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Sistema de Justiça Penal Juvenil à Luz da Justiça Restaurativa

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

WELLINGTON CARNEIRO GUIMARÃES

SISTEMA DE JUSTIÇA PENAL JUVENIL À LUZ DA JUSTIÇA

RESTAURATIVA

Salvador

2018

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WELLINGTON CARNEIRO GUIMARÃES

SISTEMA DE JUSTIÇA PENAL JUVENIL À LUZ DA JUSTIÇA

RESTAURATIVA

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Banca Examinadora da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Direito.

Orientador (a): Profa. Doutora Selma Pereira de Santana

Salvador

2018

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WELLINGTON CARNEIRO GUIMARÃES

SISTEMA DE JUSTIÇA PENAL JUVENIL À LUZ DA JUSTIÇA

RESTAURATIVA

A presente monografia foi aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em direito no curso de Direito da Universidade Federal da Bahia.

Salvador, 24 de janeiroo de 2018.

Banca Examinadora

Selma Pereira de Santana – Orientadora: ____________________________________ Doutora em ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal; Mestra em Ciências Jurídico-Criminais por esta última Faculdade; Professora Associada de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Graduação e Pós-Graduação - Linha de Pesquisa: Justiça Restaurativa); Promotora do Ministério Público Militar da União.

Fernanda Ravazzano Lopes Baqueiro – Examinadora: _________________________ Pós-Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Barcelona, Barcelona, Espanha; Mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia; Doutora em Direito Público Pela Universidade Ferderal da Bahia. Professora de Direito Penal da UFBA; Professora da Pós-graduação em Direito Médico e Ciências Criminais da UCSAL; Advogada.

Gabrielle Santana Garcia – Examinadora:

Especialista em Direito do Estado pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil; Especialista em Teoria Geral do Direito pela Escola de Magistrados do Estado da Bahia (Emab); Professora de Direito Constitucional do Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge). Advogada.

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AGRADECIMENTOS

Gratidão primeiramente a Deus, pai de infinito amor e bondade, fonte de sabedoria suprema que governa os universos infinitos. Ser agraciado com o dom da vida e a permissão para realizar esse sonho é a maior de todas as dádivas.

Aos meus pais, Jason e Vanilza Guimarães, exemplos de amor, humildade e dedicação, sou grato por me ensinarem os valores de justiça, respeito e sensibilidade, sem os quais o curso de direito não faria o menor sentido e se tornaria obsoleto. Obrigado pelas orações, cuidado e a presença em cada momento, principalmente nos mais difíceis, suportando a dor da saudade por acreditarem em mim. A vocês, meu porto seguro, dedico esse trabalho.

Ao irmão que Deus me permitiu escolher e que amo incondicionalmente, Felipe Guimarães, você é a prova viva de que os laços afetivos de parentesco espiritual são tão ou mais fortes do que os laços carnais. Obrigado por acreditar no meu sonho, às vezes até mais do que eu mesmo e por me encorajar nos momentos de fraqueza, de chorar e sorrir comigo quando era necessário. Sempre fez questão de lembrar-me, com frequência, do potencial que existe em mim e de nunca desistir dos meus sonhos. Esse trabalho também é dedicado a você, meu irmão.

Aos demais familiares que tiveram papel fundamental de incentivo moral e material na minha caminhada, em especial as tias Aurinha, Auristela, Alvanice, Patrocínia, Norma e tio Gilmares, e meus primos Afonso, Aline, Bruno, Cris, Railane, Daniele e Juliana.

A minha estimada professora e orientadora deste trabalho, Selma Pereira de Santana, obrigado pelos conselhos de vida e por todos os ensinamentos jurídicos passados que fizeram de mim um apaixonado pelo Direito Penal. Sou grato por fazer-me crer de modo inequívoco, acerca de uma missão da qual jamais posso me afastar: tornar-me um operador do Direito fora dos padrões profissionais da beligerância, pois é de minha inteira responsabilidade as consequências pelas escolhas profissionais de fomentar o conflito ou cultivar a paz.

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a elaboração do presente trabalho monográfico, em especial aos mestres que comporam a banca examinadora. Agradeço pela paciência e por terem dedicado uma parcela do seu tempo para lerem e prestarem as contribuições necessárias, humildemente abraçadas para enriquecer o presente trabalho. Finalmente, externo gratidão aos meus amigos do curso, cujo apoio e sugestões foram fundamentais para a composição desta obra, bem como aos demais amigos que com apoio moral e palavras de conforto tornaram mais leve a trajetória acadêmica até aqui.

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GUIMARÃES, Wellington Carneiro. SISTEMA DE JUSTIÇA PENAL À LUZ DA

JUSTIÇA RESTAURATIVA. 2018. 114 f. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação

– Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia.

RESUMO

O presente trabalho debruça-se sobre o modo como vem sendo construído um sistema de justiça voltado ao atendimento dos jovens em conflito com a lei. Inevitavelmente é necessário estabelecer parâmetros para a elaboração dogmática de um direito penal juvenil, o que implica traçar um paralelo acerca dos mecanismos historicamente utilizados pelo Estado para o enfrentamento das ações ilícitas nas quais a juventude toma parte.

A partir desse contexto, interpelar-se-á os impactos trazidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem assim, do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), instituído pela Lei 12.594/2012, diplomas legais que, seguindo uma tendência constitucional e mesmo global, abraçaram o repertório teórico da Doutrina da Proteção Integral. Desnudam-se as medidas socioeducativas em suas variadas feições, a fim de averiguar se os órgãos institucionais responsáveis pela execução das referidas medidas estão ou não em harmonia com o arcabouço normativo e principiológico teoricamente pensado para conceber uma justiça juvenil em moldes diferenciados do sistema jurídico penal tradicional dos adultos. Partindo, então, dessas premissas, este trabalho esforça-se para investigar se a promoção de uma justiça especializada aos interesses da juventude pode partir de um paradigma restaurativo, para averiguar se os achados teóricos da Justiça Restaurativa estão aptos a fornecer bases seguras e democráticas no âmbito de um direito penal e de uma justiça penal juvenil.

Palavras Chaves: Sistema de Justiça Penal Juvenil, Direito Penal Juvenil, Justiça

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GUIMARÃES, Wellington Carneiro. Criminal justice system in the light of restorative

justice. 2018. 99 f. Term Paper – Law School. Federal University of Bahia.

ABSTRACT

The present work deals with the way in which a justice system has been built, and has returned to the care of young people in conflict with the law. Inevitably, it is necessary to establish a parameter for a scientific elaboration of a juvenile criminal law, which implies drawing a parallel on the mechanisms historically used by the State to confront the illicit actions in which youth take part. From this context, the impacts brought by the Statute of the Child and Adolescence (ECA), as well as the National System of Socio-Educational Treatment (SINASE), instituted by Law 12.594/2012, will be inquired. They are legal diplomas that, following a constitutional and even global tendency, embraced the theoretical repertoire of the Doctrine of Integral Protection. The socio-educational measures will be stripped in their various features, in order to ascertain whether the institutional bodies that are responsible for the execution of such measures are or are not in harmony with the normative framework theoretically thought to conceive a juvenile justice in ways different from the penal legal system of adults. From these premises, therefore, this work has endeavored to demonstrate that a promotion of a justice specialized in the interests of the youth must start from a restorative paradigm, in the certainty that the theoretical findings of restorative justice can provide safe and democratic bases in criminal law and juvenile criminal justice.

