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A ação em rede dos ativistas anti-homofobia na Internet

O ATIVISMO ONLINE E OFF-LINE DA REDE LGBT

3.2 A ação em rede dos ativistas anti-homofobia na Internet

A rede social objeto deste estudo opera via grupo de discussão (newsgroup) do Yahoo!

Grupos, um serviço de comunicação disponível na Internet que inclui uma lista de correio

eletrônico e um fórum. As mensagens podem ser postadas e lidas por e-mail ou na própria página do newsgroup, com a possibilidade de compartilhamento de conteúdos variados nos mais distintos formatos. Esse serviço é destinado a comunidades, organizações e pessoas com

68 Os termos “a rede”, “o grupo”, “a lista” e “newsgroup” estão sendo utilizados neste capítulo de forma

intercambiável para se referir ao ambiente de comunicação eletrônica da Aliança Nacional LGBT na plataforma do Yahoo! Grupos. Ressalta-se, ainda, que embora atue como um braço da ABGLT, a Aliança conta também com participantes não filiados à associação.

interesses comuns. Por permitir a tematização de debates, a troca de opiniões, ideias e argumentos, a disseminação de informações e a rápida mobilização em torno de demandas de

advocacy e ações coletivas, essa ferramenta de interação mediada é especialmente útil para o

engajamento político de atores críticos da sociedade civil.

Figura 1 - Página de abertura do grupo Aliança Nacional até 2013

Fonte: <http://br.groups.yahoo.com/group/aliancanacionallgbt/>

Em dezembro de 2013, o Yahoo! Grupos reestruturou o site que hospeda os grupos com o objetivo de criar uma interface mais simplificada, melhorar a navegabilidade e a visualização69. A página de abertura da lista de discussão da rede LGBT passou a contar com duas opções de imagem (Figura 2): uma em destaque na parte superior e a outra, como era antes, do lado direito da descrição do grupo. A referência ao Art. 19 da Constituição na imagem de abertura demonstra a crescente importância que a defesa da laicidade do Estado tem adquirido nas lutas anti-homofobia, sobretudo a partir do polêmico cancelamento do material do Projeto Escola sem Homofobia (ver Capítulo 1).

A foto que ilustrava a página de abertura no layout anterior (Figura 1) acabou sendo deslocada para a lateral direita do texto de descrição do grupo (Figura 2). Esta nova página foi dividida em três barras de navegação: a superior contém a ferramenta de buscas, a identificação do usuário ativo (online), o link para envio de e-mail e um ícone de acesso às configurações; a lateral esquerda contém as ferramentas de gerenciamentos e regras de uso dos grupos; e a barra central remete às seções “conversas”, “fotos”, “arquivos”, “mais” (que direciona para anexos, eventos, votações, links e banco de dados), “sobre” (que remete para a

descrição do newsgroup) e “associação”, onde aparece o nome e o e-mail do integrante, além da opção de sair da lista. A visualização dos conteúdos clicados é feita na área central.

Figura 2 - Página de abertura a partir de 2014, com barras de navegação em destaque

Fonte: <http://br.groups.yahoo.com/group/aliancanacionallgbt/>

A seção “sobre” remete ao texto de descrição do grupo, acima da qual aparece em destaque os números de novos membros, mensagens e fotos que circularam na última semana. Por último, há uma tabela com o histórico de mensagens trocadas mês/ano, que se revelou um recurso especialmente útil para entender a dinâmica da rede, mapear os períodos mais ativos e direcionar as análises preliminares. No canto direito há sempre uma publicidade no formato

banner, que pode ser um vídeo ou foto, e na mesma direção, no rodapé, encontra-se uma seta

que remete para o cabeçalho. O newsgroup pode ser acessado também por smartphone, tablet ou qualquer outro dispositivo móvel.

O ambiente de comunicação da rede tem como base uma estrutura formada por tópicos e mensagens. O tópico é o e-mail sobre um tema específico enviado por qualquer um dos participantes para a lista, cujas respostas (mensagens) são automaticamente socializadas para

os demais, dentro do mesmo tópico. Por isso, a grande novidade do novo layout da página do grupo para os propósitos desta pesquisa foi a recomposição dos tópicos e mensagens dentro da seção “conversas” (Figura 3), que incluiu a opção “tendência”, cuja função é listar os tópicos com mais mensagens nos últimos dias do mês vigente.

