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As críticas de Winnicott a Klein

3. A agressividade em Melanie Klein

3.4 As críticas de Winnicott a Klein

Em torno de 193530, Winnicott procura Melanie Klein, seguindo sugestão de Strachey, para obter dela ensinamentos para suas análises de crianças. Ao mesmo tempo em que fica surpreso com os achados teóricos e clínicos de Klein, acha difícil ter que passar a ela o papel de pioneira na análise infantil, ele

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que, até aquele momento, se imaginava o pioneiro (cf.1965va, p.158). A partir desse encontro, Winnicott bebeu, durante algum tempo, na fonte kleiniana, mantendo, contudo, um enfoque extremamente pessoal dos ensinamentos dela. Suas divergências com Klein, mesmo no início, eram claras, pois embora ela sempre afirmasse levar em consideração o ambiente, nas suas formulações teóricas, nunca admitiu que nos estágios primitivos o bebê dependesse absolutamente dos cuidados maternos e fosse constituído por eles. E também porque não há, em Klein, a idéia de mundo subjetivo, com o ambiente sendo importante e ao mesmo tempo desconhecido. Além disso, como já vimos, em Klein, as relações de objeto desde o início da vida “são moldadas por uma interação entre introjeção e projeção, e entre objetos e situações internas e externas” (Klein, 1946, p.21). Para Winnicott, os mecanismos de projeção e introjeção são mecanismos mentais e só podem ser utilizados pelo indivíduo em estágios mais avançados do amadurecimento, quando já existe um eu unitário e de modo algum estão presentes no início da vida.

Por ocasião da apresentação em Genebra do artigo de Klein sobre a inveja, Winnicott mais uma vez aponta o fato de ela negligenciar o ambiente, enquanto ela se defende dizendo: “sempre reconheci a importância do meio ambiente em todos os meus textos, mas estou falando sobre o indivíduo” (1989f, p.441). Com efeito, embora Klein, em alguns de seus textos, faça referência à importância do ambiente, o que ela entende por ambiente e o que Winnicott entende são coisas tão completamente diferentes que nem ao menos podem ser comparadas. Vejamos o que diz Klein:

O fato de uma boa relação com a mãe e com o mundo externo ajudar o bebê a superar suas ansiedades paranóides arcaicas, lança uma nova luz sobre a importância das primeiras experiências [...] mas parece-me que somente desde que conhecemos mais sobre a natureza e os conteúdos de suas ansiedades arcaicas e o contínuo interjogo entre suas experiências reais e sua vida de fantasia é que estamos plenamente capacitados a compreender por que o fator externo é tão importante. (Klein, 1952d, p.124, grifos do autor)

O ambiente é entendido por Klein, no início da vida, como totalmente externo ao bebê e mero mitigador das ansiedades persecutórias, as quais acontecem independentemente da qualidade do ambiente inicial do bebê. Neste ponto, a autora difere radicalmente de Winnicott, para quem o ambiente no início é o bebê e se este ambiente for suficientemente bom, o bebê não irá viver ansiedades persecutórias.

Mesmo reconhecendo, a seu modo, a importância do ambiente ela ressalta que

temos que nos lembrar de que certas crianças parecem suportar condições externas insatisfatórias sem grave dano para seu caráter e sua estabilidade mental, enquanto em outras, apesar de um ambiente favorável, surgem e persistem sérias dificuldades. (idem, p.122)31

Portanto, podemos observar pela citação acima que a autora, além de considerar os fatores constitucionais como determinantes na formação da personalidade, ela não se preocupa em estudar a qualidade do ambiente e conseqüentemente dos cuidados que são dispensados ao bebê, nos estágios iniciais. Na perspectiva winnicottiana, é impossível estudar o bebê sem estudar os cuidados que são dispensados a ele.

