• Nenhum resultado encontrado

O problema antropológico como um problema teológico ou como doutrina do pecado

M. G Paula (2009) aposta na contraposição dialética entre o edificante de Kierkegaard e o não edificante de Hegel Para o primeiro, o edificante não retira o rigor de uma análise

2. O CONCEITO DE ALIENAÇÃO EM TILLICH E SUA RELACÃO COM A DOUTRINA DO PECADO

2.2 O problema antropológico como um problema teológico ou como doutrina do pecado

Até agora ficou mais uma vez claro a maneira como Tillich desenvolveu seu método teológico, isto é, a tentativa de procurar sempre dialogar com disciplinas correlatas, sobretudo com a filosofia. Só assim, é possível entender porque o autor alemão defendia que, as marcas da alienação do ser humano podem ser de fato, comparadas com a sua doutrina do pecado. Resumindo: Tillich defende que, sendo o estado de existência humana um estado de alienação, o homem se encontra “distanciado” do fundamento do seu ser, dos outros seres e de si mesmo (TILLICH, 2005, p. 339). Portanto, para o nosso autor, a transição da essência à existência resultou na culpa da pessoa e consequentemente em uma tragédia universal (TILLICH, 2005, p. 339). Nesse sentido, Tillich de maneira sistemática, procurou estabelecer uma descrição detalhada desse estado destrutivo da alienação existencial comparado ao pecado. Vejamos:

2. 2. 1 Alienação como pecado

Não se trata de uma substituição absoluta. Inclusive sobre esse aspecto, Tillich é enfático ao afirmar que não podemos de imediato substituir o conceito de pecado pelo de alienação. Primeiro porque alienação não é necessariamente um termo bíblico. A unidade ontológica dos termos reside de maneira dialética (TILLICH, 2009, p. 59). Isto é, a filosofia apresenta-se sempre como paradigma para teologia. Para ele a relação entre filosofia e teologia nunca pode ser de maneira absolutizante (TILLICH, 2009, p. 60). Ora a questão dos absolutos só pode ser respondida identificando de maneira paradoxal o absoluto filosófico como elemento determinante do absoluto religioso ou teológico (TILLICH, 2009, 60). Tillich sempre vai defender que o risco da fé baseia-se no fato de que o elemento incondicional ou absoluto só pode ser compreendido quando aparecem de forma concreta (TILLICH, 2009, p. 66).

Proporcionalmente, embora o termo alienação não seja de fato, uma palavra bíblica, não há dúvida de que a mesma encontra-se de maneira implícita em numerosas descrições bíblicas que relatam a condição humana (TILLICH, 2005, p. 340). Por exemplo, no Antigo Testamento, no símbolo da expulsão de Adão e Eva do paraíso, na hostilidade ecológica entre ser humano e natureza, na hostilidade mortal de irmão contra irmão – Caim e Abel – na hostilidade de uma nação contra outra através da confusão das línguas no mito de babel, na hostilidade constante dos profetas contra os reis e sacerdotes e contra o povo que constantemente se voltavam para outros deuses (TILLICH, 2005, p. 340). O mesmo exemplo pode ser também aplicado ao Novo Testamento, quando a afirmação paulina de que o ser humano perverteu a imagem de Deus convertendo-a em ídolos. Também cabe a mesma aplicação ao que Paulo chamou de “ser humano contra si mesmo”, ou seja, aquela hostilidade latente que o ser humano sente contra ser humano em combinação com seus desejos distorcidos (TILLICH, 2005, p. 340). Assim, de maneira paradoxal em todas essas interpretações da condição humana, deve afirmar-se implicitamente o estado inerente de alienação. Todavia, a apropriação do conceito de alienação deve provocar uma espécie de virada hermenêutica e uma reinterpretação do próprio conceito de pecado.

