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Mercedes-Benz e Grupos de

M: A idéia que eles [sindicatos] tinham é que o kaizen iria cortar pessoas,

5.2.3. Dois projetos complementares: F-2000 e PQVT

Consoante com o projeto Fábrica 2000 de reestruturação, que, como vimos alcançava um amplo escopo de mudanças, a proposta de trabalho em grupo surgiu principalmente como uma forma de conseguir o necessário comprometimento dos trabalhadores do chão-fábrica com as novas mudanças que estavam sendo implementadas pela empresa.

Mais uma vez frisamos que a tentativa da empresa de implantar o Projeto Fábrica 2000 sem uma negociação com o sindicato obteve algum sucesso relativo no que diz respeito ao processo de implantação do kaizen; o mesmo não ocorreu no caso dos grupos. A implantação dos grupos obedeceu à lógica inicial de discutir o projeto, fazer o acordo e, somente depois, implantar a mudança. Estes momentos iniciais durariam até 1995/96, quando ocorreram as demissões, e o processo se inverteu, fazendo com que a empresa primeiro implantasse as mudanças e depois discutisse com o Sindicato.120

Como vimos, diante da apresentação do Projeto Fábrica 2000 pelo lado da empresa, o Sindicato resolveu apresentar uma proposta de reestruturação pelo lado dos trabalhadores, o Projeto Qualidade de Vida no Trabalho (PQVT). Não se tratava de um projeto completamente diferente do projeto apresentado pela empresa. Sua idéia era de complementaridade, de reforçar os pontos positivos do Fábrica 2000 e, ao mesmo tempo, apresentar as deficiências neste projeto da empresa, principalmente nas questões sobre

emprego, condições de trabalho, ritmo, etc. Por isso, o Projeto Qualidade de Vida no Trabalho não apresentava como proposta o trabalho em grupo. Não porque tal tema não fosse importante para os trabalhadores ou para o Sindicato, mas porque este tema já se encontrava inicialmente proposto no projeto Fábrica 2000. Cabia, agora, discuti-lo. Conforme nos explica Fn, sindicalista,

Pergunta: Tinha trabalho em grupo nesse projeto [PQVT] de vocês? Fn:

Não, não tinha. Tinha no projeto deles [Fábrica 2000]. Então, fazia parte do programa nosso, a qualificação profissional, que estava colocada, a discussão da remuneração, porque a gente já previa que teria o trabalho polivalente, o trabalho em equipe, mas a gente condicionava que aquilo tinha que criar uma condição melhor do que a que existia anteriormente. Então, os trabalhadores tinham que ter mais formação profissional, tinham que ter um salário maior... Pergunta: Então, ele [o PQVT] não era um contraponto, veio somar? Fn: Não, na verdade era isso, era casar. Como o projeto da empresa [Fábrica 2000] só visava o produto, então o nosso [PQVT] só visava a qualidade de vida. Então, a idéia era construir uma coisa que ia se somar... (Fn, Sindicalista, entrevista em 26.11.2003)

O Projeto Fábrica 2000, para os representantes trabalhistas, não era algo imprevisível e muito menos motivo para uma reação de resistência pura e simples. Pelo contrário, a reação foi de negociação e não de ruptura com o projeto apresentado pela empresa. Vimos que a empresa se preocupava com o envolvimento de todos os trabalhadores no processo de mudança e que este envolvimento era fundamental para o sucesso do projeto global. No entanto, inicialmente a idéia é que este envolvimento se restringisse apenas aos trabalhadores e não aos seus representantes sindicais. A participação, tema inserido no contexto da “gestão participativa” sendo implantada pela empresa, era, portanto, limitada às questões de aumento de produtividade e a tornar a empresa mais competitiva. Mudou-se a cultura participativa dos cargos de nível médio da

120 Conforme nos disseram os sindicalistas entrevistados, o único acordo que manteve sua estrutura inicial, passado este período de crise e baixa na produção, foi o de grupos de trabalho. Voltaremos a este assunto mais à frente.

empresa (gerentes, supervisores e mestres), adotou-se o trabalho em grupo como política central deste processo de inserção dos trabalhadores, mas excluía-se inicialmente a participação e a negociação com os representantes diretos dos trabalhadores, o sindicato e a comissão de fábrica. Portanto, o que houve não foi um rechaço do Sindicato ao processo de mudança, mas sim a exigência de que os trabalhadores participassem do processo. Somente com a pressão do sindicato e a conseqüente negociação para a implantação desta mudança organizacional foi que o trabalho em grupo se estendeu ao chão de fábrica sem tomar as nuances de grupos multitarefas similares aos CCQs japoneses.121 Foi portanto nesse contexto que se deu a implantação do trabalho em grupo na Mercedes-Benz, dentro de uma política de gestão participativa e negociada com as representações trabalhistas.