Embora Winnicott tenha se distanciado cada vez mais da teoria kleiniana, a contribuição teórica de Klein que o influenciou de maneira mais próxima foi a da posição depressiva. No entanto, ele reformulou esse conceito chamando-o de estágio do concernimento, pois achava o nome posição depressiva pouco apropriado ao fenômeno que descrevia, pois sugeria uma patologia aonde havia apenas normalidade. Para ele “não há qualquer indicação de que a criança fica realmente deprimida” nesse estágio do amadurecimento e apesar de a depressão ser tão comum ela é “um sintoma de

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O conceito de resiliência, que provém da Física, vem sendo entendido, distorcidamente, como uma capacidade inata que certos seres humanos possuem de se adaptar, sem danos para a sua personalidade (pelo menos aparentemente), a quaisquer condições ambientais desfavoráveis, sem qualquer ajuda ou apoio de outro ser humano. Vista desse modo a resiliência é um retorno à hereditariedade e à genética e um atributo individual. Para uma visão desta questão, consultar a tese de doutorado de C. Serralha (2007): Uma abordagem teórica e clínica do ambiente a partir de Winnicott.

doença” (1955c, p.359). Afirma, ainda, que mecanismos tão sofisticados como o sentimento de culpa, a reparação e a ambivalência não podem acontecer tão cedo na vida do bebê, pois ele é imaturo para tal. O insight, que lhe veio em Paris, de que primitivo não é profundo foi importantíssimo, pois Klein tentava trazer cada vez mais para o início da vida mecanismos de defesa, fantasias e relações de objeto que só poderiam existir em estágios mais amadurecidos do bebê. Ele diz:

Ela aprofundou-se mais e mais nos mecanismos mentais de seus pacientes e aplicou então seus conceitos ao bebê em crescimento. Acho que foi aqui que cometeu alguns enganos, porque profundo, em psicologia, nem sempre quer dizer primitivo” (1965va, p. 161).

Essa tentativa de Klein parecia totalmente equivocada do ponto de vista de Winnicott. Diz ele:

Uma coisa importante que me aconteceu foi reconhecer que inicial não é profundo, e isto me ajudou um bocado em minha tentativa de fazer uso pleno de Klein sem ficar atolado. Dei-me conta repentinamente – em Paris ou em outro lugar – que inicial não é profundo, que um bebê precisa de tempo e desenvolvimento antes que a profundidade apareça, de maneira que quando se está retornando às coisas mais profundas não se vai até o início. Vai- se até algo como três, dois ou um ano e meio, e os grupamentos esquizóides parecem ser pertinentes ao inicial e não ao profundo, e a depressão pertence ao profundo, não ao inicial. E penso que isto teve um efeito sobre a nossa teoria da origem da agressão (em termos do desenvolvimento do bebê) como sendo o movimento do bebê - isto é, erotismo muscular- e algo acontece estar no caminho quando lhe deu vontade de dar um chute. De maneira que obtive um vislumbre de como poderia entender um pouco melhor as origens da agressão, examinando estas duas maneiras diferentes de chegar ao começo dela no individuo (1989f, p.442).

No tocante à questão da agressividade se, por um lado, Klein mostrou a importância dos impulsos destrutivos do bebê na sua constituição, assim como Winnicott, por outro acabou atribuindo-os à manifestação da pulsão de morte que, em suas últimas formulações, chamou de inveja primitiva a qual sempre teve para ela um caráter constitucional.

Winnicott faz sérias críticas ao conceito de inveja kleiniano. Primeiro porque, à luz do amadurecimento, sentir inveja requer uma sofisticação maturacional que não pode existir nas primeiras semanas do bebê. Para que o objeto seja invejado, ele teria que ser externo ao bebê e este teria que reconhecer, nesse objeto, as boas qualidades. Segundo, porque, para Winnicott, “não existe descrição de bebê que deixe de fora o comportamento da pessoa que toma conta dele, ou num relacionamento objetal, a conduta do objeto” (1989xf, p.339). E, terceiro, porque, segundo o autor, não se pode atribuir a origem da agressividade na natureza humana a um fator constitucional sem antes compreender plenamente a “interação dos fatores pessoais e ambientais” (idem, p.341).

No início da vida, para Winnicott, o objeto bom – objeto subjetivo - é o objeto criado pelo bebê dentro da sua ilusão de onipotência e ele (o bebê) é totalmente dependente da facilitação do ambiente para que essa criação seja possível. Parece, a Winnicott, que o que Klein está chamando de inveja – em especial, a inveja do objeto bom – refere-se ao que é uma apresentação tantalizante do objeto, ou seja, a inveja torna-se possível quando “a mãe adapta-se apenas o suficiente para que o elemento criativo do bebê seja atendido e este comece a perceber que existe algo de bom externo ao si- mesmo, mas, contudo, não mantido, de maneira que, até certo ponto, o bebê sente-se privado” (1959b, p.340). Desse modo, o bebê teria “inveja” de algo bom na mãe quando o comportamento desta é tantalizante, ou seja, o bom existe mas nunca está disponível. Porém neste caso, dirá Winnicott, não se trata de inveja, trata-se de falha materna.

