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O período de instabilidade que antecedeu à fundação da Cinedistr

Durante o Estado Novo, a política federal de fomento à produção cinematográfica brasileira foi aprimorada com o Decreto-lei nº 1949, de 30 de dezembro de 1939, pelo qual “os cinemas são obrigados a exibir anualmente, no mínimo, um filme nacional de entrecho e de longa metragem”. Tomando o caso específico da Cinédia, seria possível acreditar que essa política realmente fertilizasse um processo de industrialização do cinema no país. Ocorre, porém que no início dos anos de 1940 – acompanhando a problemática econômica da Guerra Mundial – a empresa entrou em crise financeira, por conta principalmente de uma retração no mercado e do aumento nos custos de produção. Pesavam também as

restrições das distribuidoras ao produto brasileiro e “as agências regionais e proprietários de cinemas que fraudavam abertamente borderôs e livros-caixa” 57. Mesmo assim Gonzaga se

mantinha fiel às ideias que defendia desde os anos de 1920, ele que foi um dos principais articuladores de um pensamento sobre o cinema brasileiro, no qual predomina o ideal de industrialização, como se depreende desta entrevista de 1940, citada por Arthur Autran Franco de Sá Neto em sua tese sobre “O pensamento industrial cinematográfico brasileiro”:

Aqui na Cinédia, por exemplo, temos neste momento investida nos dois filmes já citados (Pureza e Romance Proibido) uma soma considerável. É preciso que haja filmes circulando continuamente, fazendo entrar nos cofres do estúdio dinheiro proveniente dos filmes exibidos, dinheiro que represente compensação, lucro, dinheiro de cinema e para o cinema enfim, e que já não nos encontremos na emergência de pôr, durante um ano ou mais, seguidamente, dinheiro particular, paralisado por tanto tempo. 58 Mesmo tendo construído os estúdios da Cinédia dez anos antes, percebe-se que naquele começo dos anos de 1940, ele já considerava mais importante do que a

imobilização de capital em equipamentos e estúdios a circulação contínua de recursos. Isto é, a rentabilidade dos filmes que garantiriam a permanência do investimento em novos projetos. Era justamente essa a concepção de indústria cinematográfica que Gonzaga transmitiu a Massaini e que foi plenamente internalizada e seguida pelo discípulo paulista ao longo de sua caminhada. Com efeito, este se tornaria produtor sem imobilizar capital na !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

57 Fernão Ramos, Enciclopédia do Cinema Brasileiro, verbete ADHEMAR GONZAGA, p. 350.

58 Arthur Autran. O pensamento industrial cinematográfico brasileiro. Tese de doutorado em Multimeios, apresentada na Unicamp, Campinas, 2004, p. 89.

construção de estúdios e, além disso, seus esforços pela permanência no mercado

concentravam-se na rentabilidade do filme em processo de produção, para que dele viessem os recursos necessários para a realização dos projetos subsequentes.

Naquele ano de 1940, porém, a produção de longas da Cinédia foi temporariamente interrompida e a produtora passava a se manter graças aos complementos de exibição obrigatória, como o cinejornal encomendado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do governo federal. Foi num contexto de retomada da produção, dois anos mais tarde, que aconteceu o já mencionado contrato com a RKO para abrigar o projeto de É tudo verdade, bem como o ingresso de Massaini na filial de São Paulo. O crítico e historiador Alex Viany assinala que nessa fase “a produção da Cinédia caiu de nível e de interesse” 59, e faz

referências a várias tentativas malogradas, como Pureza (Chianca de Garcia, 1940) baseada em obra de José Lins do Rêgo, e O Cortiço (Luís de Barros, 1945), adaptação do romance de Aluísio de Azevedo. Tão pouco rendeu dividendos à altura do esforço empreendido aquela trabalhosa tentativa de drama patriótico e engajado no getulismo que foi Romance

Proibido (1944), apesar de ter merecido o maior lançamento até então do cinema brasileiro,

em termos de número de salas.

