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4 CHILE: DA DITADURA AO NEOLIBERALISMO, FRAGMENTAÇÃO DOS

4.2 A TRAJETÓRIA DA AGRICULTURA CHILENA A PARTIR DO GOLPE

4.2.3 A agricultura chilena nos últimos 8 anos (2010 – 2017)

Com o fim do ciclo dos governos de centro-esquerda da Concertación a partir da vitória da coalizão de centro-direita em 2010, as políticas neoliberais – que jamais saíram de cena, incluídas as relacionadas com a agricultura – foram ainda mais aprofundadas. Sob o

slogan ‘la nueva forma de governar’, o governo de Sebastian Piñera reforçou os valores de

uma sociedade neoliberal, tendo o espírito empreendedor e a inovação com eixos centrais de sua agenda programática (GARRETÓN, 2012). Não obstante, apesar dessa agenda programática, o INDAP obteve um crescimento real de seu orçamento para trabalhar com a categoria dos ‘agricultores familiares campesinos’, tendo como focos mitigar a pobreza rural (BERDEGUÉ; PIZARRO, 2014) e agregar valor aos bens e serviços da agricultura, com uma clara orientação exportadora (TORRES; NAMDAR-IRANÍ; ISAMIT, 2017).

Nesse aspecto, vale destacar o papel desempenhado pela Reunião Especializada da Agricultura Familiar (REAF), fórum multilateral criado em 2004 e inserido como órgão assessor do MERCOSUL.17 Niederle (2017) ressalta que o REAF tem cumprido um papel relevante na formulação, desenho e implementação de políticas de desenvolvimento rural nos países do bloco, com especial protagonismo do Brasil. Com efeito, o INDAP avançou significativamente com as políticas públicas voltadas à agricultura familiar e camponesa, muitas das quais têm como referência a experiência brasileira nesta área. De acordo com Torres, Namdar-Iraní e Isamit (2017), seis grandes eixos temáticos foram selecionados pelas políticas agrícolas chilenas:

a) fomento à agricultura familiar e camponesa; b) agregação de valor;

c) desenvolvimento de mercados;

d) desenvolvimento de uma agricultura sustentável; e) gestão de riscos e estabilização; e

17 A REAF possui como objetivos o fortalecimento das políticas públicas para a agricultura familiar nos países

do MERCOSUL; e a promoção e facilitação do comércio dos produtos da agricultura familiar na região (INDAP, 2019).

f) modernização da institucionalidade.

Com o retorno de Bachelet ao poder (2014-2017), os objetivos centrais do Ministério da Agricultura permaneceram a redução da desigualdade social e a agregação de valor aos bens e serviços da agricultura, o que basicamente manteve o dinamismo e o crescimento das atividades agropecuárias e boas relações com os representantes das organizações empresariais (GÓMEZ, 2018). Por sua vez, o INDAP, definiu em seu planejamento estratégico de 2014- 2018 a prioridade de melhorar a produtividade e competitividade dos setores da AFC. Nesse sentido, fortaleceu instrumentos que promovessem a inovação, o investimento, o acesso aos mercados, o desenvolvimento do capital humano e do associativismo. De acordo com o então presidente do INDAP, Octavio Sotomayor Echenique18, o mantra chileno até então era ‘exportar, exportar, exportar’. Em 2014, o INDAP realizou uma quebra conceitual e passou a desenvolver políticas públicas voltadas ao mercado interno, proporcionando um mix de estratégias de comércio, tais como: o Selo Manos Campesinas, a Rede de Mercados Camponeses, o Programa de apoio à AFC que abastece mercados públicos de alimentos, o programa Gestor Comercial, o apoio à participação da AFC em distintas feiras, os novos canais de comercialização para a AFC, e o CampoClick, um geolocalizador de produtores e desenvolvimento de novos produtos (INDAP, 2017).

Atualmente, o Chile figura no cenário internacional como um dos maiores exportadores de frutas frescas do hemisfério sul, além participar com uma importante parcela da produção mundial de madeira e celulose. Vale destacar também o protagonismo do país na indústria vinícola e na indústria do salmão (MATHEUS E SILVA, 2016). Por sua vez, a ruralidade chilena da AFC passou por profundas transformações em seu modo de vida, associadas aos processos de modernização, da abertura comercial, das políticas públicas implementadas, assim como da própria ação dos atores rurais (BARRERA, 2007). A

Coordinación de Organizaciones Nacionales Campesinas (2017) ressalta que o modo de vida

camponês, sua função, cultura e tradições populares estão em risco diante das profundas desigualdades sociais da economia de mercado chilena. As zonas de maior pobreza se encontram nas regiões agrárias e dos povos originários.

O Chile se tornou um país muito distinto daquele de antes da ditadura militar. O país está mais moderno e próspero, e o diálogo substituiu a força das armas. A recuperação da

18 Em novembro de 2017 tive a oportunidade de participar no evento realizado pela CEPAL em Santiago do

Chile intitulado ‘El aporte del comercio justo al desarrollo sostenible’, onde o então presidente do INDAP participou da abertura (nota do autor).

democracia teve um alto custo para a população chilena, mas foram conquistados o direito à livre expressão e ao debate. Dados do INDAP (2017) apontam que existem mais de 230.000 unidades agropecuárias da AFC chilena, as quais representam mais de 60% do emprego agrícola e contribuem significativamente com o abastecimento alimentar nacional. Não obstante, a realidade da AFC chilena é tensionada pelas contradições e desafios de uma economia de mercado que, assim como o Brasil, privilegia as monoculturas de exportação (COORDINACIÓN DE ORGANIZACIONES NACIONALES CAMPESINAS, 2017). Conforme entrevistas realizadas com técnicas do INDAP, “o Chile possui uma matriz institucional da especialização produtiva e da exportação. Está no seu DNA o discurso de que o país é uma potência agroalimentar” (ET11 e ET12).

Em síntese, o Chile consolidou um modelo econômico criado a partir da crise de 1982, durante a ditadura militar. Gómez (2018) destaca que esse modelo possui as seguintes características: respeito irrestrito ao direito de propriedade; liberação dos mercados (internos e externos) da intervenção estatal; modernização do Estado e sua redução para permitir o melhor funcionamento do mercado (estado subsidiário); e manutenção dos equilíbrios macroeconômicos. Esse aspecto significou dualidade para a agropecuária chilena, na medida em que, de um lado, há um polo dinâmico representado pela agricultura empresarial “moderna” com enfoque agroexportador e, de outro, um polo “atrasado” e marginalizado, o qual envolve a pequena agricultura. Em face disso, coube aos camponeses, pequenos agricultores ou ‘agricultores familiares campesinos’19 integrar-se à modernidade, o que se traduziu em políticas de estímulo à reconversão produtiva, à subordinação ao polo dinâmico da agricultura empresarial ou uma proletarização de seu modo de vida (MATHEUS E SILVA, 2016; CHALLIES, 2010).

4.3 OS MERCADOS DAS AGRICULTURAS FAMILIARES E CAMPONESAS NO