Pode-se presumir que houve uma situação tantalizante em que a maternagem foi suficientemente boa e não suficientemente boa, de maneira que o bebê soube da existência de um seio bom, mas

não o conseguiu, exceto como algo que surgiu como uma invasão ou intrusão (impingement) para romper a continuidade de ser do si-mesmo. Nestas circunstâncias, o bebê inveja o seio bom ou o destrói quando lhe chega de maneira tal que não recebe as projeções do bebê. Temos aqui o paradoxo de um seio bom que é um perseguidor, uma coisa que tem de ser destruída. Dessa maneira, a agressão aparece, dirigida no sentido do objeto bom, mas ela é reativa e não é a agressão do impulso amoroso primitivo que apresenta uma realização, uma fusão do erotismo muscular e da orgia sensorial das zonas erógenas. (1989xf, p.345) Não há lugar para inveja do seio bom na teoria psicanalítica, quando o seio foi criado pelo bebê, numa maternagem suficientemente boa. Quando a maternagem é tantalizante, isto é, ora é suficientemente boa, ora não suficientemente boa,

de maneira que o bebê soube da existência de um seio bom, mas não o conseguiu, exceto como algo que surgiu como uma invasão ou intrusão [impingement] para romper a continuidade de ser do si-mesmo [então] o bebê inveja o seio ou o destrói quando lhe chega de maneira tal que não recebe as projeções32

do bebê” (1989xf, p. 345).

Mais adiante, no mesmo texto, Winnicott afirma “a palavra inveja não se aplica a isto que o bebê sente a respeito de um seio bom que fracassou em receber a projeção” (idem). Desse modo mostra o equívoco de Klein, pois o que acontece quando a mãe não recebe a projeção do bebê, quando ele depende dela, é falha ambiental e não inveja.

No que se refere à inveja, Winnicott faz uma distinção entre a situação analítica e o início da vida dos bebês. Ele afirma que, enquanto a palavra inveja pode ser utilizada, no sentido kleiniano, com pacientes, uma vez que eles terão de “forçosamente lidar com o fato da dependência” (idem, p.347), no caso do bebê, a dependência é um fato do qual ele ainda não tem a menor noção.

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Segundo Elsa O. Dias,“Winnicott usa aqui o termo ‘projeção’ não no sentido metapsicológico, mas no sentido descritivo e dinâmico, e quer com ele, significar a ‘criação’ que foi acrescida de elementos da experiência” (Dias, 2000, p.29)

Assim, quando Klein quer inferir, a partir do conceito de inveja, a origem da agressividade na natureza humana, Winnicott entende que isso é impossível, pois além de ela chegar a fatores constitucionais, o que ela infere, a partir da sua clínica, não pode ser aplicado diretamente aos bebês “sem levar em consideração a atitude e o comportamento da pessoa que cuida do bebê” (idem, p.339)

Outro aspecto da questão da inveja discutido por Winnicott refere-se a quando o bebê já está amadurecido o suficiente e não precisa mais que a mãe se adapte absolutamente às suas necessidades; ela, porém, por alguma razão, não se dá conta disso e insiste na adaptação absoluta. Nesse caso, o bebê submete-se a mãe, regredindo para satisfazê-la ou tem que rejeitá-la, mesmo que do ponto de vista do observador essa mãe pareça ser boa. Também para o paciente isto é verdadeiro, pois se o analista insiste em ser bom, o paciente ou terá que se submeter ou terá que rejeitá-lo. Mais uma vez isso não é inveja é novamente falha materna (do analista). Diz Winnicott

Quando a mãe abandona o seu papel de má vontade ou de modo demasiado lento, a criança então desenvolve ódio e uma necessidade de liberar-se, mas isto não é a inveja do seio a que a Sra. Klein se refere; é raiva com a mãe pelo fracasso técnico dela. (1989xf, p.343)

