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M. G Paula (2009) aposta na contraposição dialética entre o edificante de Kierkegaard e o não edificante de Hegel Para o primeiro, o edificante não retira o rigor de uma análise

2. O CONCEITO DE ALIENAÇÃO EM TILLICH E SUA RELACÃO COM A DOUTRINA DO PECADO

2.1 A alienação como um problema antropológico

2.1.1 A alienação como reflexo dialético da finitude humana

O problema da alienação também está posto sobre a questão da finitude humana. Na verdade, trata-se de uma espécie de reflexo dialético da mesma (TILLICH, 2005, p. 300). Até este ponto, embora a mesma seja entendida a partir da concretude da vida, a finitude enquanto fenômeno antropológico possui também qualidades ontológicas (TILLICH, 2005, p. 200). As qualidades ontológicas da finitude é quem vai dimensionar o movimento inerente e paradoxal de todo ente, sobretudo o homem devido à sua capacidade de autoconsciência. 40 Isto é, o reflexo do ser-limitado caracterizado pela finitude pelo impacto ontológico do não-ser. Assim, existe um desdobramento ou reflexo da oposição dualística entre a finitude e infinitude, entre o subjetivo e o objetivo, entre o ser e o não ser, entre a liberdade e o destino (TILLICH, 2005,

40 Para um estudo detalhado sobre o conceito de autoconsciência temos o capítulo 9 do livro Era Protestante,

onde Tillich apresentou um panorama histórico do tema, tais como: o surgimento da consciência (TILLICH, 1992, p. 160); a consciência na literatura Bíblica (TILLICH, 1992, p. 161); a interpretação da consciência na

teologia medieval e na teologia sectária (TILLICH, p. 163); doutrinas filosóficas modernas da consciência

p. 198). Segundo Tillich, ela não pode ser derivada, mas apenas descrita. Proporcionalmente, pensar o conceito de alienação a partir da noção de finitude é reconhecê-lo como sendo participante do não-ser. 41 Ora todo o homem ontologicamente é participante do ser. Nesse sentido, ele possui o poder de ser. De maneira paradoxal tudo que participa do poder ser deve também estar mesclado como o não-ser (TILLICH, 2005, p. 198). A alienação então deve ser entendida como resultado latente da própria finitude humana. Isto é, como homem (ser finito)

eu posso compreender (autoconsciência) mentalmente os meandros que norteiam a infinitude

do ser, mas ao mesmo tempo eu não pode se concretizar fora da minha mente (TILLICH, 2005, p. 199). Trata-se de uma antinomia da razão (Kant).

Diferentemente dos animais que não possuem consciência de si, o homem é autoconsciente (TILLICH, 2005, p. 198). Paradoxalmente, é justamente esta capacidade de autoconsciência que vai determinar a sua capacidade de poder medir a dimensão e a proporção de seu próprio estado de alienação. A alienação seria então uma espécie de “substrato indireto” da racionalidade humana, ou seja, de sua capacidade de autotranscendência (TILLICH, 2005, p. 198). Grosso modo, o processo de autotranscendência comporta um duplo sentido: prazeroso e doloroso ao mesmo tempo. Para Tillich, trata-se simultaneamente de um aumento e um decréscimo no poder de ser. Ele diz:

Para experimentar sua finitude, o ser humano deve olhar para si mesmo do ponto de vista de infinitude potencial. Para ser consciente de que caminha para a morte, o ser humano deve olhar por cima de seu ser finito como um todo; de certa forma, ele deve estar para além dele. Ele também deve ser capaz de imaginar infinitude. E é capaz de fazê-lo, embora não em termos concretos, mas tão-somente como uma possibilidade abstrata. O eu finito se defronta com um mundo; o indivíduo finito possui o poder de participação universal; a vitalidade do ser humano está unida a uma intencionalidade essencialmente ilimitada; como liberdade finita, o ser humano está envolvido em um destino englobante. Todas as estruturas da finitude obrigam o ser finito a transcender-se a si mesmo e, exatamente por essa razão, a tomar consciência de si mesmo como finito (TILLICH, 2005, p. 199).

