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A acumulação de capital necessária ao salto de passar a produzir

Quando Adhemar Gonzaga legou sua filial paulista ao seu braço direito em São Paulo, estava também lhe entregando os instrumentos de trabalho essenciais, isto é, os processos e os contatos necessários ao cotidiano da distribuição. E junto com esse capital de conhecimentos práticos, transmitia toda uma cultura empresarial que ele desenvolvera antes mesmo de fundar a Cinédia. Como sabemos, a Cinedistri ficou instalada na Rua Dom José de Barros, no centro de São Paulo e dedicava-se inicialmente apenas à distribuição de filmes. Trabalhava com “complementos nacionais”, de exibição obrigatória desde 1934 e com filmes de longa-metragem que, de início, limitavam-se a reprises de títulos da Cinédia, como Berlim na Batucada (1944), ou alguns inéditos de público mais restrito como O

Dominó Negro (1950). Mas a fortuna de Massaini começou a se formar com o

relançamento do célebre O Ébrio (1946), no qual a Cinedistri se encarregou dos territórios de São Paulo e sul do país. Conforme depoimento de Hernani Hefner, Gonzaga

contabilizou 500 cópias para o filme, informando que “mais ou menos uns 8 milhões de espectadores o filme fez entre 1946 e 1951, num trabalho de distribuição que rompia com os padrões anteriores”. Segundo a lembrança do produtor e exibidor Florentino Llorente, do circuito Serrador:

Lembro que um deles foi o Ébrio, filme do Vicente Celestino com produção do Ademar Gonzaga, que foi um sucesso indescritível, o maior daquele tempo. [Em seu relançamento]... Ficou em exibição no cinema Art Palácio que tinha 3000 lugares, durante mais de dez semanas e com cinco sessões diárias, quase todas lotadas. Foi o início da arrancada do Oswaldo como grande distribuidor. Logo depois ele passou a produzir. Inicialmente com filmes sérios, como Rua Sem Sol, do Alex Viany e, mais tarde, fazendo também coisas mais populares, por exemplo, com o Mazzaropi, mas sempre trocando ideias frequentemente comigo. (Florentino Llorente em depoimento gravado em 2008)

Cartazes de O ébrio na estreia de 1946 e no relançamento promovido por Massaini. (FIGURA 12)

Motivado pelo sucesso dessa reestreia, Massaini tentou fazer o mesmo como o memorável Bonequinha de seda. Nos arquivos da Cinédia, como já vimos, verifica-se que Massaini solicitou o negativo original em 1948 para um relançamento a partir de São Paulo. No entanto, o laboratório Rex Filme considerou impraticável a confecção de novas cópias, pois os negativos estariam deteriorados. Encaminhado para o laboratório de Alberto Botelho, a reconstituição do material se fez a partir de todas as cópias existentes, para recompor uma mais completa. Em seguida reconstituíram-se os trechos faltantes no negativo e confeccionou-se duas novas cópias para o relançamento, que só aconteceu em 1952. A segunda cópia reconstituída foi depositada por Gonzaga na Cinemateca Brasileira por volta de 1954. 115 A importância mercadológica e cultural desse projeto denota o status da Cinedistri como uma distribuidora em crescimento na década de 1950 – considerada por

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Glauber Rocha “a mais complexa na história do cinema brasileiro” e que, em sua intrincada conjuntura, “marcou a ascensão de Oswaldo Massaini e Herbert Richers”. 116

Produtor Título distribuído

Moacyr Fenelon Estou aí? (1949), O homem que passa (1949), A arte de ser esposa (1949), O dominó Negro (1950), Todos por um

(1950), Falso Detetive (1951), Tudo Azul (1951), Com o

diabo no corpo (1952) e Agulha no Palheiro (1952).

Adhemar Gonzaga Poeira de Estrelas (1948), Noites de Copacabana (1950), Anjo do Lodo (1951) e Sedução do Garimpo (1951)

Humberto Mauro O canto da saudade (1952)

Alípio Ramos Brumas da Vida (1952) e O pecado de Nina (1950)

Watson Macedo É fogo na Roupa (1952)

Milton Rodrigues Somos dois (1950)

Alberto Pieralisi Uma luz na estrada (1949)

Roberto Acácio Quando a noite acaba (1950)

Intercontinental Dentro da Vida (1951)

Antonio Tibiriçá Liana a pecadora (1951)

Companhia Maristela A Carne (1952)

Mário Sombra Pecadora Imaculada (1952)