Na opinião de Winnicott, Melanie Klein fracassou ao enunciar as origens da agressividade, pois não considerou a extrema dependência e imaturidade do bebê, atribuindo-lhe, desde o início, relações com objetos externos e, não levou em conta o fator ambiental. A teoria das raízes da agressividade, segundo Winnicott, não foi enriquecida – ao contrário, foi confundida – pelo conceito de inveja desenvolvido por Klein, pois esse conceito fez a psicanálise “cair de volta nos fatores herdados sem enfrentar seriamente o efeito da maternagem (ou análise) que é suficientemente boa ou não suficientemente boa” (1989xf, p. 347)

Tendo tudo isso em vista, creio que se pode afirmar, que Winnicott, através da sua teoria do amadurecimento pessoal, formulou uma teoria sobre as origens da agressividade que é inteiramente nova e que justifica a afirmação

de que sua obra se constitui numa mudança paradigmática com relação à teoria tradicional, pois reformula os fundamentos básicos em que esta se erigiu, no presente caso, uma teoria sobre as origens da agressividade sem atribuir essa origem à reação à frustração nem à hereditariedade. Diz ele

Por muitos anos, na metapsicologia psicanalítica, a agressividade parecia ser explicada com base na raiva. Segundo meu ponto de vista, tanto Freud quanto Klein desviaram-se do obstáculo nesse ponto e refugiaram-se na hereditariedade. O conceito de pulsão de morte poderia ser descrito como uma reafirmação do princípio do pecado original. Já tentei desenvolver o tema de que tanto Freud quanto Klein evitaram, assim procedendo, a implicação plena da dependência e, portanto, do fator ambiental. Se a dependência realmente significa dependência, então a história de um bebê individualmente não pode ser escrita apenas em termos do bebê. Tem de ser escrita também em termos da provisão ambiental que atende a dependência ou que nisso fracassa. (1971g, p.102)

Capítulo II

Agressividade e amadurecimento

1. Introdução

Neste capítulo, irei abordar o fenômeno da agressividade do ponto de vista da saúde, desde as suas raízes até a sua integração na personalidade total. A agressividade, para Winnicott, como iremos ver, vai sendo integrada à medida que o indivíduo amadurece, sempre na presença de um ambiente suficientemente bom. Essa integração será propiciada, no início, pela possibilidade - fornecida pelo ambiente – de o bebê exercer, incompadecidamente, seus impulsos agressivos, antes de se sentir responsável pelas conseqüências dos seus atos e de suas fantasias agressivas.

2. Raízes da agressividade

No artigo Agressão escrito por Winnicott em 1939 - o primeiro dedicado ao tema na sua obra – já se encontram esboçadas muitas das idéias sobre agressividade que serão desenvolvidas e irão ganhando precisão à medida que a sua teoria evolui. Nesse texto, Winnicott postula o conceito de agressividade primária, o qual abandona posteriormente e substitui pelo de raízes da agressividade. Isso porque, como veremos no decorrer deste capítulo, ele se dá conta que a expressão agressividade primária pode induzir ao erro de se pensar que existe uma agressividade no estágio mais primitivo da vida, o que não é possível, pois a agressividade supõe uma intenção que não pode ser presumida no início devido à imaturidade do bebê. Mesmo com essa denominação ainda imprecisa, Winnicott já estabelece, nesse texto, algumas das principais direções que irão nortear sua concepção de agressividade. Ele dirá, por exemplo, que a assim denominada “agressividade primária”, nada mais é do que “uma parte do apetite ou de alguma outra forma de amor

instintivo. É algo que recrudesce durante a excitação, e seu exercício é sumamente agradável” (idem, p.97). Uma das origens da agressividade está, portanto, relacionada à espontaneidade do bebê nos estados excitados.