Uma vez compreendido isso, Tillich faz ainda, mais duas outras afirmações sobre a correlação entre finitude humana e Alienação do ser que são: (1) A interdependência da

alienação do ser, como um reflexo do desdobramento do confronto da finitude humana como

41 Dentro da historiografia filosófica, a problemática do não-ser é um dos maiores entraves. Em geral,

nossa linguagem costuma estar voltada ou associada para a questão do ser (Parmênides); e por isso existe certa confusão quando tentamos compreender ou falar sobre o não-ser (TIILICH, 2001, p. 26). Ora, o que é o não-ser? Parece não haver uma resposta objetiva a essa pergunta, pois a mesma parece não ter sentido. É como se o "Não- ser" fosse de fato sinônimo do "que não é", assim como ser, no sentido de ente, é sinônimo de "o que é". Nesse sentido, a respectiva pergunta pode ser entendida como "O que é o que não é?" Parece que não podemos tratar diretamente do não-ser, pois não podemos dizer que ele é coisa alguma, nem que ele é o não-ser. Para Tillich, a maneira mais coerente para entender o problema é pensar o não-ser como sendo metaforicamente interligado ao ser. Ele diz: O ser tem o não-ser “dentro” de si mesmo, de modo que essa problemática é eternamente presente

as categorias ontológicas; (2) A interdependência da alienação do ser, como um reflexo do aparecimento da angústia existencial. Vejamos:

No primeiro caso, Tillich acredita que a alienação do ser, ocorre através do “confronto” ou da relação binária e natural entre a finitude humana e as categorias

ontológicas. 42 Do ponto de vista filosófico a questão das categorias é vital. É justamente através desta que é possível racionalmente apreender e configurar a realidade (TILLICH, 2005, p. 201). Isto é, a mente não é capaz de experimentar a realidade se não através das formas categóricas. Segundo Tillich, em geral as principais categorias ontológicas que servem para uma suposta construção teologicamente sistemática da fé são: tempo, espaço,

causalidade e substância. Todas elas devem obrigatoriamente revelar seu caráter ontológico

através de sua dupla relação simultânea entre o ser e o não-ser, ou seja, elas expressam o ser, mas ao mesmo tempo o não-ser ao qual está sujeito tudo o que é. (TILLICH, 2005, p. 201). Por exemplo: o tempo. Nota-se que sobre o mesmo, Tillich afirma ser a categoria central da finitude, sobretudo, pela sua capacidade em conter elementos de positividade e negatividade ao mesmo. Aqueles que enfatizam o elemento positivo do tempo devem de maneira prioritária destacar o seu caráter criativo do processo temporal (TIILICH, 2005, p. 202). Aqueles que enfatizam o elemento negativo da categoria temporal, procuram apontar para o problema inerente dele que é o fim desse mesmo processo. Assim, ao mesmo tempo em que a categoria temporal possibilita à criatividade da temporalidade, a mesma acaba por denunciar a sua própria morte. Tillich afirma: [...] é impossível passar por cima do fato de que o tempo

“engole” aquilo que ele criou que o novo se torna velho e o criativo é acompanhado por uma desintegração destrutiva (TILLICH, 2005, p. 202). Já sobre a categoria espacial, percebe-se

que o homem em sua finitude, luta para conseguir e preservar um espaço próprio. Em suma, significa ter ou conquistar um lugar físico. Isto é, um corpo, um terreno, um casa, um cidade, um país etc. (TILLICH, 2005, p. 203). Todavia, a nossa espacialidade está sempre condicional ao não-ser. Nenhum ser finito possui um espaço que seja, de fato, seu de forma definitiva. O homem é Peregrino nesta terra, portanto, não pode depositar sua confiança no espaço (TILLICH, 2005, p. 203). A mesma coisa deve acontecer com a categoria da causalidade. Sobre ela também se afirma o elemento positivo e negativo. Ora as coisas finitas não são

42 Segundo Aristóteles – o criador da teoria – as respectivas categorias ontológicas são os modos em que o ser se

predica das coisas nas proposições, portanto os predicados fundamentais das coisas. O mesmo enumerou dez categorias que são: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, situação, ter, agir e paixão (ARISTÓTELES, 1982, p. 47-48). Nesse sentido, os universais encontram-se nos próprios seres, isto é, em seus acidentes e contingências, proporcionando assim que os nossos sentidos os captem. Ora, através destes, é possível agrupar os seres em diversas classes e categorias, permitindo criar bases e premissas, utilizando da lógica, do silogismo, para construir uma via que preconiza o equilíbrio entre o conhecimento racional e o empírico.

autocausadas; elas foram “lançadas” no ser (Heidegger). 43 A atitude técnica de se perguntar sobre a origem das coisas é universal, ao mesmo tempo o substrato desta resposta (TILLICH, 2005, p. 204). Esse substrato é expresso por sua implicação: tudo é conduzido para além de si mesmo até sua causa, e as causas, por sua vez, para além de si mesma, para sua própria causa. Não existe a menor possibilidade de se chegar a uma conclusão plausível a não ser a uma regressão indefinida onde a única expressão é o poderoso abismo do não-ser em todas as coisas (TILLICH, 2005, p. 204). Sobre a categoria da substância, o problema do não-ser aparece ainda de forma mais latente. Ora o conceito de substância busca aquilo que não possui fluxo das aparências, ou seja, algo que seja relativamente estático e completo em si mesmo (TILLICH, 2005, p, 205). Porém, como pensar o absolutamente estático em se tratando da finitude humana? Tillich diz: [...] Não existe substância sem acidente (TILLICH, 2005, p. 205).