Keywords: Juvenile Criminal Justice System, Juvenile Criminal Law, Restorative Justice, ECA, SINASE.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CIACA – Centro Integrado de Atendimento da Criança e do Adolescente CICD – Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança

CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e ao Adolescente CNJ – Conselho Nacional de Justiça

DECA – Delegacia Especializada da Criança e do Adolescente DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FEBEN – Fundação Estadual Para o Bem-Estar do Menor FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor JR – Justiça Restaurativa

NUDECOM - Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos.

OIT – Organização Internacional do Trabalho ONU – Organização das Nações Unidas

PIA – Plano Individual de Atendimento PEC – Proposta de Emenda à Constituição PL – Projeto de Lei

PNBEM – Política Nacional de Bem-Estar do Menor SAM – Serviço de Assistência aos Menores

SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos

SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...9

2 MARCO HISTÓRICO-LEGISLATIVO DOS DIREITOS JUVENIS ... 12

2.1 MARCO DE ÂMBITO INTERNACIONAL NOS SÉCULOS XX E XXI ... 12

2.2 RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL ... 16

2.3 O CONTEXTO BRASILEIRO NO TRATO DOS DIREITOS HUMANOS DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL...19

2.3.1 Politica Criminal Juvenil e Alguns Projetos de Lei em Tramitação no Congresso Nacional...26

2.3.2 A Lei 12.594/2012 e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)...30

2.3.3 Política Criminal Juvenil e Alguns Projetos de Lei em Tramitação no Congresso Nacional ... 36

3 JUSTIÇA RESTAURATIVA: UMA NOVA FORMA DE OLHAR O CONFLITO PENAL ... 41

3.1 UM CONCEITO AINDA EM CONSTRUÇÃO ... 43

3.2 PRICIPIOLOGIA BASILAR DA JUSTIÇA RESTAURATIVA ... 49

3.3 VALORES CENTRAIS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA...57

4 JUSTIÇA RESTAURTIVA E SOCIOEDUCAÇÃO: UMA MUDANÇA PARADIGMÁTICA NECESSÁRIA...61

4.1 DEMOCRATIZAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS A PARTIR DA JUSTIÇA RESTAURATIVA ... 65

4.2 O CARÁTER PEDAGÓGICO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA INSERIDA NA EXECUÇÃO DAS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS ... 69

4.3 A ÉTICA POR TRÁS DAS RESPONSABILIDADES COMPARTILHADAS . 75 4.4 A ALMEJADA REDUÇÃO DOS DANOS À VÍTIMA, AO OFENSOR E A COMUNIDADE ... 80

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4.5 ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO ÂMBITO DA SOCIOEDUCAÇÃO A NÍVEL NACIONAL ... 87

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 95 6 REFERÊNCIAS...99

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho preocupa-se em investigar a problemática a respeito de como tem se formado um sistema de justiça especial voltado ao atendimento das situações conflituosas envolvendo a juventude. Enfrentar o referido problema é pressuposto para que se possa estabelecer as bases de como o Estado tem oferecido respostas sociais às ilicitudes em que a juventude toma parte.

A Constituição Federal de 1988 em seu Capítulo VII, estabeleceu nos Arts. 227 e 228, os ditames de uma proteção especial à infância e a juventude, assegurando direitos humanos fundamentais que se traduzem numa ampla tutela.

Posteriormente, as inovações preconizadas pela Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) trouxeram à tona uma principiologia teórica, com vistas à promoção e proteção dos direitos juvenis, pautada na doutrina da proteção integral. Tal construção normativa, é por assim dizer, reflexo de um movimento de direitos humanos, a nível global, que reclama o reconhecimento de garantias a esse público-alvo por parte de organismos internacionais e dos Estados, a fim de que esses últimos, sobretudo, construam uma estrutura institucional adequada às necessidades daquele grupo de indivíduos.

Na mesma linha, foi editada a Lei 12.594/2012, instituidora do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), dando completude constitucional ao ECA, haja vista ser encarregado de gerir a execução de medidas socioeducativas aplicáveis aos jovens em conflito com a lei.

O arcabouço normativo assim delineado, que acena para um novo direito juvenil, para ser eficiente na prática, exige um sistema de justiça com uma estrutura diferenciada, especializada em atender os interesses de sujeitos de direito em condição peculiar, é dizer, seres humanos ainda em desenvolvimento de suas faculdades físico-psicológicas.

Contudo, é relativamente recente no Brasil a preocupação em estabelecer uma adequação do Poder Judiciário e dos órgãos administrativos do Poder Público que se prestem a cuidar desses assuntos. Mesmo no âmbito internacional, o reconhecimento dos jovens, enquanto sujeitos de direito, somente veio a se firmar no início do século XX, quando emergiram as primeiras positivações-jurídicas, nesse sentido, uma investigação a respeito do caminho histórico-legislativo brasileiro em estabelecer critérios para lidar com as infrações envolvendo a juventude permite concluir que, por muito tempo, prevaleceram parâmetros indiferenciados na punição de jovens com relação aos adultos, de modo que o tratamento ainda que no plano teórico tivessem justificativas distintas, na prática, pouco ou nada

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diferenciavam-se.

No contexto atual, esse ranço histórico mesmo que em menor grau, ainda se permeia no presente, desencadeando discursos conservadores que insistem em construir um perfil ou estereótipo do jovem infrator ligados, não raro, a processos de segregação étnicos, de classe social ou de gênero, que se materializam numa figura pública da delinquência juvenil.

Com efeito, a resposta estatal aos conflitos juvenis, mediante os critérios de aplicação das medidas socioeducativas também padecem de pesadas críticas, à semelhança daquelas já enfrentadas pelo sistema jurídico-penal dos adultos e sua lógica retributiva, isso porque suas formas assistenciais de baixa resolutividade, torna-se um ambiente propício à ausência de responsabilização do jovem infrator, além de fomentar o seu isolamento.

Esbarra-se em problemas de ordem político-institucional que impossibilitam ou dificultam a consecução das garantias asseguradas constitucionalmente e previstas na legislação especial, seja por falta de vontade política, seja pela descrença na efetividade desses diplomas legais. Daí porque, é emergente a discussão sobre o modo de ser das medidas socioeducativas, questionando se estão sedimentadas numa lógica retributiva ou se encontram alinhadas ao viés restaurativo, observando, pois, o espírito democrático do ECA. Para melhor explorar o tema proposto por este trabalho, optou-se por uma escolha metodológica baseada em revisões bibliográficas. A adequação da referida metodologia justifica-se na medida em que possibilita a utilização de materiais anteriormente publicados e que através de uma seleção cuidadosa serão analisados criticamente para embasar a fundamentação do recorte temático.

A revisão de literatura permitirá uma problematização descritivo-analítica do tema, uma vez que serão utilizados elementos históricos, jurídico-normativos e estatísticos, para esclarecer em que moldes se estabelece um sistema de justiça penal juvenil brasileiro, conforme a opinião doutrinária nacional e estrangeira, o que a torna, também, uma pesquisa de cunho qualitativo.

Assim, foram reunidos livros, artigos científicos, dissertações e/ou teses que, de alguma maneira, possuem pertinência temática para embasar a problematização a que este trabalho se propôs.

Inicialmente, no segundo capítulo após essa introdução, será apresentado um breve esboço histórico-legislativo, traçando um paralelo da origem e desenvolvimento dos direitos relativos à juventude, no contexto internacional e no plano interno até chegar ao regramento normativo que temos hoje para compreender a configuração atual do Direito Juvenil no Brasil e das práticas socioeducativas com as críticas que lhe são pertinentes.