A partir de raízes primitivas, que explicitaremos em seguida, o que será propriamente a agressividade de um indivíduo vai sendo construída e integrada ao longo de seu amadurecimento e a feição que tomará depende de como o ambiente, nos estágios iniciais, irá receber as manifestações do estar vivo do bebê – a vivacidade, a motilidade e a voracidade (greed). Outro aspecto dessa mesma questão, destacado por Winnicott nesse artigo, consiste em que o bebê, devido à sua imaturidade, ainda não tem nenhuma condição de se preocupar com os resultados da sua impulsividade instintual, ou seja, de se preocupar com o fato de que o exercício do amor instintivo pode machucar ou ferir; essa preocupação virá bem mais tarde, como uma conquista do amadurecimento. Nesse momento primitivo, o que existe é “uma voracidade teórica ou amor-apetite primário, que pode ser cruel, doloroso, perigoso, mas só o é por acaso. O objetivo do bebê é a satisfação, a paz do corpo e do espírito” (idem). Observe-se que, em Winnicott, existe uma destrutividade que é anterior à agressividade. Ou seja, segundo Winnicott, há uma destrutividade que é inerente ao estar vivo e à sua manutenção e isso é verdadeiro desde o início. Em favor da precisão, contudo, não se pode falar de agressividade, nesse início, pois o bebê não tem maturidade suficiente para que a agressão faça algum sentido.

Como vimos no capítulo precedente, a agressividade, na primeira tópica de Freud, deriva da frustração que faz parte do encontro com o princípio de realidade e, na segunda tópica, ela provém da pulsão de morte. Winnicott não desconsidera a primeira destas fontes, a da reação à frustração, embora ele entenda que se trata de um fenômeno demasiadamente tardio para dar conta das raízes da agressividade. À luz do amadurecimento, e examinando os estágios iniciais, Winnicott formula duas fontes da agressividade que não foram consideradas pela teoria tradicional: o impulso amoroso primitivo e as invasões ambientais, ambas ilustram a mudança paradigmática em relação à psicanálise tradicional, pois, além de estarem localizadas em períodos muito primitivos da

vida33, enfatizam o fator ambiental e não a constituição ou a dinâmica intrapsíquica.

É em virtude dessa perspectiva que Winnicott - diferentemente da teoria tradicional que atribui ao fator constitucional as variações relativas aos fenômenos da agressividade humana - entende que essa variação está relacionada à recepção dada pelo ambiente às manifestações do estar vivo do bebê. Enquanto o potencial instintual (erótico) dos bebês não é muito variável de um bebê para outro, o potencial agressivo (motor), em contraste, varia muito, por estar relacionado às condições ambientais que foram providas ao bebê desde o movimento fetal, no útero, e, sobretudo, nos estágios iniciais do amadurecimento já na vida pós-natal. Ou seja, ao observarmos um bebê com raiva devido a alguma frustração – a demora em ser alimentado, por exemplo -, muitas coisas já aconteceram anteriormente “que tornou elevado ou baixo o potencial agressivo daquele bebê” (1958b, p. 302).

Da perspectiva da totalidade da obra winnicottiana, essas duas fontes de agressividade, citadas por Winnicott na passagem em que faz a crítica da teoria freudiana, não são as únicas formuladas pelo autor. Menciono a seguir as quatro fontes formuladas por ele:

a) Uma das raízes da agressividade, talvez a mais primitiva por já manifestar- se na vida intra-uterina, é a motilidade.

b) A outra é a do impulso amoroso primitivo, que pertence originalmente à raiz instintual, mas que, para ser implementado, necessita da raiz motora, ou seja, a motilidade acabada de mencionar.

c) Uma terceira fonte deriva da reação às invasões ambientais.

d) E, finalmente, Winnicott formula tardiamente, em 1968, uma quarta raiz da agressividade: uma destrutividade sem raiva (no anger), que deriva da destrutividade inerente ao impulso amoroso primitivo, a propósito de uma conquista do amadurecimento, o uso de um objeto.

O impulso amoroso primitivo – em suas raízes motora e instintual – assim como a destrutividade que pertence à conquista do uso de um objeto constituem fontes agressivas naturais do amadurecimento saudável, ou seja,

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Também M. Klein considera as etapas primitivas, mas a agressividade que aí se manifesta é atribuída à pulsão de morte.

precisam ser exercitados e integrados à personalidade total; mas, a agressividade que deriva das invasões ambientais já é patológica na origem, pois é defensiva, não fazendo parte do amadurecimento saudável do bebê.

Vamos descrever agora detalhadamente cada uma das raízes da agressividade.

2.1 A raiz motora

Segundo Winnicott, se buscarmos a origem da agressividade encontraremos a motilidade. A motilidade é algo que pertence intrinsecamente ao estar vivo; é através dela que o indivíduo faz a experiência da força muscular, da potência de movimentar-se, de pôr-se ereto, alcançar objetos e explorar territórios. Winnicott salienta o imenso prazer que advém do exercício