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1. Liderança e desenvolvimento das organizações

1.1 Teorias de liderança: breve perspetiva

1.1.1 A abordagem dos traços

A abordagem ao conceito de liderança a partir dos traços de personalidade foi referenciada por diversos investigadores, que procuram explicar as razões pelas quais alguns indivíduos são melhores do que os outros no exercício da liderança. Rouco & Casademunt (2015, p. 53) citam vários autores que verificaram que a liderança tem uma relação com alguns traços da personalidade: Bono e Judje (2004), Ashton, Lee e Goldberg (2004) e Ashton, Lee, De Vries, Perugin, Gnisci e Sergi (2006).

Segundo Jesuíno (2005), era suposto os líderes terem «scores» mais elevados numa grande variedade de características, tanto físicas como psicológicas, a que corresponderiam diferenciais. Admite-se, por outro lado, que estas qualidades pessoais, inerentes aos líderes, eram transversais de situação para situação. E como nem todos os

A Liderança na Formação de Oficiais e Sargentos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique: os casos da Academia Militar e da Escola de Sargentos

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ser considerado líderes potenciais. Uma consequência desta perspetiva consistia em privilegiar a seleção em detrimento da formação de líderes. Sendo possível identificar e medir essas qualidades de liderança, tidas como inatas no indivíduo, tornar-se-ia igualmente possível distinguir entre líderes e não líderes. Quanto à formação, ela só seria útil para aqueles que já possuíssem os necessários traços de liderança (Jesuíno, 2005, p. 27). Para Barracho (2012, p. 70) esta ideia teve várias consequências, favorecendo, nomeadamente, as técnicas de seleção em detrimento da formação, ou seja, acreditando-se que as pessoas nascem líderes, vai-se selecioná-las e não treiná-las. Pode dizer-se que esta perspetiva está aliada à ideia dos «grandes homens»:“pessoas que possuem traços de personalidade que as tornam mais aptas ao exercício eficaz de posições de liderança” (Barracho, 2012, p. 71). Estes indivíduos, considerados líderes inatos, possuiriam um conjunto de características que os distinguiriam dos restantes, conduzindo-os mais facilmente ao sucesso: inteligência, criatividade, fluência verbal, auto-estima, capacidade de persuasão, estabilidade emocional, ser sociável, ter tolerância ao stress e um estatuto socioeconómico superior aos subordinados. Em síntese, a tipologia dos traços procurava:

- Identificar características de personalidade associada à liderança;

- Tentativa de identificar os atributos pessoais do líder universal, ou seja, independentemente do grupo, situação e contexto;

- Enfatizar a existência de qualidades especiais que diferenciam o líder dos liderados;

- Basear-se na crença do predomínio da seleção dos líderes em detrimento da formação. (Barracho, 2012, p. 71).

Segundo esta perspetiva, existem qualidades especiais nos líderes que os distinguem dos não-líderes, sendo aqueles capazes de liderar qualquer grupo ou qualquer situação. Mas a verdade é que as pesquisas foram incapazes de revelar quaisquer traços que, por si só, seriam suscetíveis de garantir o sucesso: “embora determinados traços de personalidade sejam requeridos na maior parte das situações de liderança, não constituem, por si só, a

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p. 72). Chegou-se então à conclusão de que não havia assim tantos «grandes homens» como se julgava existirem. Stogdill, em 1974 (citado por Barracho, 2012, p. 72), estabeleceu a seguinte classificação de traços pessoais:

- As habilidades e aptidões pessoais;

- O sucesso tido em situações nas quais o indivíduo foi avaliado positivamente; - As responsabilidades;

- A participação no envolvimento social;

- O estatuto, que traduz a posição que o indivíduo atingiu.

De acordo com Stogdill, os vários estudos desenvolvidos sobre o perfil do líder permitiram constatar que um indivíduo com determinados traços teria maior probabilidade de se tornar um líder eficaz, contudo, isto por si só, não lhe garantia a eficácia. Por outro lado, a importância relativa dos diversos traços dependeria das situações, pois certos traços seriam mais importantes num a situação, mas não noutras. Estes factos levaram ao argumento de que as características pessoais dos líderes não podem ser dissociadas do contexto onde eles atuam. É em função dos contextos complexos em que atuam e enquanto elementos integrantes das diferentes culturas organizacionais que o estudo das características pessoais dos líderes volta a ter a sua razão de ser (Barracho 2012, p. 73).

Isto não invalida que se tenha continuado a analisar as características que permitem uma maior eficácia na liderança. Por exemplo Yukl (1989, 1994, como citado em Rego, 1998, p.70) considera que os traços mais importantes para a eficácia dos líderes são a energia e a capacidade para tolerar o stress, a autoconfiança, um elevado locus de controlo interno, a maturidade emocional, a integridade e a combinação de elevada motivação para o poder social com moderada necessidade de êxito e baixa necessidade de afiliação.

A teoria dos traços da personalidade tem reflexos importantes no contexto militar, em que se unem as funções de Comando e de Liderança. Os líderes militares assumem funções de Comando conferido por lei assim como pelos regulamentos: “dirigir,

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controlar e coordenar forças militares”. Por conseguinte, aos líderes militares compete manter os padrões éticos da sua profissão através, não só da sua própria conduta, mas também da conduta daqueles que eles lideram. Importa ter em conta que os soldados seguem o comportamento e os padrões dos seus comandantes (Vieira, 2002, p. 26). Torna-se, assim, indispensável que os líderes militares exerçam a sua ação segundo padrões éticos perfeitamente definidos.

Na verdade, a vida de uma Unidade militar depende muito da personalidade de um comandante, e as escolas militares acabam por dar alguma ênfase aos atributos pessoais para o exercício do comando e da liderança. O quadro seguinte sintetiza os elementos apresentados por Vieira (2002) relativos a traços e princípios de liderança.

Quadro 1- Traços de personalidade e atributos e princípios de liderança

Traços de personalidade e atributos Princípios de liderança

Apresentação Coragem Capacidade de decisão Capacidade de resistência Entusiasmo Iniciativa Integridade Discernimento Espírito de justiça Competência Lealdade Tacto Generosidade

Conhece-te a ti próprio e procura desenvolver as tuas aptidões Sê proficiente técnica e taticamente

Procura a responsabilidade e assume a responsabilidade das tuas ações

Toma decisões corretas e oportunas Dá o exemplo

Conhece os teus subordinados e cuida do teu bem-estar Mantém os teus subordinados informados

Desenvolve nos teus subordinados o sentido de responsabilidade

Assegura-te que a tarefa é compreendida, fiscalizada e cumprida Treina os teus subordinados como uma equipa

Emprega a tua unidade de acordo com as capacidades

Fonte: Adaptado de Vieira (2002)

Para Vieira (2012, p. 43) este conjunto de traços de personalidade e atributos, princípios de liderança e, estilos de liderança “só têm valor quando são aplicados de forma eficaz”. Para tal definem-se as linhas de orientação comprovadas através de ação e conduta dos líderes de sucesso que se traduzem em princípios de liderança universais. Este

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por exemplo na Academia Militar Portuguesa, e leva os comandantes a procurar obter níveis superiores de desempenho.