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4. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

4.1 A abordagem qualitativa e o estudo de casos múltiplos

A patrimonialização é fruto de um processo que concede ao objeto um estatuto patrimonial. Assim, os valores patrimoniais atribuídos são propriedades relacionais e não apenas características dos objetos em si. Nesse sentido, a questão central desta tese consiste em analisar a exposição do centro histórico como um objeto patrimonial que o constitui como tal, pelo uso e pelo efeito que produz por uma abordagem comunicacional.

Buscando atingir apropriadamente os objetivos deste trabalho, optamos em utilizar a abordagem qualitativa, uma vez que sua aplicabilidade visa compreender e explicar situações específicas. Tomando como pressuposto a natureza interpretativa e não positivista do patrimônio, a intenção com essa abordagem foi se posicionar epistemologicamente na compreensão ao invés da explicação, visto que:

É um processo de reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo estruturação. Esse processo implica em estudos segundo a literatura pertinente ao tema, observações, aplicação de questionários ou/e entrevistas e análise de

dados, que deve ser apresentada de forma descritiva. (Oliveira M. M., 2005, p. 41)

Nesse sentido, a pesquisa qualitativa é marcada por uma rica descrição de ambientes complexos “[...] mas ela se torna uma descrição densa e se oferece uma conexão direta à teoria cultural e ao conhecimento científico” (Stake, 2011, p. 59), baseada na interpretação de experiências e situações. Portanto, a natureza descritiva da pesquisa demanda do investigador rigor na delimitação de métodos, técnicas, modelos e teorias capazes de conduzir adequadamente a coleta e interpretação dos dados.

Há uma diversidade de designações para a pesquisa qualitativa, que abrange várias formas de investigação em busca de compreender um fenômeno social. Entre as diversas formas que pode assumir, o estudo de caso se destaca como um dos mais conhecidos, centrado em uma situação em particular que revela importância como objeto de investigação. Conforme destaca Robert Yin (2005), o estudo de caso tem sido especialmente indicado quando na pesquisa empírica o foco incide sobre um fenômeno contemporâneo:

Os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real (Yin, 2005, p. 19).

Ainda, segundo o autor, a maneira como o pesquisador trata determinado problema possibilita a existência de estudo de caso único e de casos múltiplos, sendo o segundo aquele que permite conclusões analíticas mais contundentes.

Por esse viés, presume-se que os resultados permitem ao pesquisador gerar proposições teóricas aplicáveis a outros contextos por meio da “generalização analítica” (Yin, 2005). A análise de casos múltiplos e a comparação são pesquisas complementares, sendo essencial questionar o que é comparável e sobre quais aspectos. “Si comparar no tiene una razón de ser especial, un objetivo específico (además del objetivo general de explicar), entonces se puede afirmar que no existe, en sentido propio, una metodología de la comparación, un

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método comparado” (Sartori, 1999, p. 33). A comparação binária oferece a vantagem de ser mais intensa, possibilitando um escopo descritivo com maior profundidade.

Para além de identificar semelhanças e diferenças, o estudo de casos múltiplos provoca questionamentos, levando em conta interferências históricas, econômicas, sociais e culturais, ao analisar cada caso individualmente. Sobre as contribuições da comparação, Gérard Bouchard (2001) comenta que esse método pode ser empregado para analisar situações diferentes, reconhecendo que cada caso é singular e comparável a inúmeros outros. A pertinência se encontra na tentativa de descobrir regularidades em sistemas que diferem em tudo, salvo em relação ao fenômeno que se investiga. Considerando que esta investigação trata de uma pesquisa qualitativa, cujo interesse esteve sempre voltado para observar determinado fenômeno, a fim de descrever, classificar e interpretar os dados obtidos, justifica-se esta opção metodológica.

Tendo claro o objeto de estudo, a exposição do centro histórico como objeto patrimonial envolvendo dois casos, buscou-se, com a comparação como método de análise de fatos sociais, aprofundar a capacidade de descrição e interpretação. Contudo, isso não implica ter que “comparar o incomparável”, conforme proposta de Marcel Detienne (2004, p. 10), referindo-se ao “[...] círculo estrito do imediatamente comparável”. Desse modo, manteve-se o entendimento de que a relação sob a qual se faz a comparação é construída para e por meio da investigação. Consiste em historicizar o objeto de estudo a fim de validar ou refutar afirmações e conceitos. Os dois casos aqui estudados não se relacionam diretamente à fase de produção do patrimônio urbano, mas sim na dimensão que consiste em analisar sua exposição como um processo de transmissão e reapropriação de um objeto do passado, que ocorre no presente após a atribuição de um estatuto patrimonial, segundo a ação pública patrimonial em contextos sócio-históricos diferentes.

Desse modo, tomou-se como pertinente tratar os objetos de estudo por uma abordagem indutiva fundamentada na possibilidade de um movimento constante entre o abstrato da teoria e o concreto do real (Yin, 2016). Uma visão clara entre essas duas dimensões ajuda a reconhecer o campo teórico a partir da análise dos dados. A construção do objeto de maneira indutiva não apenas

responde a uma questão de pesquisa pertinente, pois também contribui com o debate científico. Como o modelo interpretativo apoiado apenas na indução limitaria possíveis ajustes de acordo com os casos estudados, utilizamos a abordagem empírico-indutiva para tentar responder a um "como" para entender um processo, em busca de se chegar a um "o quê". Portanto, buscou-se identificar o sistema em que o fenômeno estudado se insere a partir de suas partes e dos efeitos que produzem.

Como recorte temporal foram consideradas as duas últimas décadas, um período que tem início no limiar do século XXI, com a internacionalização do processo de patrimonialização dos centros históricos. Momento em que as políticas patrimoniais adquiriram particular relevância nas questões urbanas para a mobilização do retorno ao local em tempo de advento global.