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Em seguida, no terceiro capítulo, será trabalhada a lógica da justiça restaurativa, um novo método paradigmático de gestão consensual do conflito penal, protagonizado pelos principais interessados na resolução do problema, é dizer, a vítima, o ofensor, as famílias e a comunidade, sempre com a ajuda de um facilitador. Nesse diapasão, será trabalhada sua conceituação doutrinária, a principiologia basilar que lhe dá sustentáculo e os valores que carrega.

Feitas então estas considerações, será enfrentada já no quarto capítulo a análise do sistema brasileiro de justiça penal juvenil sob o enfoque da justiça restaurativa, elucidando-se sua contribuição no âmbito da execução das medidas socioeducativas. Neselucidando-se ponto, far-se-á uma digressão a respeito da democratização das referidas medidas, quando influenciadas pelos processos restaurativos, cuja essência é a participação proativa dos sujeitos.

Ainda no mesmo capítulo, será abordado o caráter pedagógico da justiça restaurativa, como um processo de mútuo aprendizado e troca de experiências para o adolescente ofensor, a vítima e demais envolvidos.

A natureza ética da justiça restaurativa será também explorada nesse capítulo e, em consequência, pretende-se evidenciar os benefícios de se compartilhar mediante encontros reservados, e com fomento no diálogo respeitoso e aberto, as necessidades e frustrações decorrentes da infração, oportunizando-se que cada um possa expressar suas opiniões a respeito da melhor forma de lidar com as consequências do ato infracional para, só então, chegar-se a uma solução pacífica e com a maior redução de danos possível.

Finalmente, dentro dos limites a que se sujeitam o presente trabalho, serão explicitados ainda no capítulo quatro alguns exemplos Brasil afora, de como a prática na execução das medidas socioeducativas podem se firmar em bases democráticas mais firmes e com maior possibilidade de êxito no processo de responsabilização do jovem infrator e de sua tomada de consciência, quanto à necessidade de emendar seus erros por meio da reparação dos danos causados à vítima e à comunidade.

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2 MARCO HISTÓRICO-LEGISLATIVO DOS DIREITOS JUVENIS

Toda sociedade sofre modificações ao longo do tempo em suas instituições e estruturas de poder. Elas influenciam e são influenciadas pelo contexto político e socioeconômico, de cada momento histórico, e o direito não está alheio a essa realidade, uma vez que a estrutura jurídica do Estado reflete diretamente em cada ocasião, as suas prioridades e o compromisso ou não por ele assumidos na consecução de direitos fundamentais e da melhoria no padrão de vida de seu povo.

Partindo dessas premissas e ressaltando a importância do estudo relacionado à legislação juvenil é possível afirmar, seguramente, que a construção de um sistema de justiça especializado no atendimento aos conflitos juvenis com o ordenamento jurídico, para ser compreendido em sua estrutura, precisa de uma análise, à princípio, do aspecto histórico-legislativo.

Como bem pondera Tânia da Silva Pereira1, a pesquisa histórica muito se justifica, quando possui, como ponto de partida, uma problemática posta no presente, e arremata, referindo-se à situação da juventude, que o momento atual estabelece um desafio do qual a sociedade não pode esquivar-se.

Importa, pois, saber quais as escolhas político-legislativas e os discursos que moldaram em dada medida a estrutura do direito juvenil que temos hoje, possibilitando, assim, trilhar um caminho seguro na busca de alternativas no âmbito da socioeducação, cada vez mais democráticas, para as políticas públicas voltadas aos jovens e, em especial, ao jovem infrator.

Antes, porém, far-se-á uma incursão histórica sobre os direitos juvenis na esfera internacional, elucidando-se os principais movimentos que culminaram com a tendência, ainda em desenvolvimento, de se olhar o jovem com absoluto cuidado e de garantir direitos humanos que não podem mais ser negligenciados, como outrora se fazia.

2.1 MARCO DE ÂMBITO INTERNACIONAL NOS SÉCULOS XX E XXI

As conquistas dos direitos infanto-juvenis e a sua formação jurídica à nível

1PEREIRA, Tânia da Silva. Infância e Adolescência: uma Visão Histórica de sua Proteção Social e Jurídica

no Brasil. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/28329-28340-1-PB.html. Acesso em: 30 out. 2017.

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internacional é um processo em constante transformação. Inegável é o fato de que todos eles foram marcados, ao longo do tempo, por movimentos sociopolíticos e econômicos de variadas matizes que ora representaram avanços, ora sofreram tentativas de retrocessos.

O enfrentamento atual das questões referentes aos direitos da juventude, soa com certa naturalidade e, até mesmo, com uma consciência coletiva quanto à importância das discussões, prova disso é que na contemporaneidade registra-se um apanhado vultoso de documentos normativos nacionais e internacionais existentes, além de movimentos organizados por entidades civis e organizações desvinculadas a governos, na luta pela conquista e reafirmação de direitos humanos desse grupo social.

Contudo, tal fenômeno é recente e remonta do início ao século XX, período de efervescência das primeiras codificações acerca da temática. Esse movimento se fez possível, inicialmente, graças às alianças firmadas entre as Nações Unidas e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que somaram esforços no combate à exploração do trabalho infantil2. A Declaração dos Direitos da Criança de Genebra, em 1924, fruto dessas alianças, é considerada o primeiro marco internacional dos direitos infanto-juvenis, conforme leciona Angélica Barroso Bastos3.

A Declaração dos Direitos da Criança de Genebra representou um verdadeiro avanço no trato da matéria, principalmente pelo fato de ter precedido o surgimento da Convenção, capitaneada pela Organização das Nações Unidas (ONU), sobre os Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário, excetuando-se naquela ocasião, apenas, os Estados Unidos da América e a Somália. A referida Convenção, passou a considerar os menores de dezoito anos como verdadeiros sujeitos de direito, quebrando com o paradigma, até então vigente, na maioria das legislações, que considerava os jovens meros necessitados objeto de proteção4.

Posteriormente, a ONU preocupada em atualizar o que havia sido debatido e discutido durante aquele evento, editou a aprovação em novembro de 1979, da Resolução nº

2 BARROS, Nivia Valença. Violência intrafamiliar contra criança e adolescente. Trajetória histórica,

políticas sociais, práticas e proteção social. Rio de Janeiro: PUC-Rio, Departamento de Psicologia. 2005, p. 89.

3 BASTOS, Angélica Barros. Direitos humanos das crianças e adolescentes: as contribuições

do Estatuto da Criança e do Adolescente para a efetivação dos direitos humanos infanto-juvenis, p. 25. Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação (mestrado) em Direito da Universidade Federal de Minas

Gerais. Disponível em:

<http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUOS8XSR3V/disserta_ao_ang_lica_bast os.pdf?sequence=1>. Acesso em: 30 out. 2017.

4 AZAMBUJA, Maria Regina Fay. O adolescente autor de ato infracional: aspectos jurídicos, p. 285.

Disponível em <https://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/aspectos_historicos_maregina.doc>. Acesso em: 30 out. 2017.

