• Nenhum resultado encontrado

2. A cultural organizacional militar e a liderança

2.1 A cultura organizacional militar

2.1.2 Organização e hierarquia militar

Todas as organizações militares estruturam-se numa hierarquia de cargos, que define as relações de comando e de subordinação entre os seus integrantes. Bilhim (2001), baseando-se em Edgar Schein, caracteriza uma organização como sendo: “a coordenação racional de atividades de um certo número de pessoas, tendo em vista a realização de objetivo ou intenção explícita e comum, através de uma divisão de trabalho e funções de uma hierarquia de autoridade e de responsabilidade” (p. 22).

A Liderança na Formação de Oficiais e Sargentos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique: os casos da Academia Militar e da Escola de Sargentos

___________________________________________________________________________________

Esta definição reconhece a necessidade de um modo de interação entre os membros da organização. A estrutura organizacional definirá, assim, a forma como as tarefas devem estar destinadas; específica quem depende de quem; define os mecanismos formais; constitui um conjunto de variáveis complexas. A partir daqui consideram-se três características na estrutura organizacional: complexidade, formalização e centralização:

• Complexidade: remete para os diversos níveis hierárquicos, as várias extensões da organização;

• Formalização: são as regras, os procedimentos, o comportamento dos seus membros;

• Centralização: o local de poder de decisão.

Para Moskos (2002, como citado em Rouco, 2012, p. 20), a organização militar pós- moderna caracteriza-se por uma desvinculação mais acentuada do Estado. O seu formato básico passa a ser uma força voluntária, progressivamente mais heterogénea, e orientada para outras missões além da guerra. Estes aspetos remetem-nos para a importância da formação, e da sua própria diversificação, aspetos que analisamos no nosso estudo empírico.

Rouco (2012), baseando-se em diversos autores, chama a nossa atenção para as mudanças organizacionais que a estrutura militar tem vindo a conhecer, e que se concretizam nos seguintes aspetos:

a crescente interação das esferas civil militar, tanto nos domínios estruturais e culturais; a diminuição das diferenças entre aspetos hierárquicos e entre as unidades de combate e de apoio; a mudança nos propósitos militares que vão desde os combates até as missões militares; as forças são mais utilizadas em missões internacionais autorizadas do que nas interações do próprio Estado e, por último, é a própria internacionalização das forças (p. 20).

Neste contexto, a organização militar pode assumir dois tipos de estrutura: a primeira, em ambiente de guerra, em que se identifica com a sua verdadeira natureza, para o qual foi concebida; a segunda, em tempo de paz, que se enquadra nas organizações do tipo

A Liderança na Formação de Oficiais e Sargentos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique: os casos da Academia Militar e da Escola de Sargentos

___________________________________________________________________________________

burocrático-industrial. Neste último tipo de estrutura, verifica-se a substituição de comando pela gestão, dos soldados por recursos humanos, das tradições por contratos e regulamentos e até a eficiência para o combate dá lugar à relação custo-eficácia (Rouco, 2012, p. 21).

Tornar o soldado num cidadão consciente das suas obrigações e da responsabilidade é uma das tarefas essenciais dos Oficiais, necessitando, também eles, de estarem cientes do papel que lhes cabe no seio das Forças Armadas. Tal só será possível se forem eles próprios cidadãos conscientes e responsáveis, capazes de incutir nos seus soldados os deveres cívicos que lhes competem, mantendo quadros motivados, ativos, colaborantes e empenhados, que não receiem o futuro (Rouco, 2012, p. 21). Neste quadro de atuação, consideramos que uma formação militar de elevada qualidade é um requisito fundamental.

Vaz (2001, p. 52) afirma que a instituição militar no século XXI há de ser sempre a resultante de uma adaptação progressiva às necessidades, cenários e desafios que se vêm revelando, ou irão surgir, tendo em conta o aperfeiçoamento dos equipamentos, ou os novos utensílios que a ciência e a tecnologia tornarão disponíveis. Por seu lado, Cobra (2005, p. 69) considera o advento da indústria e da organização burocrática, como sendo os aspetos que contribuíram para que a profissão militar (oficiais) surgisse com o cunho definido que se lhe reconhece hoje em dia.

Na opinião de Samuel Huntington (1996), a carreira militar é uma profissão completamente desenvolvida, porque nela se verificam as três características principais do tipo ideal da profissão: destreza (no caso militar, para o manejo dos meios), o espírito corporativo (uma consciência esclarecida da identidade que liga todos os militares) e responsabilidade (na designação dos militares mais capazes para ocupar os cargos de direção). Apenas os militares diretamente empenhados no domínio da administração (gestão) da violência são, para Huntington, membros da profissão militar. As características destes profissionais derivam do conteúdo e da função do seu empenho militar, sendo por eles conformadas. Assim, o profissional militar é, nomeadamente: obediente e leal para com a autoridade do Estado; competente nos assuntos militares;

A Liderança na Formação de Oficiais e Sargentos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique: os casos da Academia Militar e da Escola de Sargentos

___________________________________________________________________________________

dedicado na utilização da sua capacidade para proporcionar segurança ao Estado; política e moralmente neutral (Huntington, 1996, p. 29-36).