Sobre a complexa relação dos termos ele diz:

Contudo, “alienação” não pode substituir “pecado”, embora sejam óbvias as razões para tentar substituir o vocábulo “pecado” por alguma outra palavra. O termo foi empregado de uma forma que pouco tem a ver com o sentido bíblico genuíno. Paulo frequentemente fala de “pecado” no singular e sem artigo. Ele o concebe como poder quase-pessoal que rege este mundo. Mas nas igrejas cristãs, tanto na católica como nas protestantes, o termo “pecado” tem sido usado principalmente no plural, e “pecados” são desvios das leis morais. Isso praticamente nada tem a ver com “pecado” como estado de alienação com relação àquilo a que pertencemos – Deus, o nosso eu, o nosso mundo. Por isso, consideramos aqui o pecado desde a perspectiva da “alienação”. E a própria palavra “alienação” implica uma reinterpretação do pecado a partir de um ponto de vista religioso. Mas não é possível prescindir da palavra “pecado”, pois ela expressa aquilo que a palavra “alienação” não conota, a saber, ato pessoal de se afastar daquilo a que pertencemos. Pecado expressa com muita ênfase o caráter pessoal da alienação frente a seu aspecto trágico. Expressa a liberdade e a culpa pessoal em contraste com a culpa trágica e com o destino universal da alienação [...] A condição humana é de alienação, mas essa alienação é pecado (TILLICH, 2005, p. 340-341).

Baleeiro (2008) afirma que a utilização do conceito filosófico “alienação” feita por Tillich não pode ser compreendida como sendo um sinônimo, uma superação, ou quem sabe uma espécie de “substituição” dos conceitos. Trata-se de procurar pensá-lo a partir do seu método de correlação (BALEEIRO, 2008, p. 145). Ele diz: [...] a ideia de alienação ajuda a

interpretar a mal interpretada ideia de pecado (BALEEIRO, 2008, p. 145). Por esse motivo –

religiosamente. Para o autor alemão, um importante meio para efetuar essa reinterpretação, é sem dúvida o uso do termo “alienação” (TILLICH, 2005, p. 341).

Portanto, o que Tillich pretende nessa reflexão é continuar afirmando que não é antibíblico empregar o termo alienação para melhor entender o conceito de pecado, assim como também não é antifilosófico empregar o termo pecado para melhor entender o conceito de alienação, visto que ambos possuem muita semelhança, sobretudo quando os mesmos são utilizados de maneira instrumental para descrever a trágica e precária situação existencial do ser humano.

2. 2. 2 Alienação como descrença

O primeiro problema teológico desencadeado pela alienação existencial é a descrença. A questão da descrença foi analisada por Tillich tendo como pano de fundo a Confissão de

Augsburgo. 46 Nesse sentido, a mesma é pensada como sendo aquele estado de pecado em que o ser humano está “sem fé em Deus” (TILLICH, 2005, p. 341). Segundo Tillich, para os reformadores, a descrença não pode ser simplesmente pensada como aquela indisposição ou incapacidade de acreditar nas doutrinas da igreja. A doutrina da fé tem que ser encarada com um ato da personalidade toda, incluindo elementos práticos, teóricos e emocionais (TILLICH, 2005, p. 341). Inclusive em sua obra Dinâmica da Fé, de 1970, Tillich já afirma que a Fé e a dúvida sempre andam juntas (TILLICH, 1996, p. 15). Para o nosso autor, o ato de fé é realizado por um ser finito, que está tomado pelo infinito e para ele se volta. Ele diz: [...] Fé é

certeza na medida em que se baseia na experiência do sagrado (TILLICH, 1996, p. 15). No

entanto, por ser fruto de uma experiência humana, a fé é cheia de incerteza, uma vez que o infinito, para o qual ela está orientada, é experimentado por ser finito. Portanto, o elemento de dúvida e incerteza não pode ser anulado na experiência de fé; nós precisamos aceitá-lo (TILLICH, 1996, p. 15). Essa dúvida que faz parte inseparável da fé não é uma dúvida em torno de fatos ou certas consequências lógicas. Não é a dúvida metódica (Descartes) que dá impulso a toda pesquisa científica, visto que segundo Tillich, nenhum teólogo que se preze, haveria de negar o direito da dúvida na pesquisa empírica ou na aplicação do método dedutivo (TILLICH, 1996, p. 17). A dúvida que está contida em todo ato de fé não é a dúvida metódica. Ela é dúvida que está contida no risco fé. A dúvida inerente à fé sabe dessa

46 Trata-se de um documento central da reforma de Lutero, que foi uma reação à Igreja Católica. Foi apresentado

na Dieta de Augsburgo de 1530. A confissão de Augsburgo compõe-se de 28 artigos. Os mesmo têm como principal característica enfatizar a doutrina da salvação pela graça, mediante a fé em Jesus Cristo, com o centro da fé cristã.

incerteza natural sempre toma a sua decisão como um ato de coragem sobre si mesmo (TILLICH, 1996, p. 18).

