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Política Criminal Juvenil e Alguns Projetos de Lei em Tramitação no

1. INTRODUÇÃO

2.3 O CONTEXTO BRASILEIRO NO TRATO DOS DIREITOS HUMANOS DO

2.3.3 Política Criminal Juvenil e Alguns Projetos de Lei em Tramitação no

Em matéria de direito penal juvenil, há uma grande discussão de âmbito doutrinário e legislativo a respeito da responsabilização de jovens em conflito com a lei. Como demonstrado, linhas atrás, tal responsabilização se faz necessária dentro dos limites estritos do que preconiza o ECA e o SINASE e possui caráter nitidamente pedagógico, não admitindo operações discricionárias e subjetivadas que ameacem a segurança jurídica e os direitos e garantias historicamente conquistados.

Contudo, em meio ao crescente aumento da criminalidade e do envolvimento da juventude em ações ilícitas, tem crescido movimentos refutando debates defensivos da redução da maioridade penal e de reformas de política legislativa voltadas ao endurecimento das leis, já existentes, no trato da delinquência juvenil.

Não por acaso Juarez Cirino dos Santos82 chama a atenção para o fato de que produção e reprodução social do processo de criminalização por meio da seletividade estereotipada dos agentes de controle social está direcionada ao status de inferioridade social do adolescente, maculando a própria ideia de igualdade.

Também importa ressaltar que esse movimento reacionário vem se agigantando graças aos clamores da mídia que reproduz discursos voltados à construção social da figura do delinquente juvenil, e ressalte-se, da juventude pobre, ganhando fortes adeptos no senso comum, por se acreditar equivocadamente que o problema da criminalidade desses agentes sociais se resolve com medidas repressivas encarceradoras.

A situação se torna mais sintomática quando campanhas eleitorais se formam no intuito de conseguir votos fáceis para políticos sem maiores compromissos com a coletividade, que se aproveitam dos problemas de insegurança pública e do envolvimento de jovens em atos ilícitos para engariar promessas eleitorais com medidas legislativas repressoras.

Corrobora desse entendimento García Mendez que, com precisão, afirma:

Faz já bastante tempo que alguns meios de comunicação têm sido sumamente "eficazes" em vincular em forma praticamente automática o problema da

82 SANTOS, Juarez Cirino. “O adolescente infrator e os direitos humanos. O adolescente infrator e os direitos

humanos”. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Verso e Reverso do Controle Penal – (Des)Aprisionando a Sociedade da Cultura Punitiva. Florianópolis: Fundação José Boiteux, 2002. p.7.

segurança/insegurança urbana com comportamentos violentos atribuídos aos jovens, muito especialmente com aqueles menores de dezoito anos. No entanto, não me parece que a iniciativa possa atribuir-se aos - inclusive poucos sérios e responsáveis - meios de comunicação. Me parece, em troca, que a iniciativa tem surgido de políticos pouco escrupulosos que antes que nada concebem a política como espetáculo e traficam com necessidades e angústias legítimas da população tal como o medo e a insegurança urbana.

Esta posição, que invariavelmente cobra força durante os períodos eleitorais, consiste em realizar o que eles pensam como uma simples operação de troca no mercdo eleitoral: a troca de votos seguros pela ilusão da segurança. A conjuntura eleitoral passa, os votos ficam e a ilusão da segurança se evapora. O efeito duplamente perverso de uma situação como esta radica em que longe de conduzir a indignação contra os políticos inescrupulosos, alguns setores da população e alguns meios de comunicação confirmam seu desprezo por soluções sérias no marco da lei e sobretudo seu desprezo indiscriminado pela política, os políticos e as instituições. Não poucas barbáries da justiça privada têm sua origem e legitimação neste tipo de processos83.

Dessarte, os clamores sociais e midiáticos, associados a oportunismos políticos que encaram o problema da segurança pública como meio de obtenção de votos pode explicar determinados Projetos de Lei (PL) ou de Propostas de Emendas à Constituição (PEC) que dentre outros objetivos visam promover uma política criminal subversiva de cunho punitivista e retributivista aos jovens em conflito com a lei. Como exemplos é possível citar a PEC 171 de 199384, de autoria do Deputado Benedito Domingos, cujo objetivo é alterar o artigo 228 da Constituição Federal para reduzir a imputabilidade penal dos jovens de 18 para 16 anos.

A esse respeito merece destaque a opinião de João Batista da Costa Saraiva85 que, citando o trabalho do magistrado Eugênio Couto Terra, defende a impossibilidade de alteração do artigo 228 da Constituição, uma vez que se trata de cláusula pétrea. Assim, qualquer tentativa de mudança no referido artigo seria flagrantemente inconstitucional por violar a garantia dos menores de 18 anos de serem tratados como inimputáveis e, portanto, de estarem fora do sistema penal dos adultos.

A polêmica PEC 171/93, ao passar pelo crivo da Comissão Parlamentar destinada a proferir Parecer acerca da proposta, foi rejeitada. Eis um trecho da fundamentação que embasou o parecer:

83 MENDEZ, Emílio Garcia. Adolescentes e responsabilidade penal: um debate latino-americano. Buenos

Aires, 2002. Disponível em: <www.abmp.org.br/publicacoes/Portal ABMP Publicacao_88.doc>. Acesso em: 15 nov. 2017. p.10.

84Câmara dos Deputados. PEC 171/1993. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1307577 >. Acesso em: 15 nov. 2017.