Ainda segundo este autor, existe uma esfera distinta de competência militar que é comum a todos oficiais, ou a quase todos, e que distingue de todos os civis, ou quase todos. Essa qualidade central encontra sua melhor definição na expressão “administração da violência”. A função militar, segundo este autor, requer um alto grau de especialização. Indivíduo algum, quaisquer que seja sua capacidade intelectual e suas qualidades de carácter e de liderança, poderá desempenhar eficientemente essas funções sem treinamento e experiência consideráveis (Huntington, 1996, p. 29).

Para Covarrubias (2010, p. 22), existe uma grande diferença entre a carreira militar e as profissões civis, uma vez que na primeira o Estado exige ao indivíduo entregar a sua própria vida, se necessário. Esta exigência requer o desenvolvimento de uma série de códigos internos na própria profissão, com valores, condutas e motivações que permitem cumprir com este requisito tão extremo e definitivo. Acrescenta que os valores militares se constituem em virtudes militares que todo o militar deve ter e que, em definitivo, são o motor que o leva a atuar e que moldam a sua conduta.

Partindo desta diferenciação entre o contexto civil e militar, Viegas (2003, p. 56) no entanto menciona que no profissionalismo militar encontramos elementos similares aos de profissões da esfera civil, como por exemplo, o médico ou advogado. Neste sentido, apresentam-se as seguintes características constitutivas de um tipo ideal de ocupação profissional:

1. Um trabalho especializado baseado em um conjunto de habilidades e um corpo

de conhecimento fundamentado em elaborações teóricas.

2. Uma jurisdição exclusiva de atuação profissional, controlada pelos praticantes da profissão.

3. Uma situação protegida de atuação do profissional, baseada em credenciais de

A Liderança na Formação de Oficiais e Sargentos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique: os casos da Academia Militar e da Escola de Sargentos

___________________________________________________________________________________

4. Um programa formal de treinamento fornecido fora da atuação profissional de

facto e que produz para o treinando as credenciais de qualificação. Este

programa de treinamento é controlado pela profissão e está associada à educação

superior.

5. Uma ideologia altruísta que assegura um maior compromisso dos praticantes da profissão em fazer um bom trabalho (eficácia) do que em obter vantagens pessoais, assim como valorizar mais qualidade do que eficácia económica desse trabalho.

Três problemas, segundo Cobra (2005), de interesse sociológico geral, assumem nas Forças Armadas atuais uma acentuada importância: “Como compatibilizar a estrutura tradicional de autoridade militar com o emprego da nova tecnologia? Como introduzir e fomentar a motivação? Como manter a eficácia organizacional sob forte tensão, nomeadamente em situações de combate?” (p. 70).

Partindo de uma descrição da hierarquia de comando nas Forças Armadas, que se caracteriza pela tradicional “pirâmide hierárquica”, que é uma característica inerente a todas as organizações burocratizadas, Cobra coloca depois a questão das relações entre os detentores dos cargos e o quadro de especialistas, cada vez mais necessários nas forças modernas. Aponta assim que “nesta estrutura muitos soldados possuem qualificações especiais que não se podem substituir facilmente. (…) Pois estão treinados para emitir juízos e, por essa razão, não é provável que aceitem ordens unicamente pela autoridade ou nível hierárquico do militar de quem estas ordens emanam, sobretudo se as considerem contrárias ao seu próprio juízo técnico” (idem, p. 71).

Uma das formas para ultrapassar os problemas referenciados é que os comandantes devem ter, não só a capacidade e a determinação necessária para o cumprimento da missão e bem-estar dos subordinados, mas também serem capazes de os motivar através de comportamentos de liderança (IESM, 2005).

Em sentido lato, o comandante desempenha as funções de gestor e quando necessário o papel de líder, estando nesta combinação a “arte de comandar”, ou seja, num

A Liderança na Formação de Oficiais e Sargentos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique: os casos da Academia Militar e da Escola de Sargentos

___________________________________________________________________________________

e obter uma nítida vantagem sobre o adversário e, por último, exortar (motivar) os subordinados à vitória através de uma causa (valores) nobre (Rouco, 2012, p. 44).

A eficiência de uma organização militar depende não só das «pautas» institucionais, mas também da capacidade dos militares isolados e dos pequenos grupos, para atuar com eficiência. Inicialmente, a maior parte da investigação nesta área centrou-se nos problemas de moral e de atitudes. Os estudos tendiam a realçar a importância capital dos laços de camaradagem entre militares, nos pequenos grupos de combate, mas, posteriormente, adotou-se uma perspetiva social mais ampla (Cobra, 2005, p. 71).

A conclusão lógica foi que o conceito de moral era demasiado restrito e que uma investigação mais profunda requereria a adoção de uma teoria de comportamento nas organizações. Nesta teoria surgia integrada toda uma série de outros conceitos: a autoridade, comunicações, hierarquia, sanções, «status», papel social e socialização. Em, resumo a investigação passou da análise do conceito único de moral ao estudo do sistema subjacente.

Para além disto, há alguns fatores da instituição militar que fomentam o apego a certas rotinas, como por exemplo o cumprimento escrupuloso da ordem do dia, o carácter tradicional das formaturas, a prática de exercício físico inerente a certas funções, a ordem unida, as continências e as honras militares.

Considera-se que a transparência, nos canais de comunicação e nos procedimentos de rotina, ajudam a reduzir a incerteza. Criam a sensação de confiança de que, em caso de crise, os oficiais, sargentos e soldados, a todos os níveis da organização, responderão de acordo com o treino recebido.