Francisco Ferreira Cais do Vício (1953)

Anélio Lattini Filho Sinfonia Amazônica (1953)

Afonso Campiglia Balança, mas não cai (1953)

QUADRO 1 – Principais Filmes distribuídos pela Cinedistri entre 1949 e 1953 De fato, o movimento foi crescendo de modo tão acelerado que, antes de se

envolver na produção, a Cinedistri distribuiu a quantidade considerável de 26 títulos. Alguns eram reprises, outros foram lançamentos tendo a Cinedistri como a distribuidora principal e outros ainda, foram comercializados por Massaini nos territórios de São Paulo e sul do país. De acordo com os registros da empresa, os títulos distribuídos no período 1949- 1953 foram estes enumerados no Quadro 1, da página anterior:

Não há registros completos e abrangentes quanto à movimentação financeira referente a esse volume de comercialização, impressionante para uma distribuidora recém- fundada. Mas deve-se levar em conta que metade da renda bruta de cada um desses filmes ficava com o distribuidor. Tomemos como parâmetro Metido a Bacana, um filme de 1957 produzido por Herbert Richers e pela Cinedistri que faturou nove milhões de cruzeiros

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117nas duas semanas iniciais de exibição 118. Se os títulos acima tivessem rendido somente

10% do que arrecadou Metido a Bacana, é possível imaginar que a capitalização dos quatro primeiros anos da empresa teria ultrapassado a marca de 12 milhões.

A Cinedistri nasceu como uma distribuidora e como tal, distribuidora só de filmes brasileiros, o que era uma coisa

fantástica. Ter uma distribuidora que se preocupava apenas com o filme brasileiro. Talvez ele tenha sido o pioneiro a se colocar ali na Rua do Triunfo, perto da estação ferroviária, de onde ele poderia enviar as latas de filmes para o interior com mais facilidade, ou pela rodoviária que mais tarde se instalou ali perto. (Lauro Cesar Muniz, em depoimento gravado)

Na realidade, Massaini foi o primeiro produtor a se instalar naquele local onde já existiam vários distribuidores 119 porque, naquele tempo, a comunicação física com o interior dependia das ferrovias. Por elas, chegavam os produtos agrícolas e, no caminho inverso, se transportava as latas de filmes para as cidades do interior, seguindo o ritual acima descrito. Na época, quase todas as cidades possuíam pelo menos uma sala de cinema. Por esse motivo, três anos depois de fundar a firma, Oswaldo decidiu transferir a Cinedistri para a Rua do Triunfo, onde se encontra até os dias de hoje. Ali, ao lado das estações

centrais das vias férreas, era mais fácil o acesso às salas do interior. Pouco depois, aquele se tornaria o local preferido pelos escritórios de produtores e distribuidores cinematográficos da capital, inclusive os internacionais. Todos acabariam se mudado para lá, mas um dos primeiros nessa ocupação foi Massaini. Essa mudança de endereço se fez possível pela acumulação de capital proporcionada pelos filmes aqui mencionados e, além de uma opção operacionalmente estratégica, reflete um impulso de ascensão social, porque a Rua do Triunfo era um local bem mais valorizado que a Dom José de Barros:

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117!Em outubro de 2013, essa quantia equivale a R$3.298.090,00.!

118 Esse dado se encontra em Rosângela de Oliveira Dias. In: O Mundo como Chanchada – cinema e

imaginário das classes populares na década de 50. Rio de Janeiro. Relume-Dumará, 1993, p 14 – colhido de

um exemplar da Revista Cinelândia n. 106, de abril de 1957. No entanto, em Este Mundo é um Pandeiro, na página 140, Sergio Augusto escreve que Metido a bacana “resultou na mais bem sucedida comédia

carnavalesca produzida por Richers, artística e financeiramente falando”. Custo: 2.400 cruzeiros (R$879,00 em outubro de 2013). Retorno na primeira semana: seis mil cruzeiros (R$3.989,00 em outubro de 2013) – quantias à primeira vista baixas demais. Fato é que, além de raramente registrados e dificilmente

disponibilizados, os dados financeiros referentes a custos e receitas dos filmes desse período anterior à fundação do INC e da Embrafilme não são totalmente confiáveis.

119 Massaini dizia que, quando menino, um de seus divertimentos era ir à Rua do Triunfo, a cata de fotogramas que as distribuidoras tinham jogado no lixo. Na primeira metade dos anos 1950, ele instalou ali seu escritório, mas foi em 1959 que ele ocupou o recém-construído prédio no número 134 da rua com uma nova sede.

