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Teoria e Prática do Trabalho em

3. Teoria e prática do trabalho em grupo

3.1. A abordagem sociotécnica

Se por um lado o taylorismo-fordismo representou uma revolução na forma de produzir e organizar a produção, poucos anos após o início do século XX, ainda em seus primeiros momentos, o novo sistema produtivo já sofria críticas sobre o papel secundário que este delegava ao trabalho na produção. Para o taylorismo-fordismo a ênfase estava muito mais focada na produtividade e no processo produtivo do que no envolvimento e na motivação dos trabalhadores. Mesmo porque tal tônica não se colocava no capitalismo dos anos 20 e 30 sedento por responder as novas demandas de consumo.

Diante disso, qualquer política de motivação do trabalho na linha de produção ou mesmo fora dela29, tinha como objetivo último não municiar os trabalhadores para tomadas de decisão ou iniciativas próprias advindas das necessidades e desafios da produção, mas garantir tão somente altos índices de produtividade. Interessava, isto sim, responder à demanda crescente por produtos industrializados e, neste momento, o único grau de envolvimento dos trabalhadores seria o limitado à execução das tarefas determinadas pelo controle central. A separação entre gerência e execução, por exemplo, não permitiria que motivação e envolvimento, palavras tão em voga atualmente, fossem desenvolvidas na linha de produção. Se motivação e envolvimento pudessem representar críticas ou opiniões adversas dos trabalhadores, mesmo que relacionadas às melhorias das condições de trabalho, tais não eram benvindas dentro do sistema fordista-taylorista.

Daí decorre o surgimento das escolas que deram maior ênfase à importância do trabalho na linha de produção. A saber, a Escola de Relações Humanas, nos anos 30, e a Escola Sociotécnica, a partir das experiências inglesas dos anos 50.

Para Roberto Marx (1997:25,26), ambas escolas surgiram como uma crítica ao padrão mecanicista do fordismo-taylorismo que enfatizava muito mais a perspectiva técnica da produção do que o plano humano. A Escola de Relações Humanas,

... centrou sua preocupação na tentativa de propor modelos para o equacionamento (ou minimização) dos conflitos ocorridos ao longo do processo de introdução e difusão dos princípios fordistas-tayloristas, entre os anos 20 e 50. A ênfase, portanto, concentrava-se no fato de que no fordismo-taylorismo pouca ou nenhuma importância era dada ao fator humano no trabalho, uma vez que a preocupação gerencial era quase exclusivamente a de produzir o máximo possível, com estilos de liderança pouco propícios à motivação dos trabalhadores. (Roberto Marx 1997: 25)

29 Ver Simon Clarke, Crise do Fordismo ou Crise da Social-democracia? Lua Nova, set 1991, no. 24,

No entanto, ainda segundo Roberto Marx, a Escola de Relações Humanas oferecia uma proposta que se por um lado somava as questões relativas à motivação e envolvimento do trabalho ao modus operandi fordista, por outro lado, limitou-se “a recomendar mudanças que, no fundo, significaram somente alterações incrementais na lógica de organização da produção fordista-taylorista, nas responsabilidades assumidas pelos diversos agentes, no tratamento das informações e na autonomia para a tomada de decisão” (Roberto Marx 1997; 25, 26).

Por sua vez, a Escola Sociotécnica representou não apenas uma alternativa ao modelo taylorista-fordista, mas também um aprofundamento das críticas apresentadas pela Escola das Relações Humanas.

No entanto, entre o fim da 2a. guerra até fins de 80 que, segundo Roberto

Marx, constituiu-se na “época de ouro” do capitalismo central, a situação não oferecia um terreno fecundo para o desenvolvimento de formas alternativas de gestão do processo de produção. O fordismo e o taylorismo respondiam satisfatoriamente às demandas do mercado. Logicamente a sociotécnica não tem uma projeção maior do que a dos centros onde surgiu. A partir do final da década de 80 e principalmente no decorrer dos anos 90, com o acirramento da competitividade internacional e com a necessidade de novas propostas de organização da produção, o que se observa é o ressurgimento das teses sociotécnicas e, com elas, a discussão sobre os grupos semi-autônomos.

Complementares ou alternativos às outras abordagens discutidas, o fato é que, a partir dos anos 90, as possibilidades de difusão dos princípios sociotécnicos e dos grupos semi-autônomos – bem como o surgimento de metodologias mais detalhadas e sistemáticas para sua implantação podem ser consideradas cada vez maiores. (Roberto Marx 1997: 29, 30)

As mudanças propostas pela sociotécnica no campo da organização do trabalho fabril foram substanciais e estão materializadas principalmente na concepção e na implantação destes grupos semi-autônomos.

A sociotécnica representa uma corrente de pensamento que procura oferecer uma alternativa ao modelo clássico e à escola de Relações Humanas. Surge com base em estudos realizados por pesquisadores reunidos no Tavistock Institute de Londres que puderam ser testados e reavaliados em certos casos de aplicação pioneiros, como o das minas de carvão de Durham na Inglaterra (em 1949), de uma empresa têxtil em Ahmedabad na Índia (em 1952) e em diversas empresas norueguesas (em torno de um projeto denominado Democracia Industrial, nas décadas de 60 e 70). (Roberto Marx 1997: 26)