Figura 3 - Página da seção “conversas” com a listagem dos tópicos e mensagens

Fonte: <http://br.groups.yahoo.com/group/aliancanacionallgbt/>

O ambiente de comunicação é relativamente livre. Embora o grupo seja gerenciado por um “moderador”, que tem permissão para inserir e excluir membros, assim como autorizar pedidos de inscrição, não há restrições para a postagem de tópicos e mensagens ou constrangimentos para a troca de conteúdos e de opiniões divergentes, e nem para exercício da crítica. A única exigência no processo de moderação é que se mantenha o tom respeitoso durante a condução dos debates. Contudo, os participantes mais ativos, por sua fluência política e argumentativa, acabam monopolizando a maior parte das discussões. Por isso, cabe ao moderador exercer o papel de animador70 da rede.

O animador costuma participar ativamente da troca de mensagens e abrir novos tópicos, em geral sobre temas candentes, informações estratégicas ou questões que possam servir para qualificar e instrumentalizar os ativistas, militantes e apoiadores. Os títulos dos tópicos procuram ser atrativos e impactantes e há uma preocupação em traduzir textos escritos em outros idiomas, normalmente repassados por representantes de entidades e organismos internacionais ou publicados em portais de notícia do exterior.

As condições para ingresso de novos participantes na lista são flexíveis e extremamente informais. A base inicial de ingressantes tem origem no banco de dados dos

70 Os animadores de uma rede procuram superar as barreiras de comunicação dos participantes ao facilitar o

fluxo de mensagens sempre que identificam ruídos no processo comunicativo. “Além disso, têm de lidar com eventuais falas dissonantes e/ou elementos desagregadores que possam perturbar a dinâmica da rede” (AGUIAR, 2008b, p. 17).

associados às ONGs afiliadas à ABGLT, em um processo retroalimentado ao longo do tempo, à medida que mais entidades vêm se filiando. As demandas de novas inscrições são variadas. Os pedidos podem vir de membros de organizações não filiadas, atraídos pela proposta do grupo de se fazer uma aliança com diversos setores da sociedade ou de qualquer interessado - seja diretamente ou por intermédio de outrem - em compartilhar informações, trocar experiências ou aderir às causas defendidas pela ABGLT e pelo movimento LGBT.

Em algumas situações, o próprio animador toma a iniciativa de inserir pessoas das mais diversas procedências, desde que tenham demonstrado alguma afinidade com a questão LGBT, independente da orientação sexual. Isso aconteceu com esta pesquisadora quando, ainda no primeiro contato com a presidência da associação, na fase da definição do objeto empírico, passou a receber, em julho de 2012, os e-mails que circulavam na lista. Com isso, foi possível perceber que ali estava constituída a rede em plena atividade. Alguns desses aspectos estão sintetizados no depoimento abaixo:

Primeiro, uma das questões é que seja uma pessoa que queira colaborar com a conquista dos direitos humanos, não importando a orientação sexual. Isso foi uma evolução da ABGLT, porque inicialmente nós só queríamos pessoas que fossem assumidamente LGBT. Mas hoje na rede nós temos várias pessoas que são heterossexuais, desde que queiram atuar, colaborar e compartilhar informações que ajudem a construir a cidadania plena para a comunidade LGBT e que, principalmente, tenham respeito às opiniões dos outros. Um dos critérios para exclusão – acho que teve uma ou duas pessoas que foram excluídas – são pessoas agressivas e que não respeitam a opinião do outro. É uma das questões que não consigo tolerar: o desrespeito à opinião do outro, porque, mesmo que ela seja contrária, vai ter que argumentar, mas o desrespeito, ou baixar o nível, não. Eu participo de outras listas em que o nível é muito baixo, muitas vezes as pessoas se atacam. Na Aliança Nacional LGBT, nós procuramos manter um nível de discussão alto (Toni Reis, secretário de Educação da ABGLT e moderador do grupo, em entrevista à autora, em 15/08/2013).

A fala do animador é reiterada no trecho da entrevista a seguir:

Cheguei ao grupo de discussão “Aliança Nacional LGBT” quando ele já estava consolidado como espaço precioso de troca de ideias e de mobilização social. Comparado a outro grupo de discussão do qual já participei, considero os debates travados no grupo da Aliança muito maduros e se dão em um nível bastante proveitoso, com resultados efetivos justamente porque eventuais conflitos são bem administrados. [...] (Gésner Braga de Araújo Júnior, membro do Comitê Desportivo LGBT - seção Bahia e filiado ao Fórum Baiano LGBT, em entrevista à autora, em 31/08/2013).

Durante a etapa inicial de levantamento e sistematização do material da pesquisa, entre agosto de 2012 e março de 2013, nos deparamos com limitações da ferramenta do Yahoo!

