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Teoria e Prática do Trabalho em

3. Teoria e prática do trabalho em grupo

3.2. Fordismo, toyotismo e o modelo sueco

Antes de definirmos o que seria o “modelo” de produção sueco, suas extensões e implicações, é preciso contextualizá-lo dentro do escopo teórico que envolve o debate sobre o taylorismo-fordismo.

Se entendermos paradigma como sendo “um conjunto de princípios de senso comum para a tomada de decisões técnicas ou de inversão, ou seja, um conjunto de práticas sociais que se impõe durante um certo período como as mais eficientes e racionais”, podemos afirmar que o paradigma fordista em sua totalidade não é algo do passado. (Gitahy 1992)

A reestruturação produtiva é um processo e, portanto, ainda em curso. Além disso, nem a linha de montagem, nem o consumo de massa, a produção de peças padronizadas ou a especialização das máquinas, são categorias extintas. Pelo contrário, coexistem com novas práticas como produção em células, produtos customizados, multiespecialização e tantos outros termos designando um sem número de inovações organizacionais e novas demandas de mercado.

As empresas geradas pelo processo de terceirização e subcontratação, que precisam produzir tendo como referência o baixo custo da mão-de-obra e a falta de escala para a aquisição de tecnologia de ponta, têm demonstrado que alguns princípios tayloristas-fordistas estão ainda muito presentes. A separação entre trabalho manual e intelectual, um dos pilares do taylorismo-fordismo, ainda é perceptível, apesar da tecnologia e da automação estarem redimensionando esta separação. São questões presentes no debate atual que novos requisitos estão sendo exigidos destes “novos trabalhadores” e até que ponto as profissões perderão ou modificarão a natureza de suas funções e sua identidade.

O modelo sueco não significou a superação do paradigma fordista em sua totalidade. Talvez, arriscamos afirmar, o modelo sueco de produção, baseado em grupos de montagem, não responda da forma necessária a uma demanda global por produtos para consumo de massa. O modelo fordista de produção responderia melhor, a nosso ver, às necessidades de uma economia de escala globalmente expressiva de produtos estandardizados.

A produção de automóveis de passeio da Volvo, a Volvo Car, principal referência do modelo sueco, atende uma demanda diferenciada e qualificada, ou seja, o mercado consumidor de automóveis de luxo. Por sua vez, a Volvo Truck and Buses produz um conjunto enorme de modelos com diferentes especificações para um consumo global, mas não para um consumo de massa33. A Volvo Car não suportaria uma competição acirrada como a que tem sido estimada para o futuro do mercado mundial de automóveis de passeio. Ao invés disso, a Volvo preferiu focalizar sua produção automobilística no setor de ônibus e veículos pesados, inclusive adquirindo sua concorrente mais próxima, a também sueca Scania, e associando-se à Mitsubishi Motors Corporation, visando aumentar sua participação no mercado asiático.34

33 Situação muito semelhante à que viveu a Toyota, no Japão, e também das empresas do Norte da Itália que desenvolveram uma produção “artesanal” para produtos diferenciados.

34 Volvo Cars is a premium automotive brand and has both a strong product program and above industry-average profitability. However, over the longer term and within the context of its current position as a relatively small niche player, Volvo Cars would benefit from the economies of scale inherent in being part of a very large automotive company. In particular these would apply to the significant investments required in both the development of new car generations and in distribution. Volvo and thereby Volvo shareholders will benefit from both the full and fair price received from the sale of Volvo Cars, and the enhanced financial strength with which the group is now able to implement its growth strategy in commercial vehicles and related businesses. (www.volvo.com; news; 28 de janeiro de 1999).

No entanto, se observarmos o modelo sueco como um todo complexo e geral, poderemos notar que as políticas de incentivo e de trabalho em grupo, ambas descartadas pelos princípios da produção taylorizada, são nele características valorizadas.

Portanto, onde inserir o modelo sueco dentro do debate fordista? Seria este modelo pós-fordista ou neo-fordista, segundo as duas vertentes apontadas na bibliografia?

A melhor resposta a esta pergunta, que caracteriza também a posição deste trabalho, é a que Wood (1991:40) formula ao tratar do caso japonês, citando o modelo sueco.

De certa forma, meu ponto de partida foi tratar o fordismo, o taylorismo e mesmo as novas formas de organização – sejam elas trabalhos em equipe ou outra coisa qualquer – como multidimensionais. Essa é a principal importância do convincente estudo de Berggren (1980) sobre a passagem sueca para os “os grupos semi-autônomos”. Pelo menos nesse caso particular, o trabalho revela que é possível reverter certos aspectos do

taylorismo, modificar alguns e reforçar outros, além de deixar intactos os demais. Pode-se aplicar esse argumento ao Japão. (grifo

nosso)

Esta multidimensionalidade, da qual nos fala o autor, obrigaria a que olhássemos o modelo sueco ponto a ponto, identificando quais elementos implicariam numa ruptura com o taylorismo-fordismo e quais, ao contrário, demonstrariam sua proximidade com esse padrão. No entanto, dada as nossas limitações e os objetivos deste trabalho, nos remeteremos apenas a algumas categorias comparativas.

No caso específico das relações de trabalho, o modelo sueco tende muito mais a ser identificado com uma ruptura com o paradigma taylorista-fordista.