Se aquelas adaptações de obras literárias amplamente conhecidas não proporcionaram resultado positivo, o mesmo não aconteceu com duas comédias

carnavalescas dirigidas por Luiz de Barros que trouxeram novo fôlego para as finanças da empresa – Samba em Berlim (1943) e Berlim na batucada (1944): o público respondeu bem a essas brincadeiras com alemães, contra quem estávamos em guerra. Este último tinha no elenco Procópio Ferreira, Grande Otelo e o cantor Francisco Alves. A produção era de Adhemar Gonzaga, assim como o roteiro, no qual houve a colaboração do compositor Herivelto Martins. O enredo manifestava a vocação da comédia carnavalesca brasileira para com a paródia crítica e demolidora, ao imaginar um produtor americano de cinema que vem conhecer o carnaval brasileiro em busca de novos talentos e ideias, numa referência à passagem de Orson Welles pelo país.

A gente imagina que ali no início dos anos 40, os filmes da Atlântida já fizessem muito sucesso, só que na verdade não. E o !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

maior sucesso de 1944 foi o Berlim na Batucada. Quando o Francisco Alves morreu em 1950, o Oswald teve e ideia de remontar o filme. E ele z uma inserção no final da versão de 1952, de um retrato do Francisco Alves, em meio às nuvens, no céu, como um grande santo (...) e o filme voltou a fazer sucesso novamente. (Hernani Hefner, em depoimento para o projeto)

Massaini teve a dupla sorte de observar como essa mudança de diapasão – das adaptações da literatura para divertimentos populares – foi benéfica naquele momento de extrema dificuldade imposto pela guerra, em que faltava até negativo para as filmagens. 60 E de ver ampliada a necessidade da Cinédia investir mais fortemente na distribuição de seus produtos para São Paulo e os estados do sul, já naquela ocasião o maior mercado do país. A propósito, um simples exame nos jornais paulistas da época levará à constatação de que eram escassos os anúncios de filmes do Rio de Janeiro, em relação aos internacionais. De modo geral, a comédia carioca que trazia o carnaval, o samba, o morro e a favela como principais ingredientes eram furiosamente atacados pela imprensa paulista – especialmente no jornal O Estado de São Paulo, como ocorreu com a produção medianamente ambiciosa de Caídos do Céu (1946), trazendo um razoável elenco, com Francisco Alves, Dercy Gonçalves, Walter D’Ávila e Adoniran Barbosa 61. Lançado em 27 de fevereiro de 1946, o filme foi impiedosamente massacrado pelo comentarista do jornal que ocupou quase um quarto de página para desancá-lo como uma demonstração de “cacofonia pornografada” 62.

Nessa matéria sem assinatura, o crítico – que poderia ser o próprio Guilherme de Almeida, à época um colaborador costumeiro do jornal – parece refletir o azedume de seus

proprietários e boa parte de seus colaboradores para com o período de intervenção da ditadura varguista a ele imposta no período da Guerra e, nesse texto, atribui ao governo federal todas as mazelas do cinema brasileiro:

Os grandes responsáveis por este caos em que se debate sufocado o cinema do Brasil tem sido os dips, censuras e censores, que dão o visto “boa qualidade” a qualquer amontoado de baboseiras mais ou menos imorais. Os maiores culpados tem sido esses legisladores de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

60!Dada à falta de matéria-prima, boa parte de O Ébrio, por exemplo, foi filmada em negativo de som, conforme informação da Cinédia.!

61!No site da Cinédia, essa comédia é definida como uma revista carnavalesca sobre um casal do século XVIII que vem ao Rio de Janeiro assistir ao Carnaval em plena atualidade.

62!Dez anos mais tarde, Gonzaga receberia uma homenagem do jornal O Estado de São Paulo, por ocasião do prêmio Saci, em função do conjunto de sua obra, então já com 42 títulos produzidos. Naquela ocasião ele estava domiciliado temporariamente em São Paulo, numa tentativa de mudança da sede da sua empresa.

gabinete – cogumelos de uma só manhã – que à custa de leis e decretos mais ou menos alinhavados amparam, não a planta frágil nascida de semente boa, mas a tiririca asfixiante, de raízes envolventes; não o profissional honesto ou o técnico competente, mas qualquer ignorante que, de posse de aparelhos mais ou menos antiquados, de cultura mais ou menos primária, se põe a

impressionar fitas a torto e a direito, sem o mínimo critério seletivo, sem um laivo de educação artística, sem a menor consideração para com o renome do Brasil, sem a mais rudimentar condescendência para com um público benevolente e por isso sempre ludibriado. A continuar com essa cinematografia poluída, na forma e no espírito, o cinema no Brasil não será mais um caso de censura, mas um caso de polícia, puro e simples. 63

