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A agressividade na depressão reativa

No documento A agressividade na psicanálise winnicottiana (páginas 149-153)

4. Patologias da agressividade relativas ao estágio do concernimento

4.1 A agressividade na depressão reativa

O que está sendo elaborado na depressão reativa é a integração da destrutividade pessoal. É no estágio do concernimento que a criança começa a se dar conta de que seu amor excitado é destrutivo, de que a mãe que ela ataca nas experiências instintuais é a mesma pessoa que ela ama e da qual depende nos intervalos tranqüilos entre as excitações e que ela (a criança) também é a mesma pessoa, nos dois estados. Com estas constatações a criança começa a se preocupar com os resultados do seu amor excitado, pois o amor, para Winnicott,

não é só uma questão de contato afetivo. O amor reúne em si os impulsos instintivos de raiz biológica, e o relacionamento que se desenvolve entre um bebê e uma mãe (ou um pai, ou outra pessoa) carrega consigo idéias de destruição. É impossível amar de modo livre e pleno sem ter idéias destrutivas. (1965o, p.87) É também no estágio do concernimento que a criança desenvolve, ou não, a capacidade para sentir culpa em relação às idéias e impulsos destrutivos que acompanham o amor. Se a mãe é suficientemente boa, nesse momento, ou seja, se ela sobrevive e sustenta a situação no tempo, isso gera

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Para um aprofundento sobre a depressão em Winnicott consultar Moraes, Ariadne A. R. E. , A contribuição winnicottiana para a teoria e a clínica da depressão, tese de doutorado, PUC- SP, 2005.

uma necessidade na criança de reparar e remendar os estragos que imagina ter feito no corpo da mãe, e para isso ela precisa contribuir de maneira construtiva. Se a mãe (ou a pessoa que faz às vezes dela) aceita esse remendo, esse gesto construtivo, a criança pode tolerar o impulso destrutivo que acompanha o amor e continuar exercendo-o, livremente, por confiar que pode reparar o estrago. Este exercício, repetido inúmeras vezes, cria um círculo benigno, no qual o machucar e curar, o esburacar e remendar, sustentado pela sobrevivência da mãe no tempo, vai propiciar à criança, que até então é incompadecida, tornar-se concernida com respeito a sua destrutividade pessoal. É assim que boa parte da destrutividade pessoal do indivíduo “transforma-se em funções sociais, e é desta forma que ela se manifesta” (1958b, p.291). A atividade social, segundo Winnicott, “não pode ser satisfatória a não ser quando se baseia num sentimento de culpa pessoal a respeito da agressividade” (idem). Por outro lado, “o mundo precisa conter certa proporção de indivíduos que não conseguem atingir a integração a ponto de se tornarem uma unidade e que, portanto não podem contribuir, exceto de modo destrutivo, para a integração mundial” (1986c, p.230).

A criança, além de começar a se preocupar com os estragos feitos na mãe, quando está excitada, também começa a perceber em si mesma os resultados da experiência instintual. Uma vez satisfeitos os instintos, ela se sente preenchida por coisas boas e “isso cria e sustenta a sua confiança em si própria e no que ela poderá esperar da vida” (1958b, p.292); porém, quando a experiência instintual não é satisfatória e a criança sente raiva por ter sido frustrada “ela se sente repleta de coisas ruins ou malignas ou persecutórias. Essas coisas ou forças más, encontrando-se dentro dela, criam uma ameaça, a partir do interior, à sua pessoa e também às coisas boas que formam a base da sua confiança na vida” (idem). Essa conformação de elementos benignos e persecutórios está ocorrendo no recém-constituído mundo interno da criança o qual ela terá que administrar a partir de agora e por toda a vida. Nessa administração sempre surge uma dúvida, que é normal e saudável, em relação aos objetos e fenômenos (bons e maus) que habitam o mundo interno, antes que a criança - por meio de um período de tempo e de contemplação - consiga

separar o que é bom do que é mau e organizar um padrão que lhe permita lidar com esses fenômenos e objetos. Para Winnicott, “uma razoável dúvida sobre o si-mesmo, a necessidade de uns tantos períodos de contemplação, e a possibilidade de sentir um desalento temporário são essenciais ao desenvolvimento sadios” (1988, p.107).