Assim, tentando estabelecer uma análise mais precisa possível do respectivo conceito, Tillich afirma que, ao invés da palavra descrença, deveríamos utilizar a palavra “não-fé” (TILLICH, 2005, p. 341). Isto é, a palavra “descrença” inevitavelmente possui uma conotação que a associa ao termo “crença”, que acaba significando a afirmações que não são evidentes (TILLICH, 2005, p. 342). Diferente de sua própria etimologia, para o cristianismo protestante, “descrença” significa o ato ou estado em que o ser humano – na totalidade do seu ser – se encontra afastado de Deus, ou seja, alienado (TILLICH, 2005, p. 342). A descrença é uma espécie de ruptura do ser humano de si mesmo e de Deus (TILLICH, 2005, p. 342).

Nas palavras de Tillich temos:

[...] O ser humano, em seu auto-realizar-se existencial, volta-se para si mesmo e para seu mundo, perdendo sua unidade essencial como o fundamento de seu ser e de seu mundo. Isso acontece tanto através da responsabilidade individual quanto da universalidade trágica. É liberdade e destino em um único e mesmo ato. O ser humano, ao se auto-efetivar, volta da para si mesmo e se afasta de Deus no âmbito do conhecimento, da vontade e da emoção. A descrença é a ruptura da participação cognitiva do ser humano em Deus. Não se deveria chamá-la de “negação” de Deus, pois perguntas e respostas, sejam positivas ou negativas, já pressupõem a perda da união cognitiva como Deus. Aquele que pergunta por Deus já está alienado de Deus, embora não cortado dele. Descrença é separação da vontade do ser humano com relação à vontade de Deus (TILLICH, 2005, p. 342).

Estamos diante de uma espécie de reflexo direto da própria constituição da liberdade finita do homem, pois o processo de “auto-realização-existencial” deve gerar esta alienação e, de imediato a descrença. Ora, se a descrença é entendida como estado de alienação do ser humano com relação a Deus no centro do seu eu, Agostinha tinha razão. Assim, afirmar Tillich: [...] a teologia protestante pode aceitar a interpretação agostiniana de pecado como

amor que se volta de Deus para si mesmo (TILLICH, 2005, p. 342). 47 Portanto, a sugestão tillichiana de propor a substituição da palavra “descrença” por “não-fé” é, de fato mais pertinente, visto que em última análise, não-fé é o mesmo que não-amor; pois ambas devem apontar para a alienação do ser humano em relação a Deus (TILLICH, 2005, 342). Assim, a descrença deve ser entendida como alienação do ser humano em relação a Deus no centro do seu ser. É alienação tanto em termos de fé como em termos de amor (TILLICH, 2005, p. 343). Essa é a verdadeira compreensão de fé que foi redescoberta pelos teólogos reformadores. Isto é, em Agostinho, a alienação é supostamente vencida pelo amor infundido por Deus e pela fé, tendo como parâmetro ou subordinação os elementos litúrgicos da doutrina oficial da Igreja

Católica Romana, para os reformadores essa mesma alienação é vencida simplesmente pela relação pessoal com Deus e pelo amor que se segue dessa relação (TILLICH, 2005, p. 343).

2. 2. 3 Alienação como hybris

Na construção de sua doutrina sobre o pecado, Tillich considerou um segundo aspecto desencadeante da alienação existencial, a saber, o conceito de Hybris. Etimologicamente hybris é um conceito grego, que pode ser traduzido como uma espécie de “confiança excessiva”, um “orgulho exagerado”, presunção, arrogância ou insolência – originalmente contra os deuses – que com frequência termina sendo punida. Como a hybris, a alienação significa estar [...] fora do centro divino ao qual o seu próprio centro pertence

essencialmente (TILLICH, 2005, p. 343). Ora, a tentação de procurar se transformar em

centro de si mesmo e de seu mundo existe devido à infinitude potencial do homem (CARAVALHO, 2007, p. 176). Nesse sentido, o homem – ser finito – busca de forma errônea, se elevar acima dos seus próprios limites, buscando se igualar a Deus (CARAVALHO, 2007, p. 176). Trata-se de uma espécie de tentação. Isto é, o fato do homem ser o único ser finito capaz de inferir racionalmente sua própria centralidade, fez com que essa dádiva se transformasse em uma maldição. Assim, embora estivéssemos diante de nossa grande perfeição, ou seja, o que de fato, nos diferencia dos animais, ao mesmo tempo, essa se transformou em nossa grande tentação (TILLICH, 2005, p. 344). O homem passou então a confundir sua auto-afirmação natural com a auto-elevação destrutiva (TILLICH, 2005, p. 345).

