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CAPÍTULO 1 – ABORDAGENS CONCEITUAIS SOBRE ATORES, IDEIAS E

1.3 A abordagem do Neointitucionalismo Histórico

A opção da Tese pelo Neoinstitucionalismo Histórico requer, inicialmente, que se

considere que há diferentes abordagens sobre o “novo institucionalismo”, pois essas

variações são originárias de tradições acadêmicas distintas. Para tanto, faz-se necessário apresentar inicialmente alguns pontos de convergência bem como diferenças analíticas e, na sequência, passa-se a um maior aprofundamento da vertente histórica.

As perspectivas de análise de políticas públicas que se baseiam no Neoinstitucionalismo começaram a surgir entre o final da década de 1970 e início da década de 1980 e foram desenvolvidos por estudiosos de três correntes distintas de

pensamento que deram origem a diferentes modelos: o Neoinstitucionalismo da escolha racional, sociológico (ou da teoria organizacional) e histórico (HALL, TAYLOR, 2003; IMMERGUT, 1998; THELEN, 1999).

Além das três abordagens terem adotado o termo neoinstitucionalismo, elas tem como um dos pontos em comum o destaque dado ao papel das instituições no comportamento político dos atores e nos resultados sociais e políticos, sendo principalmente uma reação à abordagem comportamentalista que predominou nas décadas de 1950 e 1960 e que negligenciava o papel das instituições políticas (KATO, 1996). Os neoinstitucionalistas também compartilham o fato de compreenderem as instituições como o conjunto de regras formais (leis e normas escritas, por exemplo) e informais (códigos de conduta culturais, por exemplo) que estruturam a conduta dos atores e que apresentam certa estabilidade ao longo do tempo, ou seja, não mudam facilmente (THELEN, 1999). Dito de outra forma, “instituições são regras formais e informais que moldam o

comportamento dos atores” (SOUZA, 2006).

Esses elementos em comum dão origem a diferentes perspectivas de análise uma vez que se baseiam em pressupostos distintos. Uma primeira diferença é que no neoinstitucionalismo sociológico a compreensão do que são as instituições é mais ampla

que nas demais, pois incorpora, além das regras formais e informais, os “sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos e os modelos morais que fornecem ‘padrões de significação’ que guiam a ação humana” (HALL, TAYLOR, 2003, p. 209). Essa

concepção promove uma fusão entre instituições e cultura, que passam a ser vistas como termos sinônimos e se diferenciam da abordagem histórica, que propõe uma distinção entre as variáveis institucionais – as regras – e as variáveis culturais, como os valores e atitudes (idem).

A perspectiva da racionalidade dos indivíduos está presente nas três vertentes conceituais, embora com uma roupagem diferente. A abordagem da escolha racional tem como uma de suas premissas a racionalidade individual que se reflete no comportamento utilitário dos atores que buscam maximizar suas preferências. Na presença das instituições, esse comportamento é delimitado pelas normas vigentes, levando os indivíduos a adotarem um comportamento estratégico em busca da satisfação de suas necessidades (THELEN, 1999). Para os estudiosos do neoinstitucionalismo sociológico, o comportamento dos atores corresponde a algo que é construído socialmente e a partir da intensa interação entre

os indivíduos e as instituições, apresentando uma perspectiva muito mais ampla que nas outras duas correntes (HALL, TAYLOR, 2003).

Para os neoinstitucionalistas históricos, por sua vez, a ideia de que um conjunto de instituições formais e informais baliza o comportamento individual e a formação das estratégias também é uma concepção central; a diferença é que eles “querem ir além e argumentam que as instituições desempenham um papel muito maior na definição da política e da história política, de forma geral, do que o proposto por um modelo estreito de escolha racional” (idem, p. 7).39 Outra diferença fundamental é que, para a escolha racional, as preferências individuais são em geral deduzidas a partir da análise da situação, ao passo que o neoinstitucionalismo histórico considera que essas mesmas preferências são moldadas pelo contexto institucional, ou seja, o interesse de uma classe, por exemplo, é definida muito mais pela interação entre as instituições – partidos políticos, sindicatos, organizações do terceiro setor etc. – do que pela escolha individual (idem, p. 8).

Por fim, um terceiro aspecto que os diferencia refere-se à questão da origem e mudança das instituições. Para os adeptos da escolha racional, as mudanças nas regras são explicadas em função da maior eficiência que as novas abordagens podem conferir; por outro lado, seu poder explicativo perde força, pois a origem de uma determinada

instituição passa a ser “explicada em larga medida pelos efeitos da sua existência. Ainda

que seja possível que esses efeitos contribuam para a permanência da instituição, não se

deve confundir a explicação dessa permanência com a explicação da origem da instituição”

(HALL e TAYLOR, 2003, p. 215). A abordagem sociológica, por sua vez, argumenta que as mudanças institucionais ocorrem para reforçar a legitimidade social, mesmo que isso implique em perda de eficiência das organizações.