85 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei – da indiferença à proteção integral: uma

O Brasil conta com um sistema de justiça especializada que se encarrega da responsabilização penal dos adolescentes entre 12 e 18 anos, nos termos do art. 228 da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, tudo em conformidade com a Convenção dos Direitos da Criança, de 1989, e com as regras das Nações Unidas sobre justiça juvenil, que vêm sendo definidas desde 1985. Há consenso médico sobre a necessidade de se considerar crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento. De fato, a neurociência admite que somente aos 20 anos se completa o processo de maturidade cerebral, ainda que a maturidade emocional possa acontecer em distintas idades.

Há consenso jurídico sobre a importância da proteção dos direitos de crianças e adolescentes, que são vítimas indefesas e preferenciais de crimes em todo o mundo. Por essa razão editam-se leis nacionais e adotam-se tratados internacionais que garantem o seu acesso a medidas protetivas e socioeducativas.86

Por outro lado, existem inúmeros projetos de lei que visam debater as questões atinentes à responsabilização do jovem infrator para afastar as garantias decorrentes de direitos conquistados a duras penas, tal como o Projeto de Lei nº 2862/2004, de autoria do Deputado Rubinelli, propondo a revogação total do artigo 115 do Código Penal, que determina a redução dos prazos prescricionais à metade para todos aqueles menores de 21 anos na data do fato e aos maiores de 70 até a fase processual do sentenciamento. O projeto aguarda tramitação já para o Senado Federal. Aqui também, mais uma vez se reproduzem os mesmos argumentos afirmados linhas atrás, conforme se depreende de alguns trechos que fundamentam a justificativa do parlamentar:

Ainda há gente que acredita que todas as crianças que cometem crimes são boas, inocentes, e que só seguem o caminho da marginalidade por falta de oportunidades na vida, etc., etc. Essa conceituação decorre de uma falta de compreensão das verdadeiras causas da criminalidade na primeira idade.

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que nenhum menor de idade pode ficar detido mais de três anos, por mais hediondo que tenha sido o crime por ele cometido. Ao completar a maioridade, sua ficha criminal deve ser apagada totalmente, para que ele tenha condições de começar a vida adulta sem problemas87.

Observa-se que o referido projeto de lei pretende, claramente, reduzir as garantias processuais do jovem com problemas perante o ordenamento jurídico-penal, fora dos padrões estabelecidos constitucionalmente e pelo espírito do ECA. Em razão disso, não se admite

86Comissão Especial destinada a proferir Parecer à Proposta de Emenda à Constituição Nº 171-A de 1993, do

Sr. Benedito Domingos e Outros, que “Altera a redação do Art. 228 da Constituição Federal” Imputabilidade Penal

do Maior de Dezesseis Anos) e Apensadas. Disponível em

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1307577 > Acesso em: 15 nov. 2017.

87 Câmara de Deputados. Justificação do Projeto de Lei 2862/2004 de autoria do Deputado Rubinelli. Disponível

em:<http://www.camara.leg.br/buscaProposicoesWeb/resultadoPesquisa?numero=&ano=&autor=&inteiroTeor= delinquencia+juvenil&emtramitacao=Todas&tipoproposicao=%5B%5D&data=15/11/2017&page=false >. Acesso em: 15 nov. 2017.

que, em nome da natureza retributiva da resposta do Estado ao ato infracional, se minimizem garantias penais e processuais penais contempladas pelo direito penal juvenil e o sistema de justiça penal juvenil88.

É claro que não se pode desconsiderar o direito fundamental de todo cidadão em reclamar a segurança pública que ao Estado incumbe zelar e que não pode ser reduzido por conta da violência que assola o cotidiano dos grandes centros urbanos do país e da qual o jovem também está inserido. Porém, as medidas socioeducativas já têm, em sua essência, natureza de sanção penal, e representa simbolicamente a reprovação do ordenamento jurídico em face do comportamento juvenil desviante.

Nesse sentido, são oportunas as conclusões de García Mendez:

A demanda social por segurança do cidadão não somente é real, além disso é legítima. Desde o ponto de vista de seus conteúdos substantivos, e quisera que este ponto ficasse absolutamente claro, o ECA constitui uma resposta adequada, eficiente e concordante com os mais altos padrões internacionais de respeito aos direitos humanos. O ECA satisfaz o duplamente legítimo requisito de assegurar simultaneamente a segurança coletiva da sociedade com o respeito rigoroso das garantias dos indivíduos sem distinção de idade89.

Conclui-se, portanto, que toda e qualquer discussão político-legislativa para a elaboração de leis relativas ao enfrentamento dos direitos da infância e juventude, e em especial, quando a questão remete à conflituosidade penal, há limitações de ordem humanitária, constitucional e legal que impedem qualquer possibilidade de violação, visto que os direitos infanto-juvenis formam um apanhado normativo com amparo nos direitos humanos, numa dimensão subjetiva de exercício da cidadania.

Desse modo, qualquer Política Criminal pensada para a juventude em conflito com a lei deverá observar as regras sobre direitos humanos90, tendo em vista que o Brasil funda- se em um Estado Democrático de Direito que respeita o princípio da Dignidade Humana, em suas variadas feições.

88 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei – da indiferença à proteção

integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.68.

89 MENDEZ, Emilio Garcia. Adolescentes e Responsabilidade Penal: Um Debate Latino Americano. Buenos

Aires, 2002. Disponível em: <www.abmp.org.br/publicacoes/ Portal_ABMP Publicacao_88.doc>. Acesso em: 15 nov. 2017. p.10.

90 SARAIVA, João Batista Costa. Política Criminal e o Direito Penal de Adolescentes. Rev. Bras. Adolescência

e Conflitualidade, 2013. p. 3. Disponível em:

<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/politica_criminal_e_o_direito_penal.pdf > Acesso em: 15 nov. 2017.

3 JUSTIÇA RESTAURATIVA: UMA NOVA FORMA DE OLHAR O CONFLITO