Grupos que dificultaram o processo de coleta de dados e, para nossa frustração, não foram

minimizadas com a reestruturação da página. Isso nos obrigou a empreender uma série de procedimentos-teste na tentativa de selecionar de forma adequada os tópicos mais relevantes

para a análise e readaptar os critérios para definição do corpus71. A principal dificuldade surgiu quando descobrimos que o sistema não oferecia a opção de busca por palavra-chave para tópicos nem para determinados períodos de mês/ano, o que exigiu um esforço muito maior de apuração, num universo de 25.345 mensagens trocadas entre 2010 e 201372.

Esse problema acontece porque a ferramenta de busca por palavra-chave sempre remete a todas as mensagens que circularam no grupo, da data em que ficou ativo até o período corrente. A opção de busca avançada não é confiável e apresenta inúmeras falhas: pode tanto listar as mensagens num intervalo de tempo maior do que o período selecionado, quanto considerar apenas a data de início, em detrimento da data final selecionada. Essa mesma falha ocorre ao tentarmos levantar a quantidade de mensagens sobre determinado assunto em dado período. Além disso, o sistema gera estatísticas muito elementares para se aprofundar o mapeamento do histórico de participações, o que inviabiliza ou restringe boa parte da análise quantitativa, obrigando a operações manuais numa gigantesca base de dados. A participação no grupo é extremamente pulverizada. Embora a troca média de mensagens/ano seja em torno de 7,8 mil, os tópicos com maior participação mobilizaram entre 10 e 30 mensagens no período pesquisado. O grande volume de mensagens se dispersa sobre uma diversidade enorme de temáticas (abordadas em novos tópicos), que priorizam questões: político-institucionais (iniciativas e decisões parlamentares, governamentais e judiciárias); midiáticas (conteúdos divulgados por jornais, portais de notícia, novelas, programas de TV, celebridades, mídias sociais); mobilizadoras (atos, protestos, ocupações, petições públicas); antiviolência (práticas, declarações e crimes homofóbicos); emocionais (desabafos, pedidos de ajuda, relatos pessoais); promocionais (divulgação de livros, eventos, filmes, sites).

Por outro lado, há uma concentração dos participantes mais ativos. Dos 881membros da rede, apenas 15 podem ser considerados interativos de fato (abrem e comentam tópicos diariamente, a cada dois dias e/ou semanalmente), caracterizando-se por dois grandes eixos de atuação: os ativistas e militantes mais orgânicos, ligados à ABGLT e/ou outras organizações representativas do movimento LGBT; e os ativistas independentes e/ou ocasionais, que atuam de forma autônoma e espontânea, usando como instrumento prioritário as ferramentas digitais disponíveis em plataformas fixas e móveis. Todos esses aspectos elencados acima explicam um possível descompasso entre o total de mensagens trocadas e os tópicos mais representativos selecionados para a análise.

71

Diz respeito à seleção do material a ser submetido à análise, tomando como base os tipos de documentos e conteúdos que são capazes de fornecer informações sobre o problema levantado (Bardin, 1977).

Essa concentração das interações é um traço peculiar das redes eletrônicas em geral. Os graus de participação dependem de uma série de fatores, como o interesse dos integrantes na temática em foco e nos conteúdos que nela circulam; o fluxo de informações que estimulem a troca de mensagens e o envio de tópicos; as ações comunicativas que propiciem os processos interativos; as dificuldades e facilidades dos participantes para lidar com os meios e recursos de interação (competências técnicas e linguísticas, aspectos culturais, referenciais de mundo compartilhados etc.) entre outros incentivos e obstáculos que dinamizam as relações (AGUIAR, 2008b, p. 17).

3.2.1 Escolha do corpus

A imensa quantidade de dados heterogêneos e dispersos na rede exigiu um levantamento exploratório inicial complementado pela aplicação de filtros para a definição do recorte desta pesquisa. O recurso de busca por palavras-chave associadas ao ativismo anti- homofobia recuperou milhares de mensagens que sinalizaram as principais questões recorrentes: conflitos com autoridades, celebridades, religiosos, veículos noticiosos e instituições da mídia; articulações para aprovação, rejeição e implementação de projetos e de políticas; casos de violência, discriminação e preconceito; denúncias de conteúdos ou declarações homofóbicas em sites, mídias sociais, livros, músicas e vídeos; mobilização e divulgação de paradas, marchas, congressos, palestras, seminários e eventos correlatos.

Essas impressões preliminares foram confrontadas com o histórico de troca de mensagens fornecido pelo sistema do Yahoo! Grupos (Tabela 2). Na comparação, observamos que as disputas político-institucionais com o governo federal e o Congresso Nacional coincidiam com os picos de atividade dentro da rede. Por outro lado, as disputas midiáticas eram constantes e estavam diluídas por toda a comunicação estabelecida ao longo dos meses.

Tabela 2: Histórico de mensagens trocadas no grupo entre AGO/2010 e JAN/2013

MÊS/