A perspectiva histórica, por outro lado, considera a questão do conflito entre atores ou entre grupos pelo controle do poder, bem como a assimetria na distribuição desse poder, como fatores que podem levar a mudanças institucionais e também promover a criação de novas instituições. Além disso, a partir da perspectiva de que as instituições apresentam relativa estabilidade ao longo do tempo, uma das principais preocupações dos estudiosos dessa corrente é compreender os fatores que permitem a manutenção de determinada trajetória histórica e também os eventos que provocam uma ruptura nessa rota

39“[...] want to go further and argue that institutions play a much greater role in shaping politics, and political

e a opção por um novo caminho (HALL, TAYLOR, 2003; PIERSON, 2000; THELEN, 1999).

A estabilidade das instituições está relacionada com a ocorrência de eventos que reforçam o papel dessas mesmas instituições, denominado de processos de feedback positivo ou que promovem retornos crescentes, estabelecendo dinâmicas de path dependence. Segundo Pierson (2000), “movimentos iniciais em uma determinada direção incentivam ainda mais movimentos ao longo do mesmo caminho. Com o tempo, ‘o

caminho não escolhido’ torna-se cada vez mais distante, uma alternativa cada vez mais inacessível”40

(p. 74), principalmente porque os custos para se alterar a rota aumentam a cada passo de reforço.

Ainda conforme Pierson (2000), ao se analisar uma determinada sequência de

eventos, os estágios iniciais são mais “abertos”, ou seja, mais de uma alternativa de

caminho está disponível. Uma vez que é realizada a opção por determinada rota, processos de autorreforço promovem sua institucionalização, criando uma situação com forte caráter inercial41 e que caracterizam diversos aspectos do processo político (PIERSON, SKOCPOL, 2002). Dessa forma, as etapas finais da sequência de eventos são mais

“fechadas”, significando que uma alteração torna-se mais difícil de ocorrer. Esse mecanismo reforça, então, a “dependência da trajetória”.

A evolução da dinâmica segue, então, um processo incremental,42 mas isso não

significa que a rota esteja “travada” para sempre. Ou seja, dinâmicas de path dependence

não implicam em um determinismo histórico. Segundo Douglas North: “Trajetória dependente é uma forma de reduzir conceitualmente o conjunto de escolhas e de interligar

processos decisórios ao longo do tempo”43

(1990, p. 98, apud PIERSON, 2000).

Uma determinada situação, denominado de conjuntura crítica, pode provocar a interrupção dos mecanismos de reforço da rota seguida. Esses momentos são aqueles que criam duas ou mais alternativas de escolha e que se caracterizam pela escolha de uma rota

40“Initial moves in a particular direction encourage further movement along the same path. Over time, “the road not chosen” becomes an increasingly distant, increasingly unreachable alternative.”

41powerful inertial “stickiness”

42 Um conceito com afinidade ao de path dependence é o do incrementalismo, desenvolvido a partir da análise de processos orçamentários do setor público e segundo o qual “os recursos governamentais para um programa, órgão ou uma dada política pública não partem do zero e sim, de decisões marginais e incrementais que desconsideram mudanças políticas ou mudanças substantivas nos programas públicos.” (Souza, 2006). E é dessa noção de incrementalismo “que vem a visão de que decisões tomadas no passado constrangem decisões futuras e limitam a capacidade dos governos de adotar novas políticas públicas ou de reverter a rota das políticas atuais” (idem).

43“Path dependence is a way to narrow conceptually the choice set and link decision making through time. It is not a story of inevitability in which the past neatly predicts the future.”

específica, dando origem a processos de feedback positivo (MAHONEY, 2000, p. 513). Uma conjuntura crítica pode ser caracterizada por “grandes” eventos, como um desastre ou

um golpe de estado, mas “pequenos” eventos também podem dar origem a movimentos de

retornos crescentes, aumentando gradativamente os custos de saída da rota trilhada (PIERSON, 2000).

De forma adicional, a análise de uma política pública em período temporal mais longo permite verificar o processo de aprendizado dos atores e seu efeito nas políticas públicas. Trata-se de um processo no qual o “conhecimento obtido na operação de sistemas complexos também leva a retornos maiores a partir de seu uso contínuo”44 (PIERSON, 2000), ou seja, ocorre, segundo o autor, um processo do tipo “aprender fazendo” e que leva a retornos crescentes num processo de path dependence.

Numa perspectiva mais instrumental, Hall (1988) define o aprendizado nas políticas públicas – que foi denominado de social learning – como uma “tentativa deliberada de ajustar as metas ou técnicas de uma política pública à luz das consequências de políticas prévias e de novas informações de forma a atingir o principal objetivo da

governança” (p. 6). Trata-se de um mecanismo que faz parte da rotina dos atores

envolvidos no processo de tomada de decisão, pois eles procuram continuamente compreender as razões pelas quais certas iniciativas tiveram sucesso enquanto outras não. Hall e Taylor (2003) ampliam essa noção ao considerar que os atores reagem a mudanças que ocorrem no ambiente externo a uma política pública e promovem alterações para evitar que sua política não seja descartada. A questão do aprendizado nas políticas públicas é similar ao modelo desenvolvido pela abordagem das coalizões de defesa.

Enfim, a importância dessa abordagem consiste na tentativa de interpretar os fatores que levam à produção desses trajetos a partir dos elementos institucionais, ou seja,

como as instituições “estruturam a resposta de uma dada nação a novos desafios” (HALL e

TAYLOR, 2003, p. 200).