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3 O PROCESSO DE UNIFORMIZAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

3.1 A Admissibilidade Recursal e seu Reflexo na Uniformização de Jurisprudência

analisando-se, por exemplo, o Recurso Extraordinário, é perceptível que a própria repercussão geral e as súmulas impeditivas de recurso, obstáculos intransponíveis à admissibilidade de Recurso Extraordinário protelatório, tem a finalidade de restabelecer o caráter objetivo daquele recurso e, em especial, conferir as decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade incidental.

E, nesta esteira, a admissibilidade recursal pode ser muito útil para viabilizar, justamente, a pretendida estabilidade das decisões paradigmas em seu conceito amplo, na medida em que filtra questões anteriormente abarcadas e já julgadas na mesma linha do paradigma, evitando- se, assim, além da protelação do feito, decisões antagônicas.

A admissibilidade de recursos como meio de se alcançar estabilidade jurisprudencial é, ao que parece, questão bastante razoável e positiva, mas desde que referido controle seja realizado com precisão cirúrgica, afinal, segurança jurídica e estabilidade jurisprudencial não são sinônimos de proteção e assertividade jurisdicional.

O que se quer demonstrar é que, necessariamente, há de se alcançar o meio termo entre a proteção das decisões paradigmas e as peculiaridades do caso concreto, de modo a se evitar ao máximo, eventual falha na prestação jurisprudencial com fundamento, justamente, na segurança jurídica proporcionada pela uniformização da Jurisprudência.

3

HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia entre a facticidade e a validade. Tradução Flavio Beno Siebeneicher. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 129.

A conclusão, portanto, não seria outra senão que o fato de se criar “barreiras” para que se analisem recursos e, por conseguinte, não sejam reexaminadas as matérias ali discutidas por conta de várias outras decisões já existentes e semelhantes ao caso, permitem, se adequadamente aplicadas, o fortalecimento dos paradigmas e, consequentemente, a uniformização jurisprudencial e a segurança jurídica dela decorrente.

Mas a admissibilidade recursal, como se sabe, não é ferramenta exclusiva dos Tribunais Superiores. No que se refere à admissibilidade do Recurso de Apelação, por exemplo, segue transcrito o disposto no artigo 518 do Código de Processo Civil (CPC), em seu parágrafo único:

Interposta apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

§ 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com Súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. (grifo nosso)

A súmula impeditiva de recurso consiste na inadmissão e não conhecimento de recurso à instância superior caso já existam súmulas de jurisprudência dominante do STF e do STJ, contrárias à tese jurídica contida nos recursos.

O que se espera é trazer à primeira instância judiciária o poder anteriormente conferido ao relator, de denegar o prosseguimento de recurso cuja matéria for pacífica e constante de súmula dos tribunais superiores. Mas, pela redação do Art. 518 do CPC, permite-se ao juiz de 1º grau decidir contrariamente às súmulas do STJ e do STF, na medida em que do próprio dispositivo afirma-se: “quando a sentença estiver em conformidade com Súmula” (o juiz não receberá o recurso). Ou seja, admite-se a possibilidade de sentença em desconformidade com súmula, a qual, se não objeto de recurso, fará coisa julgada e proferirá efeitos para além do processo.

Entretanto, merece crítica o entendimento alhures. Não parece razoável que o julgador de 1ª instância, mesmo ciente de que sua decisão será totalmente ineficaz e, em termos práticos, apenas protelatória, entenda por bem decidir na contramão das súmulas de STJ e STF, até porque é evidente que, para a parte minimamente instruída, recorrer desta decisão será opção óbvia.

E pior, ainda que na hipótese em comento a parte entenda pelo não recurso, o trânsito em julgado de decisão contrária às súmulas dos tribunais superiores enseja extrema insegurança jurídica e, mais que isso, torna inócua a própria função das súmulas e prejudica todo o sistema.

É por isso que deve ser visto com bons olhos o posicionamento de alguns julgadores de 1ª instância que, apesar de ressalvarem suas opiniões, as vezes contrárias às súmulas, decidem de maneira coerente com o sistema, viabilizando julgamentos céleres e, mais importante que isso, a efetividade da tutela jurisdicional pretendida, sem a necessidade de exame de 2º grau.

É bem verdade que, ainda assim, a parte perdedora poderá recorrer. Desta feita, com embasamento do Art. 518 do Código de Processo Civil, referido petitório deixará de ser examinado em 2ª instância, por decorrência, justamente, do exame de admissibilidade recursal.

Pode-se afirmar, portanto, que a adoção da súmula impeditiva de recurso visa iniciar, às avessas, a efetividade da súmula vinculante, conferindo celeridade na prestação jurisdicional através da aplicação imediata das decisões das mais altas cortes do país, conforme observa Theodoro Júnior:

O raciocínio determinante da reforma foi no sentido de que, se se admite que uma súmula vincule juízes e tribunais, impedindo-os de julgamento que a contrarie, valido é, também, impedir a parte de recorrer contra sentença proferida em consonância com o assentado em jurisprudência sumulada pelos dois mais altos tribunais do país. Nos dois casos está em jogo o mesmo valor, qual seja o prestígio da súmula do STJ e do STF pela ordem jurídica.4

4

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 660.

No mesmo sentido o posicionamento de Marinoni a respeito:

Se a sentença afirma o entendimento contido em súmula do STF ou do STJ, não há razão para admitir que a parte possa se limitar a interpor a apelação reiterando argumentos definidos na súmula e consolidados no tribunal a que recorre. Em tais circunstâncias, a abertura de uma livre oportunidade para a interposição da apelação, não só traria prejuízo ao direito fundamental à duração razoável do processo, como também ocasionaria um acúmulo despropositado de recursos e processos nos tribunais [...].5

Seguindo a mesma linha explicativa, há que se mencionar o brilhante trecho abaixo:

Colegialidade das Decisões. A regra, para os recursos, é a colegialidade das decisões. Quer dizer: a pluralidade de julgadores, com o fim político de assegurar diversos exames no mesmo tempo, além do duplo ou múltiplo exame, no tempo, pelo juiz do primeiro grau e os demais juízes superiores. A ciência ensina-nos, hoje, que a assembleia não nos veio da reflexão; foi a reflexão que veio da assembleia. Portanto, o homem é que é produto da assembleia. Essa prioridade do exame múltiplo ao mesmo tempo, em relação ao exame de um só, se transforma em superioridade sempre que desejamos maior certeza. A colegialidade para a decisão dos recursos obedece a esse pendor íntimo do homem quando se desej a guiar pela razão.6

Dessa forma, parece equivocado o posicionamento de parte da doutrina no sentido de que a súmula criaria um “gesso” que se impõe ao magistrado de primeira instância. Aliás, processos idênticos repetem-se de formas infinitas, sendo que uma das viáveis e práticas formas de controle dessa segurança jurídica é a súmula impeditiva de recursos. Mais importante que a liberdade do julgador no ato de julgar, parece ser a efetividade e a adequação da tutela jurisdicional almejada ao caso concreto.

5

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 540.

6

MARTINS, F. P. Exame do artigo 557 do código de processo civil: um incitamento à reflexão e ao debate. Revista de Processo, São Paulo, 2001, n. 102, 2001, p. 154.