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É importante ressalvar que o civil law e o common law surgiram em circunstâncias políticas e culturais absolutamente distintas, e por isso partiram de premissas diferentes e sob o manto de institutos e conceitos diversos, e que atualmente se tornaram os maiores e mais importantes sistemas jurídicos da atualidade.

Fato é que, independentemente do contexto em que surgiram referidos sistemas, ambos possuem algumas características muito similares, especialmente no que toca aos seus objetivos e valores.

Em ambos os casos, há evidente preocupação com a segurança jurídica e com a previsibilidade dos resultados provenientes do Judiciário. O que se quer evitar, independente do contexto jurisdicional, é que partes e sociedade se surpreendam com situações que apontem para uma total falta de norte do Estado-juiz, responsável, justamente, pela tutela jurisdicional.

Fato é que a letra fria da lei gera, naturalmente, diferentes formas de argumentação e hermenêutica por parte dos julgadores, das partes e da sociedade em geral, o que permite concluir que o conflito interpretativo é tendência natural, inerente à atividade jurisdicional. É o que se procura evitar tanto no common law como no civil law.

No common law, o precedente judicial tem força de lei e efeito erga omnes. Até por conta disso é que referido sistema se adequa melhor aos países com poucas oscilações sociais e políticas.

[...] no common law, a regra é a criação do Direito pelos Tribunais, sob o comando do direito costumeiro, através do judge-made law ou casemade law, em que tem vigorosa aplicação o chamado binding precedent (precedente obrigatório),e efetiva presença o instituto da equity.1

E, portanto, com o intuito de se firmar precedentes fortes à previsibilidade do direito, a principal característica do common law é a de tomar por base os julgados anteriores, de modo que, da reunião de sentenças judiciais pretéritas sobre várias situações análogas, seja possível extrair regras gerais (ratio decidendi), aplicáveis aos casos análogos futuros.

Diante disso, a tendência ao direcionamento na própria hermenêutica é peculiaridade interessante do common law. A existência de um precedente a ser considerado leva a uma limitação da liberdade do magistrado, evitando, ao menos em parte, inovações desnecessárias e prejudiciais à segurança jurídica.

Não se pode afirmar, todavia, que o common law ignora as leis positivadas. Muito pelo contrário, sem a existência delas não é possível sequer a formação de um precedente a ser observado. A diferença consiste no fato de que as normas jurídicas não constituem fonte primária única do Direito, de modo a se considerar, também, e principalmente, as normas de conduta da sociedade.

O civil law, por sua vez, decorre da realidade de países formados a partir da doutrina da separação entre os poderes, sob o respaldo dos ideais da Revolução Francesa, quando a sociedade se inclinava para a necessidade de limitação do poder do Estado, o que motivou, à época, maior preocupação com o formalismo jurídico, de modo que os textos legais passaram a ser normatizados da maneira mais clara possível, com intuito de que a hermenêutica interpretativa, inerente à letra fria da lei, não fosse capaz de desvirtuá-los de suas reais pretensões.

1

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A jurisprudência como fonte do direito e o aprimoramento da magistratura. In: _____. O Juiz: seleção e formação do magistrado no mundo contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

Diante disso, a principal característica do civil law é o fato de que este sistema jurídico tem como fonte primária o texto de lei. A operacionalidade do sistema, quando de sua criação, procurava limitar o agir do juiz, de tal sorte que caberia ao magistrado, ao menos na teoria, realizar apenas a subsunção da norma ao caso concreto, solucionando, assim, a maioria absoluta dos litígios.

A ideia era de que à medida que a liberdade judicial se limitasse rigidamente ao texto legal, obter- se-ia segurança jurídica, vez que as normas jurídicas positivadas não ensejariam favorecimento de uma parte em detrimento da outra, que resultaria decisões justas, equânimes e isonômicas, trazendo previsibilidade ao Judiciário e, ainda, atendendo aos anseios da sociedade.

Nesta esteira, a restrição do agir do magistrado, a partir do texto legal, protegeria as partes da arbitrariedade judicial, vez que, nas palavras de Chiovenda, haveria “estreita ligação entre a liberdade individual e o rigor das formas processuais”.2 A partir desta premissa seria possível o exercício de sustentável controle da atividade jurisdicional, assegurando às partes o devido processo legal e evitando excessos por parte do juiz.

Esses eram os princípios do civil law, que após o surgimento dos Estados Democráticos de Direito, passou por significativas e necessárias modificações, evoluindo juntamente com os ordenamentos jurídicos das sociedades contemporâneas.

Na realidade e tomando-se por base o ordenamento jurídico brasileiro, “não há exagero em reconhecer a existência de um Direito Judiciário, constituído pelo produto final da intervenção judicial no labor interpretativo da norma escrita, assim aproximando nossa família jurídica a dos países da common law.”3

2

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1969. v. 2. p. 163.

3

MANCUSO, Rodolfo Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 133-134.

É nesse sentido que se verifica uma importante aproximação entre civil law e common law, ainda que por consequência natural das mais diversas modificações político-sociais, as quais acabam por refletir diretamente no Judiciário, bem como na função social que este desempenha perante a sociedade.

Ora, apesar Direito brasileiro acompanhar o já mencionado sistema romano-germânico, a partir de normas predeterminadas (lei), a própria evolução do ordenamento jurídico tem demonstrado forte tendência à incorporação de características do common law.

A intenção não é sugerir que o common law seja mais evoluído que o civil law, pois não parece ser o caso. A bem da verdade, as próprias características do civil law e, em alguns casos, a instabilidade jurisprudencial decorrente de ordenamento que não tem em sua origem o precedente como fonte primária, levam à necessidade de previsibilidade do Direito, sugerindo, assim, aproximação com alguns dos ideais do common law.

Conforme bem assevera Rodolfo Camargo Mancuso, “a dicotomia entre as famílias jurídicas civil law/common law hoje não é tão nítida e radical como o foi outrora, sendo visível uma gradativa e constante aproximação entre aqueles regimes.”4

Mas é imperioso ressalvar que não se trata de mera “importação” de institutos estrangeiros, mas sim do acolhimento, pelo ordenamento jurídico nacional, de experiências do sistema do Common Law que podem possam aprimorar a prestação da tutela jurisdicional.

Diante disso, é possível afirmar que as já abarcadas e cada vez mais constantes reformas do Judiciário brasileiro encontram inspiração, justamente, no sistema de Common Law, afinal, o absoluto engessamento da liberdade do magistrado, inicialmente proposto pelos ideais do civil law, merece ser revisto e readequado, de modo a viabilizar, tanto às partes como para toda a

sociedade, previsibilidade jurídica.

4

E não poderia ser diferente. A lei não é fonte exauriente, capaz de prever todas as hipóteses de situações processuais e cotidianas a ser tuteladas, o que enseja a evolução do civil law, de modo que a Jurisprudência, formada por decisões paradigmas, ganha reconhecimento e interfere, cada vez mais, nas decisões emitidas pelo Judiciário.

É nesse contexto, aliado ao movimento reformista do código de processo civil brasileiro, que a força vinculante das decisões dos Tribunais Superiores tornou-se tema de destaque, no intuito de que se questione e valore em que medida a Jurisprudência deve influenciar as decisões judiciais, já que o sistema de civil law.