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44, ampliando significativamente o rol de direitos humanos da criança e do adolescente5. Dentre os direitos ali assegurados, constata-se segundo Andréa Rodrigues Amin6, a adoção pela primeira vez da doutrina da proteção integral, lastreada em três princípios basilares: 1º) reconhecimento da peculiar condição da criança e jovem como pessoa em desenvolvimento, titular de proteção especial; 2º) crianças e jovens têm direitos à convivência familiar; 3º) as Nações subscritoras obrigam-se a assegurar os direitos insculpidos naquela Convenção com absoluta prioridade.

Verifica-se, portanto, no âmbito do direito internacional, uma série de acontecimentos que culminaram numa ampla tutela quando o assunto é os direitos da infância e da juventude. Nesse sentido, Roberti Júnior7 destaca alguns importantes acontecimentos, dentre os quais o que culminou com a Declaração de Genebra:

1946 – é recomendada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas a adoção da Declaração de Genebra. Logo após a II Guerra Mundial um movimento internacional se manifesta a favor da criação do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância - UNICEF.

1948 – em 10 de dezembro de 1948 a Assembleia das Nações Unidas proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nela os direitos e liberdades das crianças e adolescentes estão implicitamente incluídos, nomeadamente no art. XXV, item II, que consubstancia que a maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais, bem como que a todas as crianças nascidas dentro ou fora do patrimônio é assegurado o direito a mesma proteção social.

1959 – adota-se por unanimidade a Declaração dos Direitos da Criança, embora que este texto não seja de cumprimento obrigatório para os estados-membros. 1969 – É adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22/11/1969. Neste documento o art. 193 estabelece que todas as crianças têm direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, tanto por parte da sua família, como da sociedade e do Estado.

Além daqueles citados pelo autor, há também outros que, devido à sua pertinência temática, não pode deixar de ser mencionados. Dentre eles, destacam-se as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil ou Regras Mínimas de Beijing8,

5 CONVENÇÃO sobre os Direitos da Criança. Nações Unidas. Adotada pela Resolução nº L. 44 (XLIV) da

Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro de 1990. Disponível em:<http://www.onu.org.br>. Acesso em: 31 out. 2017.

6 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos

Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro, Lumen juris, 2010, p. 12.

7 ROBERTI JÚNIOR, João Paulo. “Evolução Jurídica do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil”. Revista

Unifeb. Jaraguá do Sul, v. 10, p. 07, jan./jun. 2012.

8 Adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas através da Resolução nº 40/33. ONU,

Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, de 29

novembro de 1985. Disponível em:

<http://www.mpam.mp.br/attachments/article/1797/REGRAS%20M%C3%8DNIMAS%20DAS%20NA%C3 %87%C3%95ES%20UNIDAS%20PARA%20A%20PROTE%C3%87%C3%83O%20DOS%20JOVENS%20 PRIVADOS%20DE%20LIBERDADE.pdf.>. Acesso em: 1 nov. 2017.

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aprovadas em novembro de 1985, por meio da Resolução 40/33, sob a orientação do Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes.

A completude do referido documento se deu, porém, com o estabelecimento de regras, cujo objetivo foram a prevenção da delinquência juvenil, denominadas Diretrizes de Riad e que conforme preconiza Andréa Rodriguez Amin9, foram o sustentáculo da elaboração das ações e medidas socioeducativas preconizadas pelo ECA.

As Diretrizes de Riad formam um conjunto de orientações, em nível global, cujas diretrizes e princípios norteiam os Estados-membros no sentido de adotarem medidas com vistas à absoluta proteção aos jovens em conflito com a lei e à prevenção da delinquência. Em seu capítulo VI, estão previstas uma série de recomendações aos Governos para a criação de uma legislação específica, é dizer, um Direito Juvenil, bem como um Sistema de Justiça apropriado às demandas infanto-juvenis, conforme se observa dos §§ 52 e 58, apenas para ilustrar10.

Ademais, os documentos de cunho internacional, ora mencionados, tiveram um importante papel simbólico na legislação interna dos países signatários, na medida em que representam uma pressão externa para que incorporem, em seus ordenamentos jurídicos internos, os preceitos que delineiam a ótica de um novo direito juvenil, cujas bases não são outras senão os direitos humanos. Essa tendência foi assimilada pelo Brasil, quando por exemplo, subscreveu dentre outros, a Convenção dos Direitos da Criança, aprovada pelo Congresso Nacional em 26 de janeiro de 1990, por meio do Decreto legislativo 28/90 e promulgado pelo Decreto Executivo n° 99.710/9011.

Aliás, vale ressaltar que a Carta Magna de 1988 inseriu, a partir da Emenda Constitucional nº 45, o § 3º, ao Art. 5º, dispondo que todos os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, pelo quórum de três quintos dos votos de seus respectivos membros e ainda em dois turnos, terão status de emendas constitucionais12.

9 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos

Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro, Lumen juris, 2010, p. 12.

10 ONU. Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil - Princípios

Orientadores de Riad. Nações Unidas. Adotada pela Resolução nº. 40/33 da Assembleia Geral das Nações Unidas em novembro de 1985. Disponível em:< http://www2.camara.leg.br/atividade-

legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/PrincNacUniPrevDeliqJuv.html>. Acesso em: 1 nov. 2017.

11 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos

Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Lumen juris. 2010, p. 12.

12“Art. 5º, § 3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada

Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). In: BRASIL,

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É possível então, inferir que a legislação brasileira infanto-juvenil, aos poucos, foi sendo influenciada pelos tratados e convenções internacionais, materializando no texto constitucional de 1988, no ECA e na Lei do SINASE sua principiologia13, e abandonando ainda que a passos lentos no plano teórico-normativo e prático o ranço da velha Doutrina da Situação Irregular, muito bem explicada nas palavras de João Batista Costa Saraiva:

Por esta ideologia, “os menores” tornam-se interesse do direito especial quando apresentam uma “patologia social”, a chamada situação irregular, ou seja, quando não se ajustam ao padrão estabelecido. A declaração de situação irregular tanto pode derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou de “desvio de conduta”), como da família (maus-tratos) ou da própria sociedade (abandono). Haveria uma situação irregular, uma “moléstia social”, sem distinguir, com clareza, situações decorrentes da conduta do jovem ou daqueles que o cercam14.

É importante reforçar que, tanto no plano internacional, quanto no interno, a força motriz para o desenvolvimento de variadas codificações se deve em grande parte, a um movimento global na luta pela conquista de direitos humanos historicamente, inclusive, voltados a tutelar os interesses da juventude.

Por essa razão, antes ainda de adentrar no contexto brasileiro far-se-á, uma breve discussão sobre tais direitos, com enfoque na juventude em privação de liberdade ou em conflito com a lei.

2.2 RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL

A importância histórica do reconhecimento de direitos inalienáveis e universalmente reconhecidos a todos os homens é indiscutível. Por isso, a necessidade de tecer alguns pontos nesse sentido, com foco na juventude em conflito com a lei.

Buscando uma conceituação dos direitos humanos, José Luis Bolzan de Morais15 destaca que se tratam de direitos formados por um conjunto de valores fundamentais que se

Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acesso em: 01 nov. 2017.

13 MACÊDO, Sóstenes Jesus dos Santos. Sistema de Justiça (Penal) Restaurativo Algumas Reflexões do

Modelo Brasileiro. Dissertação de Mestrado. UFBA: 2016, p. 16.

14 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei – da indiferença à proteção

integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 33.

