CAPÍTULO 2 – PERCURSO METODOLÓGICO
2.1 Categorias de Análise
As categorias de análise e as definições chave que são utilizadas neste estudo, elaboradas a partir da revisão da literatura, tem o intuito de explicitar os caminhos percorridos para se chegar aos objetivos almejados, ou seja, responder à principal questão da tese: Os modelos analíticos adotados tem força explicativa para se compreender como o Programa Alfabetização na Idade Certa entrou na agenda do governo estadual e como foi se configurando ao longo do tempo?
Nessa seção, utilizam-se as orientações de Yin (2005), que discute o papel da teoria no trabalho de planejamento do estudo de caso e defende o desenvolvimento prévio de
proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados. A teoria indica quais dados devem ser coletados, bem como explicita as estratégias de análise desses dados, visando uma construção lógica que une os dados às proposições teóricas. Ainda, segundo o
mesmo autor: “Para alguns casos, os trabalhos existentes podem oferecer uma rica estrutura teórica para projetar um estudo de caso específico” (Yin, 2005, p.50). Nessa
investigação, conforme já discutido, os dados coletados serão analisados a partir dos modelos analíticos desenvolvidos por Kingdon (1995), Sabatier e Jenkins Smith (1993) e a abordagem do Neoinstitucionalismo Histórico. Essa junção permite elaborar uma visão multifocal e sistêmica para a compreensão de como a questão da alfabetização na idade certa ganhou espaço e prioridade na agenda governamental, bem como sobre o processo de construção do PAIC.
Para fins analíticos, as categorias de análise foram organizadas em função dessas três abordagens adotadas nesta Tese. O modelo do MSF fornece quatro categorias, do ACF são duas e uma do Neoinstitucionalismo. Dessa forma, pretende-se atingir o objetivo específico 1.
Para a investigação do objetivo específico 2 (Identificar as razões que levaram uma temática específica da área de educação – a alfabetização escolar – a se tornar uma prioridade de governo) serão adotadas duas categorias analíticas do MSF: a dinâmica dos problemas e a dinâmica da política.
A dinâmica dos problemas de Kingdon refere-se ao mecanismo que explica como o tema do analfabetismo escolar capturou a atenção dos atores responsáveis pela tomada de decisão no governo do Ceará. Os elementos que compõem esta categoria bem como as suas definições estão no quadro a seguir.
Categoria Elementos Definição para fins deste trabalho
Dinâmica dos Problemas
Indicadores Medidas quantitativas disponíveis por meio de estudos que retratam a situação do analfabetismo no Ceará
Eventos foco, crises e símbolos
Situações que chamam a atenção das pessoas e contribuem para caracterizar a realidade do analfabetismo no Ceará Feedback das
ações de governo
Informações (favoráveis ou desfavoráveis) recebidas pelos governantes e que reforçam a importância da atuação do governo na questão do analfabetismo no Ceará
Experiência pessoal
Experiência prévia na área de educação dos empreendedores de políticas, que tem potencial para reforçar a percepção sobre o problema do analfabetismo no Estado do Ceará Quadro 4 – Categoria de análise: Dinâmica dos Problemas
A análise dos elementos presentes visa investigar se um ou mais desses fatores influenciaram para que ocorresse uma mudança na percepção dos atores sobre a importância da temática do analfabetismo escolar. Ou seja, o intuito é analisar se esses
elementos conseguiram transformar uma “condição” em um problema que necessita de
uma ação governamental e que, portanto, passou a integrar a agenda prioritária.
Para complementar a análise, os elementos listados no quadro apresentado na sequência e que se referem à categoria da Dinâmica da Política, mecanismo que explica o processo de negociação e barganha para que o tema do analfabetismo escolar chegasse à agenda governamental. A análise de seus elementos permitirá compreender as variáveis que mais influenciaram para uma mudança na agenda e, consequentemente, para a entrada do tema do analfabetismo escolar na agenda governamental do Ceará.
Categoria Elementos Definição para fins deste trabalho
Dinâmica da Política
Clima estadual Situação que revela se a população está favorável à atuação do governo cearense na questão do analfabetismo no estado
Grupos de pressão
Grupos sociais (formalmente organizados ou não) com capacidade de influenciar as forças políticas de modo a reforçar a importância de uma ação contra o analfabetismo no Ceará
Mudanças no governo
Mudanças na composição dos Poderes Executivo e Legislativo que tem a capacidade de alterar as prioridades na agenda do governo e, assim, contribuir para a entrada do analfabetismo na agenda governamental.
Jurisdição Disputas sobre a competência para atuar na questão da educação fundamental
Atores visíveis
Atores que recebem atenção da imprensa e do público em geral e que participaram do processo de mudança na agenda governamental do Ceará
Quadro 5 – Categoria de análise: Dinâmica da Política
Fonte: elaboração própria, baseada nas variáveis de Kingdon (1995)
Para a análise do objetivo específico 3 (Analisar a participação dos principais atores, incluindo os empreendedores de políticas públicas, na formação de uma coalizão para levar o PAIC à agenda governamental), o foco está nas ações desempenhadas pelos empreendedores de políticas públicas, que são pessoas que atuaram para defender o tema do analfabetismo escolar e batalharam para que a mesma ganhasse relevância na agenda do governo. A junção das dinâmicas no momento da abertura da janela de oportunidade
também se deve à atuação do empreendedor. Para desenvolver essa temática, será utilizada a categoria analítica relacionada no Quadro a seguir, também com origem no MSF.