A origem desta escola decorre de duas mudanças fundamentais. Primeiramente, da mesma forma que a Escola de Relações Humanas, a sociotécnica surge a partir do descontentamento de alguns setores de trabalhadores em relação ao taylorismo-fordismo30. Ao mesmo tempo também decorre da introdução de equipamentos e processos automatizados que implicavam “uma menor interferência direta do trabalhador” na produção e, com isso, a “menor possibilidade de controle do tipo taylorista sobre esta interferência” (Roberto Marx 1997: 27). Os grupos semi-autônomos dependeriam muito mais da cultura organizacional da empresa e da capacidade da alta administração em delegar poder decisório para os escalões subordinados. Desta forma, ainda segundo Roberto Marx citando Trist (1981: 35),

... a definição de uma solução sociotécnica como aquela em que “uma

unidade produtiva não requer supervisão externa e tampouco controle externalizado de suas atividades internas” pode ser

aplicada teoricamente a muitos tipos diferentes de sistemas de produção. (Roberto Marx 1997: 27, grifo do autor)

30 Este “descontentamento” era manifestado, sobretudo pelo aumento da rotatividade voluntária, pelos inúmeros casos de doenças profissionais, absenteísmo, etc.

Onde pudesse ser observada a existência de grupos semi-autônomos, entendidos como grupos com relativa autonomia decisória e não apenas de execução de tarefas, poderíamos identificar ali os princípios da sociotécnica.

Como frisamos, estes princípios se confundem com a difusão dos grupos. Estes grupos semi-autônomos seriam times de trabalho que assumiriam a “responsabilidade completa” pela produção de determinado produto ou partes substanciais do mesmo.

O nível de especialização dos grupos é mínimo, implicando uma alta rotatividade de tarefas e funções entre seus membros. A supervisão desses grupos é restrita, funcionando mais como elo de ligação entre os diversos grupos envolvidos na produção e entre estes e a empresa. Tal característica implica, por parte da gerência, delegar relativa parcela de poder decisório e autonomia aos grupos de trabalho. Aos trabalhadores é delegada apenas uma parcela das decisões, geralmente aquelas que não estão vinculadas ao planejamento estratégico da produção, às políticas de vendas ou à política financeira. Tal incumbência, mesmo que restrita, é o que dá o caráter de semi- autonomia desta forma de organização. O objetivo é muito claro,

... a autonomia proporcionada por grupos semi-autônomos seria uma iniciativa fundamental (embora não única) para induzir os trabalhadores a comportamentos que, a um só tempo, atenderiam às características do

sistema técnico (pelo maior envolvimento deles com solução de problemas mais complexos e menos previsíveis, particularmente os que exigem auto-regulação, autonomia e multifuncionalidade) e do sistema social, relativo à motivação e expectativas quanto ao trabalho. Os resultados passariam a ser obtidos menos por coerção e

mais por indução de comportamentos estimulados por um dado projeto organizacional coerente. (Roberto Marx 1997:27, grifo nosso)

Os “sistemas sociotécnicos”31, diferentemente dos sistemas taylorizados, não têm espaço para medidas de participação baseadas na coerção, pois os trabalhadores seriam envolvidos, estimulados por “um projeto organizacional coerente”. Fica a nossa dúvida, a ser respondida em campo, se tais sistemas, ao permitirem a participação dos trabalhadores no processo ou em parte do processo de tomada de decisão, estariam substituindo as representações trabalhistas diretamente vinculadas à dinâmica decisória do chão de fábrica, como as comissões, e também o corpo gerencial, responsável pela aplicação das ordens e determinações provenientes da alta administração. Neste pormenor, o poder de decisão e barganha destes agentes – representações trabalhistas e gerência – pode ou estar sendo esvaziado ou reformulado sobre novas bases.

Segue abaixo um breve corolário de princípios presentes nos grupos de trabalho32:

“As atividades do grupo devem constituir um significado completo de per si”, ou seja, o grupo deve ser responsável pelo conjunto completo de tarefas de um determinado projeto. Os grupos devem estar envolvidos, por exemplo, na montagem completa de um carro, do começo ao fim deste processo.

Autonomia do grupo para definição de padrões.

Feedback de resultados enviados ao grupo.

“Algum controle nas tarefas desempenhadas nas fronteiras entre os grupos”. Existem tarefas que estão diretamente relacionadas ao processo de manufatura de determinado produto, onde os grupos agem de forma direta. No entanto, existem as tarefas, como manutenção, qualidade, planejamento e controle da produção,

que comumente são de responsabilidade de outros setores e departamentos da empresa. São as tarefas que o autor identifica como “fronteiriças” às atividades dos grupos. São estas tarefas limítrofes a que este item se refere, ou seja, atividades não propriamente da manufatura em si, mas sim de apoio ao processo de produção propriamente dito.

Canais de comunicação visando inserir os trabalhadores inexperientes aos grupos. Liderança escolhida pelo grupo sem interferência da empresa ou gerência e que

“deve ser sancionada pelo grupo”.

“Processos produtivos (hardware, software, equipamentos) não devem ser considerados como um dado a partir do qual deve ser pensada a organização do trabalho”. (Eles) são “uma variável que pode e deve ser pensada em consonância com os princípios daqueles que irão operá-los”.

São learning systems, ou seja, capazes de adquirir e gerar conhecimento

Portanto, em virtude dos grupos de trabalho serem elementos centrais na sociotécnica, é justamente nesta escola que se ampara este trabalho. Cabe, portanto, observar se tais princípios centrados no envolvimento e não na coerção do trabalho estão representados nos casos por nós escolhidos, nas empresas por nós estudadas.

32 Todos os itens foram extraídos de Roberto Marx, 1997:28. Alguns esclarecimentos foram feitos posteriormente por contato telefônico, em novembro de 2003.