Gounet (1992: 18, 19) enumera cinco transformações principais nas quais o fordismo se apóia. A produção em massa e a racionalização das operações fabris, o parcelamento das tarefas, a linha de produção e suas implicações, a padronização de peças e a conseqüente integração vertical da cadeia produtiva e, como possibilidade

aberta por estas implicações, a automatização das fábricas. No caso particular do parcelamento das atividades, o autor ilustra:

A primeira racionalização é o parcelamento das tarefas, na mais pura tradição taylorista. Em vez de fazer um veículo inteiro, um operário faz apenas um número limitado de gestos, sempre os mesmos, repetidos ao infinito durante sua jornada de trabalho. O parcelamento significa que o trabalhador não precisa mais ser um artesão especialista em mecânica. Acontece a desqualificação dos operários. (Gounet 1992: 19)

No caso sueco, se dá exatamente o contrário. Tarefas mais elaboradas, com novas exigências de qualificação do trabalhador, dentro de um contexto de trabalho em grupo, onde cada membro do grupo sabe montar todo o produto do começo ao fim, mesmo que durante sua vida dentro da produção não venha nunca a fazer um automóvel completo.

Além disso, como outro exemplo, a ruptura também é visível na própria concepção do modelo em relação ao sindicalismo. Diferente do paradigma taylorista- fordista e também do modelo japonês, o modelo sueco é fruto do fortalecimento do sindicalismo e não de sua supressão. O modelo sueco necessitava da participação efetiva dos trabalhadores. Uma forte presença e pressão sindical aliada a uma tendência do empresariado à abertura em relação às políticas de participação confluíram para o sucesso do modelo. Dois exemplos ilustram esta necessidade de envolvimento dos trabalhadores. Como veremos adiante, seria inconcebível pensarmos as plantas de Kalmar e Uddevalla, dois exemplos comumente citados na literatura, sem a participação das representações trabalhistas, sejam elas sindicatos ou comissões de fábrica.

Por fim, fato levantado por quase toda a bibliografia, o modelo sueco é decorrente de um conjunto de fatores sociais e também políticos cuja confluência contribuiu para que o mesmo ganhasse o destaque que lhe é atribuído. Neste ponto não

poderíamos deixar de relacioná-lo com as propostas social-democratas que encontraram na Suécia, bem como em toda Escandinávia, um amplo campo de aceitação, muitas vezes sendo traduzidas em leis e normas legislativas que incidem diretamente sobre as relações entre o capital e o trabalho. Não seria possível, portanto, compreender o modelo sueco de produção como um sistema fora de um sistema maior de relações sociais, políticas e econômicas consoantes àquele país.

Mas, seria possível também estabelecer uma comparação entre o modelo sueco e o modelo japonês? Haveria uma continuidade ou ruptura entre esses dois modelos? Tais perguntas procedem, pois, como aparece na literatura especializada, a discussão sobre o modelo de produção sueco, apesar de centralizada no eixo taylorista- fordista, também pode nos deslocar para o debate sobre o modelo japonês.

Primeiramente, seria bom resguardarmos as devidas proporções e diferenciações intrínsecas ao debate. O modelo sueco não é tão impactante para o mercado automobilístico quanto foi a revolução capitaneada pela Toyota. A diferença não está apenas no tipo de produtos comercializados e nos mercados a que se destinam, mas também nas características específicas dos seus países de origem, no caso Japão e Suécia.

A tradicional presença sindical e a sua força no Estado e na relação com as empresas, fatos estes que moldaram as relações de trabalho na Suécia, é um contraste ao modelo japonês, decorrente de um sistema em que o capital usou de medidas repressivas eficazes de desestruturação dos sindicatos.

De forma análoga à observação feita por Wood sobre o debate que se “ocupa da exata localização do Japão no interior do aparato conceitual fordista, ou seja, se é um caso de fordismo simples, de neofordismo, de pós-fordismo, de especialização flexível ou até mesmo de pré-fordismo” (Wood, 1991:31), também podemos, de maneira mais restrita, dispor dois eixos comparativos ao analisar o modelo sueco. A princípio

poderíamos propor uma pergunta do tipo: quão flexível pode ser o modelo sueco? Uma pergunta assim aproximaria nosso trabalho do debate sobre o modelo japonês, principalmente entre os regulacionistas franceses. Por outro ângulo, também poderíamos perguntar: qual o grau de rigidez do modelo sueco? Este enfoque, por sua vez, centraria nossa discussão tendo como anteparo o modelo taylorista-fordista. Qual destes enfoques poderíamos adotar? Aquele que apontaria as vantagens e desvantagens do trabalho em grupo no modelo sueco em relação ao trabalho especializado taylorista? Ou aquele que priorizaria a comparação entre o toyotismo e seus Círculos de Controle de Qualidade (CCQs) com os grupos semi-autônomos suecos?

Primeiramente, frisamos que estabelecer com maior profundidade um debate comparativo entre modelos de produção não é nosso foco principal. Na realidade, nosso eixo é o trabalho em grupos semi-autônomos e não o trabalho na linha de produção sueca. Além disso, correndo sempre um risco de subvalorizar o debate, a nosso ver, a melhor resposta já foi dada anteriormente, ou seja, a de que os grupos semi-autônomos dependeriam muito mais da relação entre capital e trabalho no ambiente fabril do que na discussão sobre uma tipologia de modelos e escolas de produção ou entre diferentes tipos de tecnologias e processos empregados na linha de produção. No entanto, mais do que comparar o modelo sueco com o paradigma taylorista-fordista, as similaridades entre a indústria automotiva japonesa e a sueca permitiriam discutir melhor o modelo sueco à luz do modelo japonês, principalmente nas diferentes concepções de trabalho em grupo.35