Categoria Elemento Definição para fins deste trabalho
Empreendedor de Políticas Públicas
Identificação e ocupação
Pessoas que investiram seus recursos – tempo, energia, reputação, dinheiro – para promover a ideia da
importância da alfabetização escolar, e o respectivo cargo ocupado à época
Atuação
Forma de atuação e estratégias utilizadas pelo
empreendedor para colocar o tema do analfabetismo em evidência. Compreende articulação com as diferentes instituições parceiras e com o próprio governo estadual Janelas de
oportunidades
Momento propício para a introdução do tema do
analfabetismo na agenda governamental, permitindo que seus defensores apresentem suas soluções
Quadro 6 – Categoria de análise: empreendedor de políticas públicas Fonte: elaboração própria, baseada nas variáveis de Kingdon (1995)
A atuação dos atores visíveis já foi considerada na categoria da Dinâmica da Política a dos atores invisíveis será considerada na categoria da Dinâmica das Políticas Públicas, que será discutida na sequência.
O objetivo específico 4 tem como proposta analisar o papel dos atores e das instituições no processo de elaboração do PAIC. A estratégia para esse estudo consiste na elaboração de quatro categorias analíticas: (1) a do fluxo das políticas públicas para compreender o processo de construção do PAIC, derivada dos estudos de Kingdon, (2) a das crenças e valores dos atores que tem o intuito de identificar as coalizões, baseadas nos estudos de Sabatier e Jenkins Smith (1993); (3) a do aprendizado das políticas públicas para captar as mudanças de pensamento, também dos mesmos autores; e, por fim, (4) a da trajetória histórica que pretende analisar o processo de path dependence das instituições cearenses, derivadas da literatura de Neoinstitucionalismo Histórico. Os elementos dessas categorias bem como suas definições estão na sequência.
Categoria Elementos Definição para fins deste trabalho
Dinâmica das Políticas Públicas
Caldo primordial Conjunto das propostas de políticas públicas no campo da alfabetização infantil no Estado do Ceará.
Sensibilização (softening up)
Processo de difusão da proposta do PAIC para que o mesmo se torne conhecido e sensibilize o maior número de atores possíveis.
Efeito multiplicador (bandwagon)
Processo que se segue à sensibilização e que consiste na ampliação do número de apoiadores do PAIC.
Comunidade de
políticas públicas Grupo de especialistas na temática da alfabetização infantil.
Atores “invisíveis”
Atores que, em geral, não recebem atenção da imprensa e do público, mas que fazem parte da comunidade de
políticas públicas e que foram responsáveis pela elaboração do PAIC.
Quadro 7 – Categoria de análise: Dinâmica das Políticas Públicas Fonte: elaboração própria, baseada nas variáveis de Kingdon (1995)
Categoria Elemento Definição para fins deste trabalho
Crenças e valores dos atores
Núcleo profundo Princípios normativos fundamentais Núcleo da política
pública
Posicionamentos fundamentais na política pública relativos às estratégias básicas para atingir os valores principais na área de educação
Aspectos secundários
Decisões instrumentais e busca de informações necessárias para implementar os aspectos centrais da política pública Aprendizado das políticas públicas Informações e experiências
Mudanças de pensamento ou de comportamento, resultantes de uma experiência e ou nova informação, que se mostram relativamente duradouras e que está preocupada com a realização ou revisão dos objetivos de uma política pública
Trajetória histórica
Path dependence Eventos que reforçam a trajetória histórica das políticas estaduais cearenses
Quadro 8 – Categorias de análise: Crenças e valores dos atores, Aprendizado das políticas públicas e Trajetória histórica.
Fonte: elaboração própria, baseada nas variáveis de Sabatier e Jenkins Smith (1993) e abordagem do neoinstitucionalismo histórico
A análise desses elementos possibilita a compreensão do processo que o PAIC seguiu para se chegar ao atual desenho de política de combate ao analfabetismo escolar. Ou seja, quais foram os principais eventos em que o programa foi divulgado, a atuação da mídia e das comunidades de políticas públicas – tanto as que defendem como as que são contrárias – e também se houve um efeito multiplicador (bandwagon). A essas categorias originadas de Kingdon (1995), somam-se as de Sabatier, sobre crenças e valores e
aprendizado das políticas públicas. Por fim, para a compreensão do contexto institucional que se insere o PAIC, o fator trajetória histórica, derivada das discussões do neoinstitucionalismo, cumpre um importante papel.
Vale destacar que as definições utilizadas pelos teóricos neoinstitucionalistas em relação à conjuntura crítica e social learning se assemelham, em grande parte à janela de oportunidades de Kingdon (1995) e ao aprendizado das políticas públicas de Sabatier (1993), respectivamente. Portanto, essas definições não serão tratadas novamente como categoria de análise.
Passaremos a seguir, para o terceiro capítulo, que apresenta um breve histórico das ações governamentais, iniciando pela investigação de que a questão do analfabetismo escolar é uma situação nada novo no sistema educacional brasileiro mas que, de alguma forma não mereceu atenção dos sucessivos governos brasileiros, levando a um quadro de ausência de políticas, bem como atuações variadas devido aos diferentes entendimentos
CAPÍTULO 3 – ALFABETIZAÇÃO ESCOLAR: um tema ausente na agenda