Sobre a complexidade da palavra hybris, bem como a associação da mesma à doutrina do pecado, Tillich a descreve da seguinte forma:

Não podemos traduzir adequadamente a palavra hybris, embora a realidade que designa seja descrita não só na tragédia grega, mas também no AT. Ela é expressa, mas claramente na promessa da serpente a Eva de que, comendo da árvore do conhecimento, o ser humano seria igual a Deus. Hybris é auto- elevação do ser humano à esfera do divino. O ser humano por causa da sua grandeza é capaz dessa elevação [...] A grandeza do ser humano reside na sua infinitude potencial, e é exatamente nessa tentação de hybris que o ser humano universalmente incorre através da liberdade e do destino (TILLICH, 2005, p. 344).

Outra associação importante feito por Tillich para compreender a palavra hybris, foi de tentar pensá-la a partir da noção de “pecado espiritual” (TILLICH, 2005, p. 345). Isto é, a realidade de que o pecado é um fenômeno universal. Pois, todos os seres humanos alimentam o secreto desejo de serem como Deus e todos agem de acordo com isso em sua autoafirmação

(TILLICH, 2005, p. 345). É tão complexa essa realidade, que segundo Tillich, esse desejo secreto não poderia ser considerado simplesmente um orgulho (TILLICH, 2005, p. 344). Do ponto de vista etimológico, o orgulho é uma qualidade moral, oposta à humanidade. Diferente da hybris que pode se manifestar tanto no orgulho como também na humildade. Por exemplo: ninguém está disposto a reconhecer, em termos concretos, sua finitude, sua fraqueza e seus erros, sua ignorância e nem tão pouco sua insegurança. E, se alguém esta disposto a isso, transforma sua disposição novamente em um instrumento da hybris (TILLICH, 2005, p. 345).

Assim, a Hybris:

[...] foi chamada de “pecado espiritual”, e todas as outras formas de pecado foram derivada dela, até mesmo os pecados sensuais. Hybris não é uma forma de pecado ao lado de outras. É o pecado em sua forma total, a saber, o outro lado da descrença, do afastar-se do centro divino ao qual o ser humano pertence. É o voltar-se para si mesmo como centro de seu eu e de seu mundo. Mas esse recurvar-se em si mesmo não é efetuado por uma parte especial do ser humano, como por exemplo, o seu espírito. Toda vida do ser humano, inclusive sua vida sensual, é espiritual. E é na totalidade de seu ser pessoal que o ser humano se torna centro do seu mundo. Isso é sua hybris; isso se chamou de “pecado espiritual”, cujo principal sintoma é o fato do ser humano não reconhecer sua finitude (TILLICH, 2005, p. 345).

Finalizando a seção, podemos afirmar que, para nosso autor, o conceito de hybris também possui como exemplo realizações no mundo pagão da tragédia grega. Na tragédia grega, Tillich afirma que hybris humana pode ser representada não pelo pequeno feito e medíocre, mas, sobretudo, nas atividades dos heróis grandiosos (TILLICH, 2005, p. 344). A imagem mítica da hybris do herói grego constela simultaneamente símbolos de transgressão e de criação (LEITE, 2012, p. 92). A tradição homérica chama os heróis de “semideuses”, contribuindo para fixar a ideia da hybris que homem pode ser Deus (LEITE, 2012, p. 93). Proporcionalmente, ao chamar os heróis de “semideuses”, os poemas de Homero entendem que o homem poderia possuir características semelhantes aos deuses tais como: poder, coragem e virtudes (LEITE, 2012, p. 93). Assim, é possível defender que a hybris vem a ser este processo de transgressão dos limites do homem, todavia, – na tradição grega – o métron, de que resulta uma perigosa proximidade entre o deus e o homem, e que muitas vezes - nem sempre - atrai a cólera divina, pode literalmente significar injúria, insulto, blasfêmia, ofensa (LEITE, 2012, p. 93).

