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A agressividade nos distúrbios que apresentam impurezas do humor

No documento A agressividade na psicanálise winnicottiana (páginas 153-158)

4. Patologias da agressividade relativas ao estágio do concernimento

4.2 A agressividade nos distúrbios que apresentam impurezas do humor

Winnicott descreve em seu artigo “O valor da depressão” (1964e) os vários distúrbios que apresentam o que ele denomina de impurezas do humor deprimido alguns dos quais estão relacionados às falhas no estágio do concernimento e outros a fracassos de organização de ego que são anteriores ao estágio mencionado. Vejamos o modo como a agressividade está implicada em cada uma dessas formas de humor deprimido.

O primeiro distúrbio é a defesa maníaca. Esse tipo de patologia é caracterizado quando o indivíduo, ainda criança, ao invés de lidar com suas dúvidas, sobre o mundo interno, o que o levaria a manifestar uma depressão, ele as nega e desenvolve o que Winnicott chama de defesa maníaca, ou agitação ansiosa comum, que é o que, nos adultos, corresponde a um estado hipomaníaco. Por medo da morte interna o indivíduo manifesta uma vivacidade exagerada. “Cada detalhe da depressão (inércia, sensação de peso, escuridão,

circunspecção, etc.) é suplantado pelo seu oposto (vivacidade, leveza, luminosidade, frivolidade, etc.)” (1964e, p.67).

Na defesa maníaca, a ansiedade depressiva inerente ao amadurecimento pessoal, é negada pelo indivíduo e, com isso, ele não pode desenvolver “a capacidade pessoal de sentir culpa e também assumir a responsabilidade pelas experiências instintivas, inclusive pela agressividade que acompanha tais experiências” (1958k, p.217). Desse modo a destrutividade, que faz parte do amor, não pode ser integrada à sua personalidade e, nesse caso, muitas vezes, se manifesta na forma de desarrumação, desleixo, irritação, agitação e falta de perseverança construtiva. Quando a criança desenvolve uma defesa maníaca ou o adulto um estado hipomaníaco, do ponto de vista clínico “implica em que o estágio do concernimento foi realmente alcançado, mas é mantido à distância ou negado, mais que perdido” (1955c, 367).

Apesar de poder se assemelhar clinicamente, em alguns aspectos, com a defesa maníaca, a oscilação maníaco-depressiva é, de fato, muito diferente por causa da dissociação, ou mesmo cisão, existente entre os dois estados - o maníaco e o depressivo -, ou seja, em cada oscilação de humor, o indivíduo não está em contato com a condição relativa à oscilação contrária. Para Winnicott, “o sobe-desce maníaco depressivo, implica uma dissociação no paciente entre controle da agressão não-fundida e elementos onipotentes introjetados, e a possessão por esses elementos” (1965h, p. 118).

Algumas vezes a administração do mundo interno da criança torna-se muito difícil, pois além de ela ter que controlar os objetos ou experiências que foram introjetados magicamente, ela terá que controlar também parte da sua agressividade que ficou não-fundida. Para que nada escape, o controle deve ser total total. Com isso o estado em que o indivíduo vive é de uma intolerável morte interna que se manifesta na forma de um severo humor deprimido, pois “quando a depressão é severa como um humor, o seu oposto não é a defesa maníaca, mas a mania. (Severa como um humor implica um alto grau de repressão [inibição] da agressão ou do amor incompadecido)” (1989j, p.27). Segundo Winnicott o que pode acontecer, nesse caso, é o surgimento de um

quadro maníaco complementar: os elementos idealizados que foram introjetados para controle, mais o resíduo de motilidade não fundida tomam conta e impulsionam o indivíduo “que pode tornar-se violentamente agressivo sem que haja estímulo externo claramente perceptível” (1958b, p.294, grifos meus). Referindo-se ao quadro mais leve da oscilação maníaco-depressiva, sobretudo para os casos em que algo falhou na estrutura da personalidade, diz Winnicott que

para todo o grupo de maníaco-depressivos, que constitui a maioria das assim chamadas pessoas normais, a questão da conquista do concernimento no amadurecimento normal não pode ser deixada de lado. Ela é e nunca deixa de ser o problema da vida, a não ser que seja alcançada (1955c, p.373, grifos do autor).

Outra patologia que guarda impurezas do humor deprimido é a enfermidade obsessiva. A defesa organizada utilizada pelo indivíduo na enfermidade obsessiva é uma certa confusão que é inconscientemente mantida “a fim de ocultar um fato muito simples: o triunfo do mau sobre o bom, do ódio sobre o amor, da agressão sobre a capacidade de preservação” (1989j, p.26). Além disso, o temor de defesas antidepressivas, como a mania, pode contribuir para que o indivíduo adote técnicas obsessivas para fugir dos sentimentos e do humor deprimido. O obsessivo diferentemente do depressivo não consegue sustentar um humor deprimido.

Os rituais obsessivos são organizados pelo indivíduo para lidar com a confusão e impedir a volta do impulso destrutivo, que é sentido como extremamente perigoso, mas por mais perfeito e organizado que o indivíduo possa ser ele não conseguirá com isso alterar essa confusão, ela permanece justamente para ocultar “o fato de que em alguma situação específica, da qual o indivíduo não está consciente, o ódio foi mais poderoso que o amor” (1958o, p.23).