Tornou-se um local onde se aglutinava todo cinema paulista. Era em volta do escritório da Cinedistri que as coisas aconteciam. Depois foi ampliando, ampliando e o lugar se tornou o centro do cinema paulista. Tudo foi irradiando a partir da Cinedistri. Isso é muito importante porque ali estava o núcleo gerador do movimento todo que mais tarde ficou famoso como o quarteirão do cinema paulista. (Lauro Cesar Muniz, em depoimento gravado) Para um profissional de cinema que observava essas coisas com certo

distanciamento, porque se encontrava atuando em outra área, como era o caso do exibidor Florentino Llorente, essa mudança de endereço adquiria um significado mais amplo:

Eu estive presente com várias autoridades na inauguração da sede da Cinedistri na Rua do Triunfo. Eram instalações muito boas, muito modernas para aquela época. Naquele local já havia muitos pequenos produtores e distribuidores, mas o Oswaldo consagrou o bairro como o centro da produção cinematográfica paulista, o centro do cinema comercial brasileiro. E a mudança da sede da Cinedistri para lá foi o início de uma nova era para o cinema paulista que, até então, era caudatário do cinema do Rio e Janeiro. (Florentino Llorente em depoimento gravado)

Com uma longa experiência de colaboração com Massaini, o veterano técnico Waldomiro Reis diz que aquele local hoje chamado de “Boca do Lixo” era para ele uma “boca de ouro” − um lugar repleto de gravadoras de discos, como a RGE, e uma dúzia de produtoras de cinema: “Era um burburinho de diretores, atores e cantores... nos seis restaurantes da rua, você tinha que ficar na fila para poder entrar na hora do almoço”. O celebre restauranteur e misto de garçom e cantor Giovanni Bruno também se lembrava do começo dos anos 1950 e fazia uma comparação:

Nós do restaurante Gigetto íamos fazer compras no Mercado Central que era próximo da Rua do Triunfo. E o centro da cidade era o que hoje são os bairros dos Jardins. A Estação da Luz, a Praça da República, a Rua São Luiz, a Praça da Sé, a Liberdade... Era como um shopping de hoje, com pessoas elegantes, famílias muito bonitas. E o que me chamava atenção, quando ia passando nessa Rua do Triunfo eram os cartazes de cinema que tinham nas portas. (Giovanni Bruno em depoimento gravado em 2013) 120

Por sua vez, o domicílio residencial de Massaini passaria do centro para a Rua Bento Frias, na zona sul, perto do Rio Pinheiros − na ocasião quase um endereço “de campo” em São Paulo, numa casa colada ao Jockey Clube que, aliás, os Massaini !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

frequentam até hoje. Já com a família ampliada pelo pequeno Aníbal que chegara há três anos, ele deixava para trás a acolhedora residência que dividia com Dário e Maria para adquirir a sua primeira casa própria. Eles faziam graça daquela importante vitória obtida com as economias de quem trocara a omelete de mortadela pelo filé com fritas, tratando-o como um ambicioso magnata em ascensão. Enxugando uma lágrima que teimava em escorrer pelo cantinho do olho, Oswaldo abraçou o cunhado que estimava como o irmão que nunca teve, repetindo o que afirmara no dia de seu casamento em tom de brincadeira, mas talvez falando sério: “Fratello caro... se continuar assim, eu garanto que um dia vou te dar de presente um cobertor feito com notas de mil”.

Coincidindo com esse período inicial da Cinedistri, em novembro de 1949, setores da burguesia paulistana fundaram a Empresa Cinematográfica Vera Cruz, uma ambiciosa fábrica de filmes, como parte integrante do movimento que a economia brasileira ensaiava rumo à industrialização. Um ano antes, porém, seu fundador Franco Zampari também tinha criado o Teatro Brasileiro de Comédia – este, com certeza um empreendimento desprovido de intenções industriais 121. A proposta daquela produtora cujos estúdios amplos e

modernos foram instalados em São Bernardo do Campo era criar um cinema mais sério e esteticamente requintado, se comparado com o que até então apresentavam as comédias carnavalescas – as ditas “chanchadas”. Essa simultaneidade verificada nas origens da Vera Cruz e da Cinedistri acentua uma cisão na forma como se pensava a produção de cinema. Os filmes que se faziam em São Paulo se polarizavam entre a sofisticação proposta pela Vera Cruz e o feitio mais simples e popular que caracterizava, por exemplo, as realizações da empresa Maristela, fundada em 1950 por Mário Audrá – ainda que esta também se estruturasse como uma complexa linha de produção, mantendo artistas e técnicos como funcionários e imobilizando capital em estúdios e equipamento. Massaini não se preocupava em se posicionar em favor de uma dessas linhas, mas naquele momento, só dispunha de recursos para ficar com a segunda opção. Para ele, um mercado em formação pedia filmes menos dispendiosos e mais acessíveis ao grande público. E estes, mesmo assim, ou por isso mesmo, deveriam apresentar predicados artísticos palpáveis e ser !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