A princípio, o trabalho em grupo era uma novidade tanto para a direção da empresa como para os trabalhadores. A partir do momento em que o sindicato entrou na negociação desta medida, tanto a empresa como o sindicato sentiram a necessidade de desenvolver, um trabalho de conscientização mútua sobre esta nova forma de organização; na realidade um trabalho mais amplo de esclarecimento sobre todo o projeto Fábrica 2000. A idéia era preparar um bom número de “formadores de opinião” para depois repassar ao chão de fábrica. O papel da comissão de fábrica foi fundamental neste processo de conscientização. Segundo Fv, membro da comissão de fábrica, o acordo previa, no que diz respeito ao programas de treinamento do trabalhador, que a responsabilidade era da empresa. No entanto, conforme relata, também era claro que

121 Ver Capítulo 2 – As Escolas e o debate sobre o Fordismo (item 2.2.), sobre a comparação entre grupos semi-autônomos e grupos enriquecidos.

“sindicato também interfere no conteúdo dos grupos”.122 O treinamento inicial dos grupos começou logo após a assinatura do acordo, sendo de responsabilidade conjunta da empresa e da comissão de fábrica. Pelo lado do sindicato, o treinamento não se restringiu à implantação do grupo apenas, mas também às questões de ordem política, como os próprios acordos assinados.

Então, nós negociamos com a empresa, que todos os trabalhadores iriam passar uma hora e meia em um curso dado pela comissão de fábrica. Um curso sobre os acordos de reestruturação produtiva. Então nós pegamos uma série de acordos e nós temos um cursinho de uma hora e meia, que a comissão de fábrica faz no local, no horário de trabalho. (...) Na verdade, o que a gente faz é pegar os problemas que eles têm no dia-a-dia, e ver como isso está coberto no acordo.(Fv, comissão de fábrica, entrevista em 26.11.2003)

Portanto, não é correto afirmar, como assim o fizeram alguns trabalhadores entrevistados, que a comissão de fábrica “mantém-se distante” dos grupos. Pelo contrário, a comissão teve também atuação significativa junto aos mesmos, como veremos adiante, inclusive, deixando de lado alguns assuntos que atravancavam a sua pauta do dia-a-dia fabril, passando a cuidar de questões mais, como disseram alguns entrevistados, puramente sindicais.

Quando perguntamos quais seriam os objetivos mais importantes que a empresa buscou ao implantar os grupos, as respostas invariavelmente ficaram no binômio competitividade e participação. Como afirma AM, supervisora de produção,

A idéia foi a seguinte... a Mercedes queria aumentar a produtividade dela... pra isso ela queria a lean production, mas para conseguir a lean production ela precisava do comprometimento das pessoas, ou seja, a máquina não pode quebrar ou quebrar o menos possível, as pessoas têm que vestir a camisa da empresa... como ela faria para conseguir este comprometimento?... uma dos motivos foi o seguinte... eu vou dar mais autonomia para as pessoas... aí surgiu a idéia de fazer trabalho em

grupo... mas a idéia do trabalho em grupo era isto, dar autonomia para as pessoas para a gente conseguir um maior comprometimento... (AM, supervisora de produção, entrevista em 01.03.2000, grifo nosso)

A autonomia em relação a algumas tarefas, por exemplo, como vimos, uma característica fundamental que define os grupos semi-autônomos, ou o enriquecimento das atividades que deixaram de ser apenas de execução passando para o gerenciamento de pequenos estágios ou células de produção, fizeram parte da concepção de grupos da empresa. Sempre vinculando a autonomia e o enriquecimento das tarefas à necessidade de tornar a empresa competitiva. Ainda a esse respeito, J esclarece que

Se você tem um funcionário que faz uma atividade única e exclusiva, especialista... ele não tem comprometimento maior com que o setor dele fabrica, você passando para tarefa, então a tarefa não

é mais fazer um furo, mas fazer uma peça, uma coroa, uma ponta de eixo, um acabamento num bloco de motor, então (...) quando você passa

para uma tarefa... digamos assim... maior, mais complexa, você passa a dar uma responsabilidade muito maior para as pessoas, com isso a gente eleva a função da pessoa, (...) Então para se

confeccionar aquela peça você não precisa só de um operador de furadeira, mas também de um fresador, torneiro, (...) então este grupo é responsável pela peça, (...) Com isso você tem um objetivo e este objetivo tem

que ser cumprido e como eles vão fazer? Então, a tática do jogo quem define é o grupo. Com isso você consegue fazer com que as

pessoas operem várias máquinas, você tem vários ganhos, flexibilidade da produção, aumento da autonomia das pessoas referentes às tarefas, eles começam a trabalhar com uma peça pronta dá muito mais sentido

assim no trabalho, quando eu faço uma peça é diferente quando eu faço

um furo numa peça. (J, Gestão da Qualidade, entrevista em 03.03.2000)