Aquela recepção tão desfavorável desse lançamento na imprensa de São Paulo deve ter servido de sinal de alerta, no sentido de que a imagem da Cinédia e de seus filmes se achava abalada por causa de sua identificação com o getulismo. Afortunadamente, porém, com a Assembleia Constituinte e a redemocratização, os ventos passaram a soprar a favor: Gonzaga e Massaini, puderam então participar ativamente do maior sucesso de bilheteria que o cinema brasileiro tinha conhecido até então. Não foi uma comédia, mas um

dramalhão diretamente inspirado numa canção de Vicente Celestino, dirigido por sua mulher Gilda de Abreu, a demonstrar assim a inegável força do rádio, como veículo de difusão cultural. Junto com Gonzaga, Massaini elaborou uma estratégia inédita para a comercialização daquele filme. O costume dominante na época era lançar os filmes com apenas algumas cópias e, quando o público daquela “praça lançadora” esgotava a sua capacidade de absorver o filme, este era levado para outra cidade. Eles, porém, decidiram encomendar diversas cópias para trabalhar com elas ao mesmo tempo. Isso se espalhou em progressão geométrica para o país como um todo, inaugurando um novo sistema de

distribuição. A partir daí, Massaini passaria de mero gerente da filial paulista a assistente de Gonzaga – praticamente o segundo homem da Cinédia. Conforme dados da empresa até hoje em atividade no Rio de Janeiro, em cinco anos foram produzidas cerca de 500 cópias, atingindo perto de 8 milhões de espectadores naquele período entre 1946 e 1951. Massaini costumava afirmar que “nem E o Vento Levou conseguiu igualar essa marca no Brasil... eu sei muito bem porque eu recebia um pequeno, aliás, ínfimo percentual na renda do filme e prestava muita atenção nesses números.”

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É também possível que a carreira de O Ébrio, lançado em outubro de 1946, tenha se beneficiado com a nova “lei do três por um”. O fato é que ela ampliou a concorrência, estimulando novos investimentos na atividade e trazendo tradicionais exibidores para a esfera da produção. Era a Lei 20.493 (24/01/1946) que criava o Serviço de Censura de Diversões Públicas do Departamento Federal de Segurança pública 64, pela qual todos os cinemas eram obrigados a exibir pelo menos três longas-metragens brasileiros por ano. Em função disso, antes mesmo dos produtores e distribuidores, os primeiros beneficiários diretos da medida foram os proprietários de salas de cinema. O grande exibidor Luiz Severiano Ribeiro Junior, por exemplo, que já possuía a União Cinematográfica Brasileira

65, começou a investir na Atlântida, até se tornar dono da produtora, depois de afastar os

primeiros proprietários.

Como informa o seu biógrafo Toninho Vaz, o novo magnata cearense da exibição pediu emprestado para a mãe, Dona Alba, o dinheiro necessário para se apoderar da

Atlântida e logo obteria um excelente resultado de público com Carnaval no Fogo (Watson Macedo, 1949), considerado de modo geral o mais importante paradigma estilístico da chanchada. 66 A comemoração de Ribeiro Junior deve ter ocorrido em sua mansão no bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, onde fora instalado um cinema particular e os jantares eram servidos à francesa, com garçons de luvas brancas e o chefe da família

sentado à cabeceira da mesa. Enquanto isso, naquele mesmo ano, Oswaldo Massaini estaria festejando a fundação da Cinedistri, jantando com os companheiros e amigos um

“mexidinho” à paulista, no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo. 67

Curiosamente, a equipe daquele primeiro sucesso comercial da Atlântida sob o comando de Ribeiro Junior, contava com a presença de Anselmo Duarte, aquele que bem !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

64 “Artigo 25. Os cinemas são obrigados a exibir anualmente, no mínimo, três filmes nacionais de entrecho e de longa metragem, declarados de boa qualidade pelo S.C.D.P. do Departamento Federal de Segurança Pública.”

65 Ele possuía 60 das 120 salas do Rio de Janeiro e programava mais de 400 dos 2 mil cinemas do país. Era dono dos laboratórios que faziam as cópias, da gráfica que imprimia os cartazes, da agência que veicula os anúncios etc. (Anita Simis. Estado e cinema no Brasil. São Paulo, Annablume/Fapesp, 1996, p. 152) 66!Toninho Vaz. O rei do Cinema – Luiz Severiano Ribeiro. Rio Janeiro, Record, 2008, p 120!