15 MEC. FUNDESCOLA. Pela Justiça na Educação. Coordenação geral: Afonso Armando Konzen, Alessandra

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fundam na vida humana e que impõem aos agentes político-jurídico-sociais o dever de agirem para, além de reconhecê-los formalmente, possibilitar a todos os homens as condições necessárias de usufruí-los, tanto na esfera individual, quanto na coletiva.

Como bem afirmou Norberto Bobbio16, os direitos não nascem de uma vez, nascem quando devem ou podem nascer, já que são condicionados por fatores sociopolíticos propícios à luta por novas demandas.

Com efeito, o autor visualizou os direitos humanos em dimensões ou gerações, sendo a primeira atrelada aos direitos civis e políticos, ou como ele mesmo menciona, “direitos de não agir do Estado”17, diferentes, portanto, dos direitos de segunda geração, que reclamam do ente estatal uma postura ativa, já que se relacionam, por exemplo, com demandas sociais e econômicas que, para serem efetivadas, carecem de uma atuação proativa do Estado. Quanto aos direitos de terceira geração, encontram-se àqueles relativos à paz e ao meio ambiente.

Consideradas essas premissas, ainda no plano dos direitos humanos, de todos os diplomas legais internacionais, um dos mais emblemáticos é, sem qualquer margem de dúvida, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)18, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948, mediante a Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral. O documento, já em seu preâmbulo orienta que todas as Nações se esforcem para o acolhimento e reconhecimento efetivo dos preceitos ali contidos, a fim de que se alcance a universalização dos direitos humanos. Trata-se de um referencial adotado, por grande parte das Nações no mundo, e que permite uma análise acerca de efetivação daqueles direitos por parte da comunidade internacional.

Com relação à infância e à juventude, a DUDH expressamente reconhece o direito de proteção especial da criança, conforme se verifica no seu Artigo 25, parágrafo 219.

Cabe ressaltar que a concepção de criança aqui é tratada de forma claramente ampla, e mais bem detalhada na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (CIDC)20, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo

16 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Apresentação de Celso Lafer. —

Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier. 2004. p. 09.

17 BOBBIO, Norberto. op. cit., p. 9.

18 ONU. Declaração Univrsal dos Direitos Humanos. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/docs >. Acesso

em: 5 nov. 2017.

19 ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Artigo XXV, 2: A maternidade e a infância têm direito a

cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/docs >. Acesso em: 05 nov. 2017.

20 ONU. Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Disponível em:

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Brasil em 21 de outubro de 1990, através do Decreto nº 99.710. A referida Convenção define, logo no seu Art. 1º, da Parte I, que crianças, para fins de titularidade de direitos humanos serão todas aquelas que sejam menores de dezoito anos, portanto, engloba também os jovens de um modo geral, inclusive quanto às infrações que vierem a praticar21.

Aliás, é imperioso destacar que, especificamente, no tocante aos atos infracionais, a Convenção em seu Art. 40, parágrafo 3º, é taxativa ao afirmar ser de suma importância que os Estados-membros adotem uma postura diferenciada quanto a essa categoria de sujeitos em tais condições e orienta, inclusive, que se criem leis, procedimentos e mesmo instituições adequadas às suas necessidades, considerando, sempre o interesse do menor como fator preponderante. Assim é sua redação:

Art. 40, parágrafo 3 – Os Estados Partes buscarão promover o estabelecimento de leis, procedimentos, autoridades e instituições específicas para as crianças de quem se alegue ter infringido as leis penais ou que sejam acusadas ou declaradas culpadas de tê-las infringido, e em particular:

a) o estabelecimento de uma idade mínima antes da qual se presumirá que a criança não tem capacidade para infringir as leis penais;

b) a adoção, sempre que conveniente e desejável, de medidas para tratar dessas crianças sem recorrer a procedimentos judiciais, contanto que sejam respeitados plenamente os direitos humanos e as garantias legais.22

Vê-se, que no plano internacional, os direitos humanos dos jovens em conflito com a lei são assegurados mediante um viés garantista, recomendando-se tratamentos conforme a sua condição especial de sujeitos de direito em desenvolvimento, o que não destoa da ideia de que é imperiosa a criação de uma legislação jurídico-penal especial e uma justiça penal juvenil.

Com muita razão assevera Emilio García Mendez23 que a noção de garantismo de uma legislação especial caracteriza-se pela observância das leis democráticas, cujo espelho são os direitos humanos, e também pelo fato de haverem instituições e mecanismos aptos à realização de tais direitos já consagrados.

É mister, assim, uma análise do contexto histórico-legislativo brasileiro, averiguando-se, pois, em quais pontos de apoio teóricos a legislação infanto-juvenil filiou-se ao longo do tempo, e quais os critérios o Estado adotou para apresentar respostas aos atos

21 ONU. Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Parte I, Art. 1: Para efeitos da presente

convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

22 ONU. Convenção. op. cit., Art. 40, parágrafo 3.

23 MENDEZ, Emilio Garcia. Adolescentes e Responsabilidade Penal: Um Debate Latino Americano. Buenos

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infracionais praticados por adolescentes.

Tais premissas serão necessárias para que se possa verificar em que andamento se encontra a construção de um sistema de justiça penal juvenil nos moldes atuais.

2.3 O CONTEXTO BRASILEIRO NO TRATO DOS DIREITOS HUMANOS DO JOVEM INFRATOR

Uma reflexão acerca dos direitos fundamentais e garantias aos jovens e, em especial, ao jovem autor de ato infracional, implica no reconhecimento de que por muito tempo, e ainda hoje, mesmo havendo uma legislação protetiva infanto-juvenil, o Estado brasileiro padece de uma grave dívida histórica, no que concerne à prática de medidas concretas e efetivas que promovam um tratamento adequado do ponto de vista tutelar e também de responsabilidade do jovem infrator, quanto as infrações por ele praticadas.

Um percurso histórico, ainda que breve, auxiliará o entendimento do porquê da necessidade de criação de uma justiça especializada no tratamento dos jovens infratores nos tempos hodiernos.

De início, importa ressaltar que o tratamento do jovem em conflito com a lei sofreu grandes mudanças, de modo que se outrora era considerado “sujeito inimigo da sociedade e do Estado”, foi aos poucos mudando-se a concepção para “sujeito recuperável”, muito embora se verifique, atualmente, movimentos reacionários que insistem em recolocá-lo na posição anterior.

Traçando-se uma linha histórica do direito penal juvenil, é possível verificar três etapas no tratamento jurídico-penal dispensado ao menor infrator. A primeira delas denomina-se “etapa penal indiferenciada”, cuja característica marcante, segundo Emilio García Mendez24, é o nivelamento do menor com relação ao adulto, no contexto de responsabilização criminal, havendo, pois, uma indiferença no aspecto punitivo.

No caso do Brasil, o tratamento legal a essa categoria de pessoas remonta do período em que vigoravam as Ordenações Filipinas, ainda no século XVII. Nessa época, como bem salientou Maria Regina Fay de Azambuja25, aos sete anos de idade já era possível atribuir responsabilidade penal à criança, e ao chegar na faixa etária entre dezessete e vinte e um anos, era-lhe aplicado o sistema do jovem adulto, que permitia, inclusive, a pena de morte, a

24 MENDEZ, Emilio Garcia. op. cit., p.02.

25 AZAMBUJA, Maria Regina Fay. O adolescente autor de ato infracional: aspectos jurídicos, p. 286.

Disponível em <https://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/aspectos_historicos_maregina.doc>. Acesso em: 8 nov. 2017.

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depender do tipo de infração e da condição do menor, ou a diminuição da pena em dadas circunstâncias.