Na neurose obsessiva, o indivíduo está sempre tentando reparar alguma coisa, mas sabemos de antemão que ele não terá êxito. “Sabemos”, diz Winnicott “que Lady Macbeth não pode desfazer o passado e escapar às suas intenções malignas só por lavar as mãos” (idem).

O indivíduo que é um perfeccionista pode estar lidando de maneira antecipada com “um ódio do mundo que viraria este de cabeça para baixo” (1989vl, p.57), portanto, o perfeccionismo não passa, para Winnicott, de um “substituto pobre para a seqüência de saúde – impulso e idéia destrutiva, senso de culpa e reparação ou atividade construtiva” (idem).

Para Winnicott, no caso do obsessivo, a maternagem no estágio do concernimento, muito provavelmente, não foi suficientemente boa e incluiu treinamento, ensino e implantações de moralidade, não esperando pelo surgimento da moralidade inata da criança.

Winnicott tece uma estreita ligação entre neurose obsessiva e melancolia, e podemos encontrar indivíduos que alternam entre uma e outra. Isto porque, também na melancolia, existe “o medo de que o ódio seja maior que o amor” (idem, p.24). No caso do melancólico, contudo, há “um sentimento de culpa intolerável, que também é inexplicável, sempre exagerado e desconectado dos fatos reais” (Moraes, 2005, p.282).

Na melancolia, segundo Winnicott, o indivíduo conseguiu amadurecer o suficiente para entrar em contato com a sua agressividade e destrutividade pessoais e alcançar a ambivalência, porém devido a alguma situação, elas

foram profundamente reprimidas e tornadas inacessíveis. Nesse estado, o agente maligno que se manifesta no sentimento de culpa não se faz mais acessível à consciência, a não ser ao final de um longo e profundo tratamento psicanalítico (1965o, p.88). O indivíduo, na melancolia, se sente culpado pelas guerras, pelas catástrofes e, nada do que se faça para dissuadí-lo disso terá resultado. Assumir todas essas responsabilidades que não são suas é uma defesa para evitar entrar em contato com a agressividade e a destrutividade pessoais.

Temos também a hipocondria, como um distúrbio cujo humor deprimido contém impurezas. A hipocondria é a disposição paranóide quando esta vem de dentro. Na tentativa de controlar os elementos persecutórios no seu mundo interno – devido à dúvida sobre se o que predomina aí é o bem ou o mal -, o indivíduo pode usar, inconscientemente, o adoecimento físico, real ou

imaginado, para expressar essa dúvida em termos corporais, de maneira que há uma queixa contínua de dores e desconfortos.

Não só, mas, sobretudo, quando a criança anda as voltas com essas dúvidas em relação ao seu mundo interno, a saúde física é reasseguradora da saúde psíquica e a saúde psíquica é promotora da saúde física, possibilitando a capacidade da criança de ingerir, digerir e eliminar, tanto física como psiquicamente. Porém qualquer sintoma de doença física, real ou imaginada, por menor que seja, pode significar o medo de que os elementos persecutórios fujam ao controle. A doença é nesse caso “idêntica a dúvida sobre si próprio” (1988, p.115). O problema do hipocondríaco é sempre a dúvida e não a doença.

Há nesse tipo de patologia, uma grande complicação para os médicos, principalmente na definição do diagnóstico, pois no caso desse tipo de paciente o médico é posto num desvio e impedido de perceber a doença real que existe ou, então ele pode muito facilmente mergulhar em tratamentos físicos e procedimentos operacionais, quando o problema se encontra realmente na psique do paciente, não no soma (1969g, p.428).

A hipocondria é uma forma introjetada da tentativa de controlar os elementos persecutórios no mundo interno pessoal e a paranóia é uma forma projetada da mesma coisa. Diz Winnicott:

A alternativa clínica entre hipocondria e delírios persecutórios [paranóia] se torna maleável como conceito, representando

formas introjetadas e projetadas da mesma coisa,

especificamente, a tentativa de controlar e o fracasso do mesmo controle dos elementos persecutórios no mundo interno pessoal do indivíduo (1965vd, p.209).

A paranóia relativa ao concernimento está relacionada à impossibilidade do indivíduo poder esperar por uma experiência instintiva (da qual o corpo participa), para excretar ou evacuar os elementos persecutórios do seu mundo interno, devido a esses elementos constituírem uma grande ameaça. Não

podendo esperar pela excreção ou evacuação, os elementos persecutórios terão que ser eliminados através de uma projeção mágica. O indivíduo pode encontrar algo real, no mundo externo, sobre o qual projeta a perseguição e desse modo o seu sistema paranóide “fica escondido atrás da reação a essa ameaça externa real” (1988, p.105). Porém, se o indivíduo não consegue encontrar, na realidade, algo que sirva como perseguidor, então precisará “alucinar um elemento perseguidor e fabricar um delírio sobre as conseqüências persecutórias” (idem). As pessoas com essas questões, ficam aliviadas da perseguição interna quando conseguem sistematicamente levar o mundo a persegui-las, além de não ficarem, dessa maneira, expostos à loucura do delírio.

No documento A agressividade na psicanálise winnicottiana (páginas 153-158)