67 Essa nossa insistência em enfatizar as diferenças sociais entre Ribeiro Junior e Massaini visa levantar a suspeita de que nesse ponto talvez se encontre uma das explicações para o fato da Cinedistri ter durado mais tempo do que a Atlântida. Voltadas para o mesmo público, uma dessas empresas se achava mais próxima da racionalidade capitalista do que a outra.

mais tarde iria dirigir para Massaini O pagador de promessas. Além de atuar, Anselmo redigira o argumento daquela comédia e, por isso, foi convidado por Ribeiro Junior para dirigir Amei um bicheiro. Mas, esse projeto acabou sendo dirigido por Jorge Ileli e Paulo Vanderley porque, momentos antes de assinar o contrato, Anselmo recebeu uma “proposta irrecusável” da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que acabava ser fundada em São Paulo, para trabalhar como ator − trocando então um salário de 13mil (R$16.292,00 em outubro de 2013) por outro de 50 mil cruzeiros (R$62.664,00 em outubro de 2013). 68 Ou seja, em sua insistente caminhada rumo à direção, o ator Anselmo Duarte quase foi conduzido por Ribeiro Junior a essa função, mas seu primeiro trabalho como diretor só aconteceria mesmo sete anos mais tarde, a serviço de Massaini. 69

No mesmo ano de 1949 em que se fundava a Vera Cruz – companhia paulista que apresentava uma proposta empresarial bem diversa daquela que Gonzaga legara a Massaini – a Cinédia deixava de produzir filmes. Provavelmente desestimulada pelo baixo

rendimento obtido pela produção de Pinguinho de gente (1949), escrito e dirigido pela mesma Gilda de Abreu de O Ébrio. A decepção quanto aquele resultado foi ampliada pelo fato do filme anterior com Vicente Celestino ter sido o maior sucesso da década, assistido por 12 milhões de pessoas. De acordo com Silvia Oroz, 70este foi um caso excepcional na história do cinema porque, ao contrário do que se verificava nos demais países da America latina, dificilmente o melodrama merecia boa acolhida por parte do público brasileiro:

No Brasil, a relação cinema/música determina a grande diferença em relação ao resto da América Latina, pois marca o nascimento do filme carnavalesco e a posterior explosão da “chanchada”. É claro que esta relação... acentua o desenvolvimento da paródia

cinematográfica. Embora seja essa a característica genérica da produção, O ébrio, melodrama típico baseado na música de mesmo nome, integra a lista dos grandes sucessos de bilheteria do cinema brasileiro. (OROZ, 1999, p. 122)

Na realidade, esse título ainda teria uma longa sobrevida no mercado. O

prosseguimento da comercialização de O Ébrio no sul do país, aliás, poderia sustentar a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

68 Toninho Vaz, op cit. p. 132.

69 Neste trabalho, os valores são atualizados conforme instruções do Banco Central, conforme o site

https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrec aoValores

Cinédia por algum tempo, além de alimentar uma atividade de distribuição que, no começo dos anos de 1950, ficaria a cargo de Oswaldo Massaini. Alice, a filha de Adhemar e

herdeira da Cinédia atesta que o pai e Oswaldo “sempre foram muito amigos e trocaram muitas ideias” 71. Oswaldo também fazia sugestões ao seu mestre Adhemar Gonzaga, como por exemplo, a tentativa de relançar Bonequinha de Seda em 1948 – o que não foi possível por conta de dificuldades técnicas, envolvendo a deterioração dos negativos. O produtor Adhemar Gonzaga encaminhou então aquele material para o laboratório de Alberto Botelho que só concluiria o trabalho quatro anos mais tarde, a partir da reunião das cópias ainda preservadas. 72

(FIGURA 6)

Outro exemplo de iniciativa proposta a Gonzaga por Massaini é a inclusão de atores paulistas nas produções da Cinédia, que costumava se apoiar preferencialmente em temas e talentos do Rio de Janeiro. Algumas vezes, ele levava pessoalmente artistas de São Paulo para filmar no Rio. Foi o caso do comediante (foto acima) Adoniran Barbosa (Valinhos, 1910 - 1982), que se iniciou no cinema em Pif-Paf (1945) e Caídos do céu (1946) − filmes carnavalescos voltados para o grande público e realizados pela dupla Adhemar Gonzaga e Luiz de Barros. Esse episódio exemplifica a importância que o jovem empresário atribuía aos relacionamentos profissionais, investindo neles com o mesmo cuidado com que um financista trataria papéis e ações de futuro promissor. Por isso, a decisão de fechar o escritório paulista sempre foi lembrada por ele com indisfarçada emoção:

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71 Alice Gonzaga, em depoimento gravado para a pesquisa em 2010

72 Relatório convênio Petrobrás - Cinédia para restauração de Bonequinha de Seda e Berlim na Batucada. 2010. Arquivo da Cinemateca Brasileira

Trabalhei na Cinédia de 1943 até 1949, quando ela paralisou as atividades 73. Adhemar Gonzaga foi o meu propulsor, a pessoa que

me fez realmente gostar do cinema brasileiro. Ele me disse que a Cinédia ia fechar, que não tinha jeito, não tinha capital, não tinha disposição e que eu devia montar uma empresa para mim. E me pediu para colocar o nome Cinedistri, porque era uma continuação da Cinédia e porque o nome dava a ideia de cinema e de

distribuição, além de ser a identificação telegráfica da empresa 74. Eu disse que sim e que ele ia ser o patrono, tanto é que o primeiro logotipo da Cinedistri era plagiado da Cinédia, que deixava de existir como distribuidora. Ele me incentivou. Nunca me deu um centavo, mas me deu condições, me entusiasmou muito, me ofereceu muito conforto moral. (CAMPOS JR, 1997) 75

A logomarca da nova firma deriva da Cinédia, com a eliminação da referência icônica à palmeira e a inclusão de duas retas que podem aludir aos arranha-céus paulistas. Em 1962, a Palma de Ouro obtida em Cannes toma o lugar delas no símbolo da Cinedistri. Mantinha- se, porém, o mesmo tipo de letra. (FIGURA 7 ) Logomarca da Cinedistri

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73 Essa interrupção seria temporária porque, depois de migrar para São Paulo atraído pela proliferação de grandes estúdios, como a Vera Cruz, Gonzaga retornaria ao Rio de Janeiro com a intenção de reerguer o seu empreendimento.

74 Pelos jornais paulistanos de 25/9/1945, as empresas foram chamadas nominalmente a solicitar o alistamento eleitoral ex-oficio a seus funcionários e colaboradores. A firma de Gonzaga e Massaini aparece com o nome de “Distribuição Cinédia”, e não como “Cinédia Distribuidora”.

75!Depoimento de Massaini a Inimá Simões, gravado em 1980. Oswaldo Massaini: um produtor

Como podemos observar, essa ligação “umbilical” entre as duas empresas se realiza no plano simbólico e afetivo, haja vista a escolha das palavras usadas para designar o legado emocional com que o produtor e cineasta carioca brindava o futuro empresário paulista: “incentivo”, “conforto moral” e “entusiasmo” pelo cinema brasileiro – sentimento bem diverso daquela compaixão que este sentira dez anos antes, ao testemunhar o desprezo das nossas plateias pelo modo rudimentar de fazer filmes no Brasil. Pretendemos

demonstrar adiante que a influência de Gonzaga não fica por aqui e se mostrará de modo cada vez mais presente nas etapas posteriores da Cinedistri. Além do patrimônio imaterial que o prendia afetivamente ao cinema brasileiro e com o qual construiria a sua

personalidade como empresário, Massaini herdava o endereço postal da Cinédia e, com ele, o capital mais tangível e concreto de inúmeros e valiosos contatos profissionais no

ambiente cinematográfico em que ele começava a se movimentar. No dizer do pesquisador Hernani Heffner, “no tempo em que esteve na Cinédia, ele tinha obtido uma radiografia do mercado de cinema no Brasil e tinha percebido que o cinema brasileiro era viável”.

3. A primeira fase da Cinedistri: uma distribuidora dedicada ao

cinema brasileiro

Como eu viajava muito naqueles aviões da Real, estava pensando que a empresa poderia denominar-se Real

Produtora Cinematográfica. Ele [Gonzaga] disse “acho que você deveria colocar o nome de Cinedistri, porque é o endereço telegráfico da Cinédia e dará

impressão de uma continuidade”. Oswaldo Massaini em depoimento no MIS-SP em 15/09/1989