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A mecânica da distribuição de filmes entre as décadas de 1950 e

Antes de prosseguir com o relato biográfico de Massaini, é necessário pensar nas condições objetivas dentro das quais se fazia a distribuição de filmes na época em que viveu e trabalhou Oswaldo Massaini 76. Em seu ensaio A Distribuição Comercial !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Cinematográfica, ao colocar em foco o cinema brasileiro em meados do século XX, André

Gatti lembra que:

Os custos logísticos para a manutenção de uma distribuidora podem variar muito em função do porte e da localização da empresa e da infraestrutura do tráfego. Mas uma distribuidora comercial de filmes precisa, necessariamente, conter os seguintes elementos: gerência, setor de programação, setor de publicidade, setor de revisão e envio de cópias. 77

Nessas duas linhas finais do texto acima se acham condensadas funções das mais variadas e complexas. Dentro do item “gerência”, inclui-se as chamadas atividades-meio, indispensáveis para a administração da firma enquanto pessoa jurídica (zeladoria,

secretariado, comunicações, arquivo, segurança, contabilidade, departamento de pessoal, departamento jurídico para elaboração de contratos etc.). E também todas as sofisticadas

atividades-fim, como prospecção e escolha dos filmes a serem trabalhados, negociação com

seus produtores com vistas à aquisição dos direitos de comercialização das obras, além da oferta, negociação e venda dos títulos para exibidores.

A área da “programação” é composta por tarefas igualmente complicadas, como a discussão e fechamento das agendas de cada título para incluí-lo nas grades de exibição em diversos cinemas. Trata-se de um fluxo geralmente regido pela regra de sempre lançar o filme nas salas mais centrais e rentáveis das grandes cidades, que acabam funcionando também como vitrines de exposição para o produto que, assim mais conhecido e divulgado, irá em seguida ocupar os espaços dos bairros, periferias e cidades do interior. Numa fase posterior aos anos de 1980, seguiria depois para exibição em mercado doméstico em vídeo e DVD, TV paga e, finalmente, TV aberta.

Ainda no nível da superestrutura da distribuição, coloca-se o setor de “publicidade” que abrange a propaganda paga, veiculada pelos “reclames” publicados em jornais e revistas – que no mundo do show business sempre foi vital – e os serviços de assessoria de imprensa. Estes visam ganhar visibilidade na mídia sob forma de entrevistas, reportagens e notícias sobre o filme e os artistas que dele fazem parte. Tão ou mais importante quanto os anúncios, esse espaço aparentemente gratuito só se abre por meio de contatos, informações !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

77 André Piero Gatti. A Distribuição Comercial Cinematográfica. In: Cadernos de Pesquisa, v. 7. Centro Cultural São Paulo, São Paulo, 2007.!

e motivação jornalística a serem oferecidos constantemente aos órgãos de imprensa, por meio de fotos dos filmes, press releases e outros comunicados. Para reforçar ambos os recursos acima descritos, esse esforço deve ser apoiado por eventos de natureza

promocional, em geral bastante dispendiosos 78, como pré-estreias beneficentes, coquetéis, jantares e festas de lançamento, além da eventual presença em festivais, simpósios e congressos da categoria – como, aliás, fez Massaini ao participar ativamente do Iº

Congresso Paulista do Cinema Brasileiro e da disputa pela direção da Associação Paulista de Cinema.

Para completar o rol das tarefas integrantes da distribuição de cinema, restam a ainda as estafantes providências a serem tomadas quanto à “revisão e envio de cópias”. Depois de pronta e revisada, a fita de celuloide contendo o filme precisava ser copiada em laboratórios específicos, a um custo geralmente acessível apenas a empresas que a

exploram comercialmente. Por exemplo, O Ébrio (1946) foi o campeão daquele período em termos de cópias, porque chegou a 530, “numa época em que as maiores produções

estrangeiras alcançavam no máximo 20.” 79 Hoje em dia, 65 anos depois, um dos atuais recordistas é Rio (2011), o desenho animado da Fox dirigido pelo carioca Carlos Saldanha, com cerca de 1000 cópias. 80 Em dezembro de 2011, um grupo de produtores brasileiros bem sucedidos reuniu-se para criar uma nova distribuidora. Observe-se nota jornalística abaixo que as tarefas da Nossa Distribuidorafundada em 2011, não diferem

substancialmente daquelas que acabamos de descrever:

Entre os serviços da Nossa estão: posicionamento e estratégia de comunicação e marketing; planejamento, negociação e aquisição de mídia; planejamento de circuito; negociação com os circuitos exibidores, marcação, negociação do film rental; acompanhamento e negociação da continuidade do filme em cartaz; coleta de dados !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

78!Algumas dessas ações promocionais seriam impensáveis atualmente: “Os lançamentos dos filmes do