121!Se a intenção industrialista não fora avante em termos econômicos, seus efeitos culturais mostraram-se concretos e palpáveis: os equipamentos e os profissionais importados da Europa pelos seus dirigentes trouxeram um acréscimo de qualidade técnica para o ofício de produzir filmes no Brasil. Grande número de profissionais originalmente da Vera Cruz vieram a trabalhar nos filmes de Massaini.!

lançados com estratégias agressivas de mercado, para alcançar bons resultados de bilheteria.

No horizonte cultural de Massaini não se divisava a diferenciação, hoje tão comum, entre “popular” e “erudito”. Em meados do século XX, essa distinção servia para exprimir a diferença entre as manifestações regionais e folclóricas daquelas que correspondiam aos grupos sociais dominantes. Nos campos da música, da dança ou da culinária, por exemplo, era relativamente fácil entender o que se referia às diversas camadas em que se dividiam as sociedades. Na qualidade de indústria de entretenimento voltada para a totalidade da população, entretanto, o cinema talvez precisasse aproximar, ou mesmo integrar aqueles opostos. Na atividade de distribuidor, Massaini foi obrigado a perceber que o “filme sério” dava tanto trabalho e demandava tanto capital quanto o cômico, no sentido de que os custos básicos de distribuição eram os mesmos. E que ambos precisavam despertar o interesse do público para viabilizar o retorno dos investimentos. Quando passou a produzir filmes, essa concepção permitiria que ele passasse facilmente, ou seja, sem “problemas de consciência”, do trabalho com um drama social para lidar com uma comédia carnavalesca e vice-versa.

O ator e diretor John Herbert (São Paulo, 1929 – 2011) era uma testemunha privilegiada do confronto entre essas duas vertentes porque presenciou a criação da Vera Cruz e atuou em mais de 60 filmes, muitos deles produzidos por Massaini, inclusive em O

caçador de esmeraldas (1979), a sua derradeira realização.

Fizeram a Vera Cruz pensando num cinema mais serio, com a intenção de vender no mundo inteiro. Enquanto isso, o Massaini ia de encontro a uma realidade brasileira: cinema popular para encher as salas, porque o público adorava. Nada de filmes caríssimos. Por exemplo, O cangaceiro da Vera Cruz demorou 9 meses para ser filmado. Aquele dinheirão todo fora do mercado por 9 meses é um pouco exagerado, tanto que não deu certo e a companhia só aguentou 5 anos. Paralelamente, a Cinedistri ia fazendo filmes populares, mas todos muito bem feitos e dando lucro, tanto que até hoje a Cinedistri está aí. 122Naquela época, tínhamos essa facilidade de fazer um cinema popular, sempre levado para o humor. As “chanchadas” tinham uma visão critica da nossa realidade e era por isso que faziam tanto sucesso. Às vezes no meio de uma filmagem, o ator sugeria “eu tive uma ideia, por que não colocar essa piada naquela cena?” E o diretor topava. Havia um pouco a prática de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

uma obra feita em conjunto. E saiam aqueles filmes engraçados, divertidíssimos. (John Herbert em depoimento gravado em 2010) As grandes companhias da época, como a Vera Cruz e a Maristela, tentaram desenvolver seus próprios departamentos de promoção e publicidade. Mas é importante lembrar que, pelo sistema que veio a predominar por aqui, no lançamento comercial de um filme é o distribuidor quem se incumbe da divulgação e dos contatos com a imprensa. É ele quem estabelece a conexão entre a mídia e os artistas, por meio comunicados impressos, contatos pessoais e de eventos, como entrevistas coletivas, pré-estreias e coquetéis. Massaini tinha especial pendor e talento para esse tipo de tarefa que, além de para ele prazerosa, rendia dividendos e abria oportunidades para novas amizades e relacionamentos duradouros. Ao comercializar o drama protagonizado por Fada Santoro O Pecado de Nina (1950), por exemplo, Massaini travou relações de amizade 123 com determinados

profissionais que, meia década depois, seriam os colaboradores basilares em sua trajetória de produtor: o diretor Eurides Ramos e seu irmão Alípio, o cineasta J. B.Tanko, o fotografo Hélio Barrozo Netto e o compositor Radamés Gnatali, além do ator e produtor Cyll Farney

124.