E, assim nasce o estado de alienação existencial. Tillich defende que a presença desse dualismo entre o ser e o não-ser é responsável por esse sintoma. Ora todas as vezes que a finitude humana expõe a inerência do não-ser em si mesma, através do elemento negativo das categorias ontológicas, ela demonstra a sua alienação de si mesmo (TILLICH, 2005, p. 365). Portanto, a alienação em Tillich é uma alienação no ser, ou seja, no estado de alienação, a dimensão da última é excluída, fazendo a situação mudar (TILLICH, 2005, p. 366). Estamos alienados de si mesmo, pois não somos o que essencialmente deveríamos ser (MARTIN, 1963, p. 112). Ou seja, alienação é caracterizada como sendo o distanciamento existencial do homem de sua estrutura ontológica (MARTIN, 1963, p. 112). Trata-se da perda do eu, um estado existencial que possui caráter destrutivo de insegurança e dúvida. É nesse sentido, que para muitos autores do mundo contemporâneo a existência é trágica.

Tillich demonstra:

A natureza categorial da finitude – tempo, espaço, causalidade e substância – é validade como estrutura da totalidade da criação. Mas a função das categorias da finitude muda sob as condições da existência. Nas categorias, manifesta-se a unidade do ser e do não-ser em todos os seres finitos [...] No estado de alienação, perde-se a relação como o poder último do ser. Nesse estado, as categorias controlam a existência e produzem uma dupla relação em relação a elas – resistência e desespero [...] Os conflitos nas polaridades

43 Segundo Martin Heidegger, o homem deve ser compreendido como um projeto, ou seja, com um ente que se

encontra lançado no mundo. Ele diz: [...] Para se ver o mundo é, pois necessário visualizar o ser-no-mundo

cotidiano em sua sustentação fenomenal (HEIDEGGER, 2006, p.113). Para o filósofo brasileiro Guilherme P.

Ferreira (2007), é necessário compreender que a indagação pelo sentido do ser, proposta por Martin Heidegger, assumirá a forma de uma analítica existencial do ente humano concebido como presença. Assim, compreende-se tal analítica como o estudo dos momentos estruturais da presença. Dentro desta analítica o fenômeno do mundo quase impõe como fundamental isto porque o principal modo da presença se projetar na existência é como ser- no-mundo – é no fenômeno do mundo que a presença ganha seu ser através de um fazer. In. (FERREIRA, 2007, p. 1).

ontológicas e a transformação das categorias da finitude sob as condições da alienação acarretam consequências em todas as direções para a condição humana (TILLICH, 2005, p. 361-363).

Continuando: o segundo aspecto apontado nessa seção por Tillich é Angústia. 44 Essa angústia existencial também denominada por Tillich como Ansiedade (TILLICH, 2001, p. 25- 59) deve permear todas as categorias ontológicas aqui apresentadas. Em relação ao tempo, existencialmente nos angustiamos diante da possibilidade da transitoriedade, sobretudo quando a mesma desemboca no conceito da morte. Isto é, a consciência melancólica do movimento do ser em direção ao não ser, deve alcançar sua concretude máxima na antecipação da própria morte do sujeito finito (TILLICH, 2005, p. 202). Em relação ao espaço, existencialmente nos angustiamos diante do fato de que nenhum ser finito pode depositar sua confiança no espaço, pois ele é “peregrino sobre a terra”, ou seja, a angústia nasce, pois temos que vivenciar a realidade de que finitude significa não ter lugar definitivo, pois ser finito é viver na insegurança espacial (TILLICH, 2005, p. 203). O ser humano vive