Massaini no Rio de Janeiro eram verdadeiras festas. Ele ocupava um espaço no Copacabana Palace, agregava champanhe, holofotes, banda de música, chamava a imprensa e convidados especiais. Era uma coisa inédita, nenhuma outra distribuidora fazia isso. Diziam que o Massaini era exagerado e que gastava dinheiro demais na difusão, na distribuição, mas ele tinha esse apego à promoção e aqueles eventos tinham sempre uma grande repercussão jornalística.” (Maurice Capovilla, em depoimento gravado em 2012). É curioso notar que há exatos 50 anos, Capovilla publicava um artigo conceituando o cinema novo, na Revista Brasiliense - nº 4, em que condenava “os capitais opressores, que medem o gosto do público pelo critério do lucro comercial”. 79 Antônio Leão da Silva Neto. Dicionário de filmes brasileiros. São Paulo, IBAC, 2009, p. 358. 80 Último Segundo - Portal iG, São Paulo - 29/03/2011

de bilheteria; e administração conjunta com o produtor de uma conta bancária especial na qual será diretamente depositada a receita de bilheteria. 81

Voltando aos anos de 1950, depois da negociação com os exibidores, para fazer com que um conjunto (em média seis) de latas redondas (de quase 60 cm de diâmetro e 07 cm de altura) contendo cada filme chegasse à sala onde ele seria exibido, a empresa distribuidora precisava contar com transportadores que a trouxessem do laboratório para a sede na Rua do Triunfo e, de lá, para a estação ferroviária. Este último trajeto costumava ser atravessado a pé, por meio de carroças de mão. Despachantes (“remessistas”) eram contratados para embarcar a mercadoria nos trens de carga, de modo a que ela chegasse ao endereço correto nos cinemas das cidades do interior. Procedimento semelhante era praticado no âmbito do transporte rodoviário.

Após a exibição e a circulação pelas diversas praças, a película deveria percorrer em segurança o caminho de regresso à sede. Nesse sentido, os funcionários dos cinemas

deveriam manipulá-la com cuidado e despachá-la de volta, com o máximo de atenção para evitar danos e dentro do prazo estabelecido. Para garantir isso, nas principais localidades, o distribuidor mantinha agente, ou representante, e controlava com precisão as datas

previamente agendadas com cada exibidor. Até o início dos anos de 1960, a Cinedistri contava com 10 agências espalhadas pelo país: Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Juiz de Fora, Recife, Botucatu, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto.

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(FIGURA 8)

Filmes de cinema - Manual de Instrução

A imagem acima reproduz o cabeçalho de um folheto de 4 páginas, produzido pela Cinedistri para acompanhar as latas e destinado à leitura por parte do operador da máquina de projeção 82. Esse complicado serviço de entrega/devolução só fazia sentido se fosse acompanhado por um esforço adicional de divulgação localizada, que envolvia cartazes, folhetos e anúncios em periódicos, além de entrevistas ou reportagens em estações de rádio e veículos jornalísticos locais. A divulgação dos produtos, bem como todo esse trabalho de investir numa marca envolvia despesas com as quais o distribuidor arcava, bem antes de receber a remuneração referente aos resultados de bilheteria.

Conforme o procedimento tradicional, após uma semana de exibição, o número de ingressos vendidos era comunicado ao distribuidor que, em função dele, emitia uma nota fiscal para cobrança da parte que lhe cabia no valor arrecadado na exibição e que

costumava ser paga duas ou três semanas depois. Ao acertar contas com os produtores, o distribuidor descontava a percentagem a ele devida e abatia os eventuais adiantamentos. No caso de filmes nacionais, os exibidores ficavam com metade da renda dos filmes, enquanto muitas vezes adquiriam os produtos estrangeiros por preços fixos – o que, na média, representava um custo menor para o preenchimento constante da grade de programação. Afinal eram filmes que já chegavam pagos em nosso mercado. Ou seja, seus custos de produção já tinham sido amortizados pela comercialização em seu país de origem e em diversos outros territórios.

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A descrição desse conjunto de tarefas e rotinas executivas serve para demonstrar o modo como o distribuidor mediava, naquele tempo, a esfera da produção e da exibição de filmes. Trata-se de um sistema que obrigava o profissional a conhecer, da maneira mais profunda possível, tanto o produto que comercializa quanto o público que precisa atingir. Esse conhecimento era indispensável para responder a perguntas essenciais ao negócio, como quanto se deveria gastar em publicidade com determinado filme? Entre um filme contratado e outro, qual deles merecia mais investimento em divulgação e promoções? Qual seria o número de cópias a ser encomendado ao laboratório para este ou aquele filme?

Basta pensar no elevado custo de cada cópia para avaliar o peso desta decisão que sempre cabe ao distribuidor, mesmo depois de consultar os exibidores, com os quais ocasionalmente dividia os custos dos fretes. Em outras palavras, para saber com relativa precisão que parcela do público se interessaria por determinado filme, o distribuidor deveria tê-lo analisado e cotejado com os demais dados que possuía em relação aos frequentadores das diversas salas, os então chamados habitués. 83Seria inadequado, por exemplo, lançar obras mais sofisticadas em cinemas da periferia. Ou, divulgar filmes populares por meio de revistas caras, voltadas para públicos mais requintados. 84.