Para entender o perfil de produtor que Massaini assumiria, é importante considerar o seu histórico profissional: um distribuidor que se fez também produtor e que nunca se dedicou a dirigir ou exercer qualquer outra função nessa área. Na medida em que se verificou na carreira de Massaini uma evidente continuidade em relação à de Adhemar Gonzaga, é oportuna uma nova comparação com a trajetória de seu mentor. Observa-se que este começou no cinema como publicista 125e cinéfilo militante de cineclubes. Depois passou a trabalhar como jornalista especializado e crítico de filmes, aprofundando a

militância da juventude em campanhas em favor do cinema brasileiro. Depois disso, passou a escrever roteiros, a dirigir e a produzir filmes.

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123!Massaini chamava de “amigo” todos os profissionais que deixavam um legado de competência.

Confiabilidade e discrição e nas experiências de trabalho em comum. Com essas pessoas, manteve duradouras e produtivas parcerias.!!

124!Irmão do pianista e cantor Dick Farney, na época um divulgador pioneiro do jazz no Brasil.!

125 O publicista era o profissional que trabalhava na divulgação de filmes, desenhando anúncios e redigindo textos promocionais.

Essas duas últimas atividades, diga-se de passagem, já acontecem associadas em

Barro humano (1927), o seu primeiro projeto de realização. Em seguida, na primeira fase

da Cinédia, dedicou-se exclusivamente à produção. Nunca atuou como distribuidor, a não ser indiretamente na qualidade de um dos vários integrantes da Distribuidora de Filmes Brasileiros (DFB) fundada em 1935, congregando os principais produtores da época. Mas ele também sempre esteve integrado à movimentação política da comunidade

cinematográfica, como relata Arthur Autran:

Em 1932, durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas, entrou em vigor a primeira legislação brasileira sobre cinema, a lei 21.240, e, dentre suas várias medidas, além de diminuir o imposto sobre o filme virgem também previa a exibição compulsória de filmes brasileiros. Adhemar Gonzaga teve influência na redação da lei. Entretanto, essa lei previa a obrigatoriedade de exibição de um curta-metragem nacional em cada programa composto por um longa estrangeiro, e não a exibição do longa nacional, conforme o crítico defendia. (AUTRAN, 2008) 126

Assim como também faria Massaini, Gonzaga participava de diversas outras entidades ligadas ao cinema. Por exemplo, ajudou a fundar a Associação Cinematográfica de Produtores Brasileiros em 16 de junho de 1934. Foi presidente e fundador da Associação Brasileira dos Cronistas Cinematográficos em 10 de setembro de 1946, e vice-presidente da Associação do Cinema Brasileiro (ACB), fundada por Moacyr Fenelon em 26 de Agosto de 1948. Ainda que tenha demonstrado menos pendor que o seu mestre para a movimentação institucional, Massaini era bom articulador e sabia da necessidade de agir politicamente no âmbito da categoria profissional.

Em janeiro de 1956, por exemplo, Oswaldo Massaini participaria da “Chapa 5 de Novembro”, para concorrer à direção da Associação Paulista de Cinema (APC), ao lado de Primo Carbonari, Noé Gertel, Maria Della Costa, Alberto Ruschel, Ruy Santos, Abílio Pereira de Almeida, Galileu Garcia e Mário Audrá 127. Era uma tentativa de ressuscitar a

entidade que fora criada cinco anos antes com o propósito de debater o projeto de criação

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126 Artur Autran. A questão da indústria cinematográfica brasileira na primeira metade do século. In:

Mnemocine, 20/07/2008

do INC 128. Verificamos que nesse período, além de recursos financeiros e técnicos, ele angariou um valioso capital humano de prestígio e relacionamentos. Como se deduz, depois de aprender os métodos e técnicas da distribuição cinematográfica e tê-la praticado com competência e visibilidade, o jovem empresário se lançaria também à produção, passando a fazer parte do primeiro escalão de profissionais atuantes no cinema paulista. E, o que era surpreendente, entre 1954 e 1956, ele já teria realizado oito filmes de longa-metragem, a