dizer que uma boa saída para essa situação será exatamente uma política de redução de danos que deve ser ancorada pelo sistema de justiça penal dos adultos e, em especial, o sistema de justiça juvenil. Com relação a este último, é importante reforçar que se tem um bloco normativo bastante amplo e garantista – Constituição Federal, Lei 8.069/90 e a Lei 12.594/2012, além de outros instrumentos legais que auxiliam na montagem de uma rede de atendimento socioeducativa restauradora, contudo, não se pode negar que um dos maiores desafios ainda é a adequação das práticas aos postulados legais.

Outro ponto de relevância no tocante à minimização dos danos como um eixo de um sistema de justiça juvenil restaurativo é a inquestionável relação que existe entre a noção de redução dos danos e a sistemática da reparação, tema gerador de certos tensionamentos, tendo em vista que, para alguns, o jovem autor do ato infracional deve reparar a vítima também quando o dano envolve uma natureza material, tais como o adimplemento de prestações pecuniárias como forma de indenizações.

Para Sóstenes Macêdo203 a reparação do dano não é unicamente uma finalidade concreta, tal como a restituição de um bem àquele que suportou certo dano material. Afirma que existe a reparação simbólica, tal como um pedido de desculpas, etc.

A esse respeito, o ECA possui regramento específico no artigo 116, que dispõe:

Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.

Assim sendo, o ECA estabelece, como uma das medidas socioeducativas, a obrigação de o adolescente causador do dano necessariamente, reparar a vítima, seja a reparação de

203 MACÊDO, Sóstenes de Jesus dos Santos. Sistema de Justiça (Penal) Restaurativo: Algumas reflexões do

natureza pecuniária, seja de outra maneira. A referida lei, portanto, aduz que tal medida deve ser executada somente se houver prejuízo material, podendo ser substituída por outra na impossibilidade de seu cumprimento, como nos casos de ausência de recursos, em consonância com o parágrafo único do mesmo artigo204.

No entender de Aída Carlucci205, a reparação possui a finalidade educativa e está associada ao processo de responsabilização do jovem infrator. Explica a necessidade da tomada de consciência do jovem acerca da existência das leis penais, o conteúdo que lhes dão corpo e as consequências da sua violação para ele a vítima e a sociedade de modo geral.

Este seria o primeiro passo para responsabilizá-lo. Sintetiza que é preciso desvencilhar-se do discurso que coloca o jovem numa condição de que não pode ele assumir a responsabilidade pela infração ou ainda realocá-lo como vítima, porque dessa maneira estar-se- ia mantendo-o na irresponsabilidade, além de tornar favorável a reincidência.

Entre os que defendem o ressarcimento dos danos pelo próprio adolescente, está João Batista da Costa Saraiva206, para quem a capacidade de reparação deve partir do próprio adolescente, de modo que não se possa confundir esta, com o ressarcimento do prejuízo feito pelos seus responsáveis, que é de natureza de responsabilidade cível atinente ao poder familiar