Posteriormente, com o Código Penal Imperial de 1830, a responsabilização penal sofreu uma modificação, passando a inciar-se aos quatorze anos, e permitindo a aplicação de penas privativas de liberdade até os dezessete anos, conforme previa o seu Art. 13, assim redigido:

Art. 13. Se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos ás casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á idade de dezasete annos.

Nesse aspecto, explica Karina Batista Sposato26, que o Código Penal Imperial adotou um sistema biopsicológico para a punição de adolescentes naquela faixa etária. Desse modo, ao agirem com discernimento, os menores figurariam na condição de relativamente inimputáveis e poderiam ser recolhidos em casas de correção, por ordem judicial e pelo tempo que o magistrado considerasse necessário, desde que sua permanência recolhida não ultrapassasse idade superior aos dezessete anos.

Ocorre que, as casas de correção, na prática, jamais foram construídas pelo Estado, o que causava um grave problema aos jovens autores de ato infracional, que na falta de estabelecimentos apropriados ao seu recolhimento, eram postos em prisões nas mesmas celas que os adultos. Tal é a observação Sérgio Salomão Shecaira:

Embora o Código Criminal de 1830 tenha atravessado fronteiras, servindo de inspiração para o Código Espanhol de 1848, além de diversos outros latino-americanos, o governo brasileiro não o implementou a contento. Já se desrespeitava o direito dos adolescentes infratores, por não se cumprir o que o próprio Código Criminal previa, que era o recolhimento dos menores às casas de correção, porquanto não foram construídas. Com isso, os menores, na falta da instituição de recolhimento prevista em lei, eram lançados na mesma prisão que os adultos, em deplorável promiscuidade27.

Constata-se, assim, que tanto as Ordenações Filipinas, quanto o Código Penal Imperial de 1830, podem ser enquadrados na etapa penal indiferenciada, posto que na prática, o tratamento dado ao menor acompanhou as transformações do sistema punitivo dos adultos que, por sua vez, atingia quase que na mesma intensidade àqueles em conflito com a lei.

26 SPOSATO, Karyna Batista. Elementos Para uma Teoria da Responsabilidade Penal de Adolescentes. 2011.

227 f. Tese (Doutorado em Direito Público) – Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2011, p. 18.

27 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de Garantias e do Direito Penal Juvenil. São Paulo: Revista dos

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Aliás, a referida etapa perdurou durante todo o período imperial até o início da Primeira República28.

O período marcou, ainda, o funcionamento das chamadas “Rodas dos Expostos”, mecanismo utilizado já no medievo e que, conforme preconiza Jadir Cerqueira Souza29, existiu no Brasil até meados de 1950, sendo inaugurado em Salvador ainda antes de 1700 e no Rio de Janeiro, em 1738. As “Rodas de Expostos” foram pensadas especialmente para a situação de crianças e jovens abandonados, que na falta de assistência familiar, eram colocados sob os cuidados de monges e freiras em mosteiros ou conventos que os recebiam e preservavam o anonimato das pessoas que lá os deixassem.

Na dicção de Karyna Sposato30, com o advento da passagem do período imperial para o republicano, observa-se que as crianças e jovens recebiam um tratamento médico-jurídico-assistencial, desempenhado a partir de uma função preventiva com vigilância, que na verdade mascarava uma adequação da criança e do jovem ao trabalho, no intuito de reabilitá-los de comportamentos viciosos ou desviantes, e mesmo repressor, voltado à contenção da delinquência.

A partir dessa fase, o Estado brasileiro foi, aos poucos, preocupando-se com responsabilidades administrativas voltadas ao público infanto-juvenil, contudo, intensificou-se nessa época a estigmatização de crianças e jovens que, relegados ao abandono e muitos deles vivendo nas ruas, passaram a ser identificados como “delinquentes”. Esse fato deu margem para que numa sociedade de pouca instrução e rodeada de preconceitos, passasse a se fomentar um perfil do jovem infrator envolto em idiossincrasias.

Um ano depois da Proclamação da República Federativa do Brasil foi promulgado o Código Penal de 1890, declarando a responsabilização penal dos menores no patamar fixado em 14 (quatorze) anos. Como lembra Karina Sposato31, o Código estabeleceu que o menor de 9 (nove) anos não poderia ser enquadrado como criminoso, e o fez no artigo 27, § 1º. Nesse interim, salienta que nessa idade, havia uma presunção iures et iure de que a ele faltava intenção de cometer delitos sendo adotado o critério biopsicológico na faixa etária entre os 14 (quatorze) e 9 (nove) anos, circunstância avaliada no caso concreto, pelo magistrado.

28 DALCIN, Wagner. Direito Penal Juvenil: a prescrição dos atos infracionais. 2007. Monografia – Escola

Superior da Magistratura (AJURIS). Porto Alegre, 2007. p. 12.

29 SOUZA, Jadir Cirqueira de. A efetividade dos direitos da criança e do adolescente. São Paulo: Pillares, 2008.

p. 67.

30 SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 28. 31 SPOSATO, Karyna Batista. Op. Cit.; p. 20.

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Do final do século XIX para o início do século XX, mais precisamente na década de 1920, a etapa penal indiferenciada foi cedendo espaço para outra, denominada de tutelar, em virtude de um movimento de reação e indignação frente ao descaso do Estado no que concerne à manutenção de menores infratores no mesmo espaço carcerário submetido aos adultos condenados ou investigados por crimes.

Impende registrar que a referida etapa foi marcada por um processo de correicionismo, baseado em fundamentos da Escola positivista do Direito, pois como bem lembra Sóstenes Jesus dos Santos Macedo32, castigava-se o menor infrator a partir dos binômios sadio/enfermo, normal/anormal.

Não se pode perder de vista que a própria ideia de tutela foi historicamente construída, sempre considerando processos discriminatórios e legitimadores de mecanismos punitivos de grupos sociais menos favorecidos e marginalizados, dentre os quais estão inseridos os jovens. Precisas são lições de Eugenio Raúl Zaffaroni nesse sentido:

Ao longo de toda a história da Humanidade, a ideologia tutelar em qualquer âmbito resultou em um sistema processual punitivo inquisitório. O tutelado sempre o tem sido em razão de alguma inferioridade (teológica, racial, cultural, biológica, etc.). Colonizados, mulheres, doentes mentais, minorias sexuais, etc, foram psiquiatrizados ou considerados inferiores e, portanto, necessitados de tutela33.

A etapa tutelar, contudo, formou a primeira base de um sistema de justiça juvenil ainda em construção no Brasil, apegado a uma concepção higienicista ou de saneamento mesmo da sociedade34.

O primeiro Código de Menores criado pelo Decerto 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, também denominado” Código de Mello Mattos” foi um referencial legislativo à época, uma vez que, até então, não havia muitas leis dispondo acerca das questões infanto-juvenis. Ao cunhar os conceitos de “menor abandonado” e “menor delinquente”, o Código não só reproduziu uma mentalidade deturpada acerca do tratamento dos jovens infratores, como chancelou e institucionalizou estigmatizações.

Está com a razão Andréa Rodrigues Amin35, para quem a Código de Menores foi

32Macêdo, Sóstenes Jesus dos Santos. Sistema de Justiça (Penal) Restaurativo: Algumas Reflexões do Modelo

Brasileiro. 227 f. Dissertação (Mestrado em Direito Público) – Universidade federal da Bahia. Salvador, 2016. p. 9.