Mesmo o indivíduo que conquistou a capacidade para o concernimento, que se sente responsável pelo estrago e potente para a sua reparação, ao viver experiências que envolvem destrutividade e idéias destrutivas que acompanham o amor (cf.1964e, p.65), pode, momentaneamente, apresentar um humor deprimido, fruto da dúvida – quanto da tolerância dela - a respeito da sua capacidade de reparar os estragos feitos. Esse estado irá caracterizar o que Winnicott denomina de depressão reativa. Para ele, esse humor deprimido funciona como um nevoeiro que desce sobre o mundo interno, para controlá-lo, amortecendo-o e barrando “os instintos e a capacidade para se relacionar com objetos externos” (idem, p.64), até que os resultados das experiências instintivas se organizem e o mundo interno do indivíduo possa voltar a ser vivo. “O humor depressivo e sua resolução é uma questão do arranjo de elementos internos bons e maus, a estruturação de uma guerra. É como uma mesa de sala de jantar na qual um menino tenha arrumado um forte e seus soldadinhos” (idem). O indivíduo que se encontra tentando organizar seu mundo interno precisa de tempo e de apoio do ambiente para “tolerar a depressão até que ela acabe espontaneamente”, pois “apenas a recuperação espontânea pode ser satisfatória” para ele (idem, p.65).

Mas Winnicott assinala uma diferença, com relação à experiência de perda, entre o indivíduo que chegou ao concernimento e o que não chegou:

Quando a capacidade para o concernimento foi alcançado e plenamente estabelecido num indivíduo, a reação à perda é a de dor, ou tristeza. Se ocorreu alguma falha no estágio do concernimento, a conseqüência da perda é a depressão (1955c, p.371).

Nessa categoria de depressão reativa inclui-se o luto, que é para Winnicott, de modo bastante próximo de Freud, uma forma madura de lidar

com a perda, por morte, de um ente querido, ocasião em que o indivíduo experimenta um “sentimento de responsabilidade pela morte, por causa das idéias destrutivas e impulsos que acompanham o amar” (1963c, p.199). Nesta situação, o objeto perdido é introjetado no mundo interno, pelo indivíduo, e submetido ao ódio; mas ele não só é odiado como também é amado. Winnicott afirma que, em virtude dessa ambivalência, ora o objeto é odiado e o mundo interno fica como que amortecido, o indivíduo apresentando um humor deprimido, ora o objeto é amado e o mundo interno ganha vida, o indivíduo apresentando períodos de felicidade. Mas, diz Winnicott,

existe mais ódio por vir e, mais cedo ou mais tarde, a depressão retorna, ora sem causa óbvia, ora em virtude de eventos fortuitos ou aniversários que recordam a relação com o objeto e voltam a enfatizar o fracasso do objeto por ele ter desaparecido (1984f, p.150).

O luto dura um longo tempo e se o indivíduo for saudável e tiver apoio do ambiente, no sentido de lhe permitir viver a tristeza associada à perda - ele recupera a capacidade para a felicidade. Winnicott ressalta, também, que é um sinal de saúde, se o ódio sentido pelo objeto perdido for, em grande parte, consciente. Porém, quando esse sentimento ocorre em nível inconsciente (reprimido), a depressão reativa pode se tornar patológica e se aproximar da neurose. Nesse caso, para o indivíduo recuperar a capacidade para a felicidade, ele necessita não só de tempo e tolerância do ambiente para com o seu humor deprimido, mas também de interpretações.

Até aqui vimos a depressão relativa ao indivíduo que conquistou o estágio do concernimento praticamente sem falhas. A mãe, contudo, pode falhar. Se o indivíduo não for auxiliado a entrar no círculo benigno ou se por alguma razão o círculo benigno foi quebrado, o ambiente não tendo reconhecido ou aceitado a reparação, sua vida instintiva será inibida, sua capacidade para sentir culpa será perdida; haverá um retorno da dissociação entre os estados excitados e tranqüilos, tendo como conseqüência a impossibilidade de viver sentimentos de tranqüilidade e o indivíduo ficará prejudicado na sua capacidade de brincar e trabalhar construtivamente. Com

isso, além de sua personalidade sofrer um empobrecimento geral, ele perderá a capacidade de amar com afeição (cf. 1955c, p.366). O sentimento de culpa pode ser recuperado, mas somente pelo restabelecimento da situação sustentada por uma mãe suficientemente boa como um fato. Se a criança não encontra alguém que possa receber o seu remendo, a sua oferta, a sua reparação, o círculo benigno se rompe e a possibilidade de a destrutividade transformar-se em construtividade se perde. É com relação a este estado de coisas que a agressividade reaparece. Por exemplo, uma criança, que esteja elaborando este estágio, quer contribuir para a satisfação das necessidades da família, ajudando a mãe nas tarefas domésticas: ela quer cozinhar, limpar, ajudar a cuidar do bebê, fazer o jardim, etc. Se ninguém levar a sério o seu gesto e fizer troça da sua tentativa de contribuição “a criança experimenta uma sensação de impotência e inutilidade físicas. Nesse ponto, poderá facilmente haver na criança uma explosão de franca destrutividade e agressão” (1964d, p.268).

4.2 A agressividade nos distúrbios que apresentam impurezas do

No documento A agressividade na psicanálise winnicottiana (páginas 149-153)