44 Segundo Abbagnano (2006), no seu significado filosófico, isto é, como atitude do homem em face de sua

situação no mundo, esse termo foi introduzido por Kierkegaard em Conceito de angústia (1844). A raiz desse conceito é a existência como possibilidade. Ao contrário do temor e de outros estados análogos, que se refere a algo determinado, a angústia não se refere a nada preciso: é o sentimento puro da possibilidade (ABBAGNANO, 2007, p. 60). O homem como ser livre vive de possibilidade, já que a possibilidade é a dimensão do futuro e o homem vive continuamente debruçado sobre o futuro. Mas as possibilidades que se apresentam ao homem não têm nenhuma garantia de realização. Só por piedosa ilusão elas se lhe apresentam como possibilidades agradáveis, felizes ou vitoriosas: na realidade, como possibilidades humanas, não oferecem garantia alguma e ocultam sempre a alternativa imanente do insucesso, do fracasso e da morte. Ele diz: "No possível tudo é possível" (KIERKEGAARD, 2007, p. 60), pois uma possibilidade favorável não tem maior segurança do que a possibilidade mais desastrosa e horrível. Na filosofia contemporânea, Heidegger centrou na angústia a sua análise existencial. Para o respectivo autor a angústia deve ser pensada como uma espécie de situação afetiva fundamental, "que pode manter aberta a contínua e radical ameaça que vem do ser mais próprio e isolado do homem": isto é, a ameaça da morte (HEIDEGGER, 2007, p. 60). Isto é, na angústia, o homem "sente-se em presença do nada, da impossibilidade possível da sua existência" (HEIDEGGER, 2007, p. 61). O alemão costumava chamá-la de "o ser para a morte", isto é, a aceitação da morte como "a possibilidade absolutamente própria, incondicional e insuperável do homem" (HEIDEGGER, 2006, p. 61). Mas nem por isso a angústia é o medo da morte ou dos perigos que podem provocá-la. "O medo tem assento no ente de que se cuida dentro do mundo, já a angústia brota do próprio Ser-aí (HEIDEGEER, 2007, p. 61). Todavia, não foi só a filosofia existencialista que considerou a angústia como revelação emocional da situação humana no mundo. Por exemplo: para psicanálise o caráter onipresente da angústia, que é diferente do medo, do temor e de outros estados emocionais de caráter episódico que se referem a situações particulares (ABBGNANO, 2007, p. 61). Ora a angústia parece, ao contrário, um ingrediente constante da situação humana do mundo, seja qual for à explicação dada à sua origem. Freud inicialmente foi remontar ao ato do nascimento, isto é, ao ato "em que se acham reunidas todas as sensações penosas, todas as tendências e as sensações corpóreas, cujo conjunto se tornou o protótipo do efeito produzido por um perigo grave" (FREUD, 2007, 61). Em seguida, mais genericamente, considerou a Angústia como a "reação do Ego ao perigo", ou melhor, "à própria essência do perigo"; essa situação é também definida por Freud como "uma situação de impotência". Diz Freud: "Estou na expectativa de que se verifique uma situação de impotência; ou então a situação presente me lembra um acontecimento traumático já vivido. Assim, antecipo esse trauma, comporto-me como se já estivesse aqui, enquanto houver tempo para afastá-lo. Portanto, para Freud “a angústia é, de um lado, expectativa do trauma e, de outro, uma repetição atenuada deste" (FREUD, 2007, p. 61). Em seu seminário 10 Jacques Lacan também trabalho exaustivamente o tema. Tal abordagem possui características dialogais e profundas correlações com: Kierkegaard, Heidegger e Freud (LACAN, 2005, p. 11-24). O conceito de angústia em Tillich também aparece em A Coragem de Ser de 1952 com Ansiedade (TILLICH, 2001, p. 25-59).

angustiado diante da inevitável perda de seu espaço (TILLICH, 2005, p. 204). Em relação à causalidade, existencialmente nos angustiamos em reconhecer que o ser humano é criatura, portanto, ontologicamente contingente e, não necessário por si só, e nisso o ser humano percebe que é presa do não- ser (TILLICH, 2005, p. 205). Tillich diz: [...] A angústia em que

ele está consciente dessa situação é a angústia da falta de necessidade do seu ser (TILLICH,

2005, p. 205). Assim, em tese, facilmente poderíamos não ser. Então, por que somos? E por que devemos continua ser? Ora o fato de não haver resposta razoável a esses questionamentos fazem com que a angústia implica na consciência da causalidade com uma categoria da finitude (TILLICH, 2005, p. 205). Em relação à categoria ontológica de substância, existencialmente nos angustiamos, por termos que conviver com a mudança contínua quanto à perda final de nossa substância (TILLICH, 2005, p. 206). Ora, toda mudança revela o não-ser relativo aquilo que muda (TILLICH, 2005, p. 206). A possibilidade da perca de nossa substancialidade individual constitui o combustível desse tipo de angústia.