33 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Estatuto da Criança e do Adolescente: comentários jurídicos e sociais. R. Do

Advogado – art. 206. In: CURY, Munir (Coord.). p. 640.

34 SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 53.

35 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos

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uma junção de Justiça e Assistência, a fim de que os juízes pudessem ter uma atuação discricionária, com postura protecionista e controladora da infância e juventude marginalizadas e “potencialmente” perigosas.

A construção da categoria “menor”, se deu, portanto, em alicerces estigmatizantes e somente foi abandonada, em tese, com a promulgação do ECA, em 1990. A propósito, no tocante à discricionariedade e subjetividade dos juízes de menores da época, preciosas são as lições Garcia Mendez:

O caráter garantista de uma legislação remete a uma dupla caracterização. Por outro lado, ao respeito rigoroso pelo império da lei própria das democracias constitucionais baseados numa perspectiva dos direitos humanos hoje normativamente estabelecidos e, por outro à existência de mecanismos e instituições idôneas e eficazes para a realização efetiva dos direitos consagrados. Desde este ponto de vista, não existem dúvidas de que a cara oposta do garantismo é o subjetivismo e a discrecionalidade36. (Grifos do autor)

Nesse contexto, surgia também o Código Penal de 1940, que estabeleceu a condição de imaturidade do menor e, como bem lembra João Batista da Costa Saraiva37, o referido diploma legal, já na sua exposição de motivos, salientava que estariam os menores de 18 anos fora do direito penal aplicável aos adultos, previsão que se manteve depois da reforma de 1984 da Parte Geral, com redação do artigo 27, que substituiu a nomenclatura “responsabilidade” por “inimputabilidade” e, portanto, ser-lhes-ia aplicável a legislação especial38.

Também nesse período foi inaugurado, no Rio de Janeiro, o primeiro Juizado de Menores da América Latina e mais tarde, já em 1945, criou-se o Serviço de Assistência de Menores (SAM), com a finalidade assistencial, psicopedagógica e de internação39. Daí se percebe, que o Brasil foi um dos países pioneiros da América Latina, na construção de um sistema de justiça infanto-juvenil especializada, ainda que em moldes totalmente destoantes do que preconizam os direitos humanos.

Contudo, em decorrência do insucesso das políticas de atenção aos jovens em conflito coma lei, bem como por pressões de movimentos de luta por melhores garantias a

36 MENDEZ, Emilio Garcia. Adolescentes e Responsabilidade Penal: Um Debate Latino Americano. Buenos

Aires, 2000. p. 6.

37 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei – da indiferença à proteção

integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 31.

38 SPOSATO, Karyna Batista. op. cit., p. 55.

39 AZAMBUJA, Maria Regina Fay. O adolescente autor de ato infracional: aspectos jurídicos, p. 286.

Disponível em <https://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/aspectos_historicos_maregina.doc>. Acesso em: 12 nov. 2017.

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esse grupo social, é que criou-se em 1º de dezembro de 1964, através da Lei nº 4.513, no início do período ditatorial brasileiro, a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM), responsável teoricamente pela adoção de uma nova postura que substituísse a repressão pela internação e educação, o que na prática falhou, uma vez que criadas as Fundações de Bem-Estar do Menor (FEBEM), adotou-se um regime carcerário no trato da adolescência infratora40.

Frise-se que a própria FEBEM, articulada e posta em prática por meio da Política Nacional do Bem-estar do Menor (PNBEM) falhou, dentre outros motivos, pelo fato de ter adotado uma postura administrativa de cunho centralizador e verticalizante, numa vertiginosa contradição entre técnica e prática41 .

Finalmente, em 1979, surge o novo Código de Menores - Lei n° 6.697, e com ele a chancela da “Doutrina da Situação Irregular”, que somente acentuou, ainda mais, o preconceito social e institucional do Estado lançado sobre uma infância e adolescência pobre e marginalizada. Tanto é assim que, com base nesses argumentos, as ações estatais de retirada da criança do convívio familiar, inclusive com a perda desse poder pelos pais se tornou uma prática comum nesse período, em outras palavras, a situação de pobreza em que se encontrava a família, por si só já autorizava o Estado declarar a perda da guarda da criança, que era colocada em abrigos próprios sob a responsabilidade do ente estatal42.

O “menor”, ao invés de sujeito de direitos era mero objeto de tutela do Estado que, por sua vez, intervinha firmemente mascarada pelos fundamentos da Doutrina da Situação Irregular, situação de fácil constatação a partir de uma simples leitura do artigo 1º do novo Código de Menores que assim dispunha:

Art. 1º Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores: I - até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular;

II - entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei. Parágrafo único - As medidas de caráter preventivo aplicam-se a todo menor de dezoito anos, independentemente de sua situação.

Demais disso, o Código, recheado de conceitos abertos, dava os contornos da própria “Doutrina da Situação Irregular”, conforme se verifica no artigoo 2º do referido diploma

40 AZAMBUJA, Maria Regina Fay op. cit., p. 286.

41 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos

Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro, Lumen juris, 2010, p. 7.

42 MACÊDO, Sóstenes Jesus dos Santos. Sistema de Justiça (Penal) Restaurativo Algumas Reflexões do

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legal43, e, consequentemente, abria margem para uma atuação demasiadamente discricionária dos órgãos institucionais e mesmo dos Juízes de Menores cujo papel intervencionista era evidente44.

Karina Batista Sposato referindo-se aos modelos tutelares, enumera algumas de suas características marcantes:

De modo geral, os modelos tutelares podem ser descritos a partir de cinco características principais: a) a negação de sua natureza penal; b) a indeterminação das medidas aplicáveis; c) no aspecto processual, a ausência de garantias jurídicas; d) amplo arbítrio judicial; e e) recusa ao critério de imputabilidade45.

Daí se percebe o quanto as crianças, jovens e suas famílias, na égide da “Doutrina da Situação Irregular”, foram vítimas do alvedrio autoritário, cruel e seletivo do Estado que, descomprometido com os direitos fundamentais, aplicava medidas em total descompasso com o primado da dignidade da pessoa humana. Por óbvio, aqui foi negligenciada a condição de pessoas das crianças e jovens, em situação peculiar de desenvolvimento, carecedores de uma proteção integral e, ao revés, foram tratados como meros marionetes da intervenção estatal.

Sérgio Salomão Schecaira, com precisão, denuncia bem o contexto no qual as crianças e jovens estavam inseridos:

Todas as situações descritas como irregulares derivavam, conforme o caso, de irregularidades existentes na própria família, e a letra da lei não estabelecia qualquer diferença entre a vítima de um abandono familiar e o autor de ato ilícito. Estando em situação irregular, estaria a criança ou adolescente sujeito à jurisdição do Juiz de Menores, podendo, dependendo dos instrumentos existentes à disposição do magistrado, ser submetido a estabelecimentos inadequados ou mesmo à institucionalização. Não era raro o menor abandonado ser colocado no mesmo estabelecimento que agentes infratores, já que ambas as categorias derivavam da

43 “Art. 2º – Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I. privado de condições

essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsáveis; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsáveis para provê-los; II. vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV. privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V. com desvio de conduta, em virtude de grave estado de inadaptação familiar ou comunitária; VI. autor de infração penal. Parágrafo único – Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial. In: BRASIL, Lei nº 6697, de 10 de outubro de 1979. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970- 1979/L6697.htm>. Acesso em: 12 nov. 2017.

44 LEITE, Carla Carvalho. “Da Doutrina da Situação Irregular à Doutrina da Proteção Integral: Aspectos

Históricos e Mudanças Paradigmáticas”. In: Corregedoria-Geral Da Justiça, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Juizado da Infância e Juventude. Porto Alegre: Departamento de Artes, nº. 1, nov/2003, p. 12/13.

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condição de "situação irregular”46.

As consequências produzidas nos direitos juvenis, decorrentes das etapas penal indiferenciada e tutelar que se sustentou na Doutrina da Situação Irregular, foram a partir do advento da Constituição Federal de 1988 e do ECA substituídas pela “Doutrina da Proteção Integral”, que fundou uma nova perspectiva nos direitos infanto-juvenis e, consequentemente, lançou as bases para uma justiça penal juvenil mais consentânea com as garantias fundamentais e as peculiaridades desses sujeitos de direito.

2.3.1 Da proteção Constitucional ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

A Constituição Federal de 1988 inaugurou um novo paradigma de tratamento das crianças e adolescentes. Reconhecendo-lhes como verdadeiros sujeitos de direitos e dotados de uma situação peculiar de desenvolvimento, encampou um modelo garantista ou de responsabilidade e acolheu a “Doutrina da Proteção Integral”, em contraposição aos modelos anteriormente adotados.

O “Modelo de Responsabilidade” está assim caracterizado nas palavras de Karina Batista Sposato:

O Modelo de Responsabilidade se caracteriza pela combinação entre o educativo e o judicial. O carácter educativo se deve ao conteúdo das medidas que, em que pese serem responsabilizantes, devem ter por objetivo precípuo a educação. Já o aspecto judicial se comprova pela semelhança com a justiça penal de adultos, pois se exige um processo contraditório no qual a defesa (advogado do adolescente) e a acusação (Ministério Público) intervêm, reconhecendo-se também aos menores de idade o princípio da presunção da inocência, dentre outras garantias clássicas.47

Com efeito, a nova concepção de responsabilidade caracteriza-se exatamente por situar o menor na condição de pessoa, e como tal, capaz de adquirir direitos e com potencialidades para exercê-los. Resulta, então, que sua responsabilização, quando da prática de ato infracional, perpassa pelo princípio da tipicidade do fato48. Assim, é possível dizer seguramente que a primeira concepção de garantias dos direitos fundamentais da infância e juventude se deu em sede constitucional, antes mesmo de sua regulamentação pelo ECA.

O sistema protetivo desses direitos foi expressamente exposto pelo Constituinte Originário e, de modo taxativo, nos artigos 227 e 228 da Carta Magna, com um leque

46 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de Garantias e o Direito Penal Juvenil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2008. p.42.

47 SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 57. 48 SPOSATO, Karyna Batista. op. cit., p. 57.

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principiológico amplo. Nesse sentido, é garantida uma proteção absoluta às crianças e jovens por parte da família, da sociedade e do Estado:

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão49.

Opera-se, portanto, um novo direito juvenil, com amparo constitucional e desarraigado das velhas concepções de menorismo a que crianças e jovens eram submetidos, principalmente àqueles que enfrentavam problemas com o ordenamento jurídico, considerados até mesmo como uma “patologia social”50, tendo em vista a construção positivista da “Doutrina da Situação Irregular”. Mais uma vez, preciosas são as lições de Karina Batista Sposato:

Fala-se, portanto, de uma inegável constitucionalização do Direito da Criança e do Adolescente fundada em dois aspectos principais: o quantitativo, relacionado à positivação de direitos fundamentais exclusivos de crianças e adolescentes, que se somam aos demais direitos fundamentais dos adultos; e o qualitativo, relacionado à estruturação peculiar do direito material de crianças e adolescentes. Ambos os aspectos aparecem de forma evidente nas regras elencadas pelo art. 227 da CF/198851.

De fato, é inegável a mudança de ótica que a Constituição operou na órbita do direito juvenil, inclusive, no tratamento de jovens autores de ato infracional. Isso porque em seu artigo 227, § 3º, notadamente nos incisos IV e V, garante uma proteção de âmbito material e processual, refutando a necessidade de defesa técnica adequada nos moldes da legislação específica, o direito do adolescente de saber o porquê de estar-lhe sendo aplicável determinada medida socioeducativa e a observância por parte dos órgãos encarregados de aplicar tais medidas, de princípios como o da brevidade e da proteção integral, quando houver privação da liberdade52. Ainda, o artigo 228, declara a situação de absoluta inimputabilidade a todos aqueles cuja faixa etária não supere os 18 anos, regra também expressa no artigo 27

49 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acesso em: 13 nov. 2017.

50 BARROS, Nivia Valença. Violência intrafamiliar contra criança e adolescente. Trajetória histórica,

políticas sociais, práticas e proteção social. Rio de Janeiro: PUC-Rio, Departamento de Psicologia, 2005, p. 125.

51 SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 37. 52 “IV. garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual

e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V. obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade;”

(29)

do Código Penal53.

Evidente que o sistema de garantias firmado pelo texto constitucional exigia uma legislação ordinária compatível com o seu espírito, motivo pelo qual, dois anos depois da Constituição Federal de 1988, foi promulgado o ECA, regulamentando os direitos fundamentais infanto-juvenis traçados em sede constitucional. A representatividade do ECA foi tamanha que se configurou como uma versão brasileira da Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças e Adolescentes54.

Resta claro, assim, que as normas estabelecidas na Lei 8.069/90 foram fortemente influenciadas pela referida Convenção, confirmando-se o compromisso da nova legislação brasileira infanto-juvenil aos ditames históricos dos direitos humanos, e também da Carta Magna, na medida em que reconhecendo-se a condição de crianças e jovens como seres humanos em desenvolvimento, reafirma o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da Lei Maior.55

Também não se pode ignorar o fato de que o rol de obrigações estabelecidas no artigo 4º do ECA, a serem priorizados pela família, comunidade e o poder público, no que tange à efetividade dos direitos fundamentais infanto-juvenis são nitidamente exemplificativos, pois, como ensina Dalmo de Abreu Dallari56, não fosse assim, outros direitos fundamentais que lhes tocam seriam negligenciados por não estarem no texto legal e não haveria obrigatoriedade de sua observância.

Destarte, a força normativa da Constituição e a Lei 8.069/90, agora na perspectiva da “Doutrina Proteção Integral”, e do princípio da absoluta prioridade à infância e juventude, restariam obsoletos sem que houvesse uma mudança de práticas institucionais que, no dizer de Sóstenes de Jesus Macedo57, exige uma reorganização do aparato institucional, inclusive, com a desjudicialização das práticas administrativas e assistenciais, de acesso à justiça entre outras. Significa dizer que há, necessariamente, uma relação de interdependência entre um novo Direito Juvenil e um sistema de justiça voltado às questões da infância e adolescência que se pretenda humanitário. Ambos se retroalimentam.

53Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas

na legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

54 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei – da indiferença à proteção

integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 55.

55 SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 37.

56 DALLARI, Dalmo de Abreu e outros. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. Comentários

jurídicos e sociais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 26.

57MACÊDO, Sóstenes Jesus dos Santos. Sistema de Justiça (Penal) Restaurativo: Algumas Reflexões do

Modelo Brasileiro. 227 f. Dissertação (Mestrado em Direito Público) – Universidade federal da Bahia. Salvador, 2016. p. 30.

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