2. 2. 4 Alienação como “concupiscência”

O terceiro fator desencadeado na alienação existencial apresentado por Tillich é a “concupiscência”. Buscando estabelecer uma conceituação adequada do respectivo termo,

Tillich explica que a mesma é compreendida como resultado direto da descrença e da hybris. Por exemplo, do ponto de vista qualitativo, todos os atos em que o ser humano se afirma existencialmente apresenta dois polos. Quando o ser humano procura separar o seu centro do centro da vida divina, ocorre a descrença. Quando o ser humano procura converter em centro de si mesmo e de seu mundo temos a hybris (TILLICH, 2005, p. 346). A conjunção de ambos os polos, possibilita o aparecimento da “concupiscência”.

A concupiscência é definida como sendo aquele estado ilimitado de desejo onde homem é tentado a atrair a realidade toda para o próprio eu (TILLICH, 2005, p. 346). Segundo Tillich, trata-se daquele desejo referido a todos os aspectos da relação que o ser humano estabelece consigo mesmo e com o mundo (TILLICH, 2005, p. 346). Inclusive é possível que ela esteja presente tanto na fome física como o sexo, tanto na busca do conhecimento como também no desejo de poder (TILLICH, 2005, p. 346). Portanto, originalmente o conceito de concupiscência deve ser medido de maneira ampla e não- restritiva. Todavia, erroneamente esse mesmo conceito tem sido restrito, o chamado “desejo sexual”. Essa abordagem está presente na reflexão teológica de Agostinho a Lutero (TILLICH, 2005, p. 346). Tal restrição conceitual é incapaz de estabelecer conexão com o conceito de alienação existencial.

Assim, segundo Tillich, para compreender o conceito de concupiscência é necessário reinterpretar o conceito de condição humana, voltando-o a sua original perspectiva abrangente. Essa tarefa teria sido feita por diversos, dentre os quais o teólogo alemão destacou os trabalhos de F. Nietzsche e S. Freud (TILLICH, 2005, p. 347). 48 Sobre o primeiro, Tillich destacou a sua noção de “vontade de poder”. Sobre o segundo, sua doutrina da libido. Visto que ambos ignoraram profundamente o contraste entre “ser essencial” e “ser existencial”. Tanto Nietzsche como Freud, interpreta o ser humano como sendo exclusivamente em termos de concupiscência existencial, omitindo assim qualquer referência ao Eros essencial do ser humano (TILLICH, 2005, p. 347). Ora, a “vontade de poder” nitzscheana é encarada por Tillich como uma palavra semelhante à palavra amor e justiça (TILLICH, 2004, p. 24).

48 A opção de se propor a ser um teólogo na fronteira fez com que Tillich estabelecesse um diálogo fecundo com

diversas áreas do conhecimento humano. No entanto, sua abordagem só seria de fato pertinente, se o mesmo fosse capaz de se impor com elementos de originalidade. Nesse sentido, é preciso que fique claro, que o fato de Tillich utilizar as reflexões de autores considerados não “convencionais” pela teologia tradicional, não fizeram que ele concordasse em absoluto com todas suas teorias. Por exemplo: Tillich não deixou de apresentar suas críticas a Nietzsche e a Freud. Para ele ambos tiveram os seus méritos na compreensão plana da existencial humana, no entanto, ambos também tiveram erros. O primeiro, por não estabelecer normas e princípios pelos quais devemos julgar a vontade de poder (TILLICH, 2005, p. 349). O segundo, por não ter percebido que sua descrição da natureza humana só é adequada ao ser humano em sua condução existencial, mas não em sua natureza essencial (TILLICH, 2005, p. 348).

Segundo o nosso autor, a atitude de alguns teólogos de rejeitarem a filosofia de Nietzsche em nome de uma ideia cristã de amor é errônea. O grande equívoco está em não fazer uma análise ontológica dos conceitos (TILLICH, 2004, p. 43). Grosso modo, “vontade de poder” são em parte, um conceito e, em parte, um símbolo. Portanto, não devemos entendê-la literalmente (TILLICH, 2005, p. 349). Portanto, afirma Tillich:

Na expressão “vontade de poder”, vontade não significa um ato psicológico consciente e poder não significa o controle que exerce o ser humano sobre o ser humano. A vontade consciente de obter sobre os seres humanos está enraizada no desejo inconsciente de afirmar o próprio poder de ser. “Vontade de pode” é um símbolo ontológico para auto-afirmação natural do ser humano na medida em que o ser humano tem o poder de ser. Nietzsche segue a doutrina de Schopenhauer, 49 que considera a vontade com força motriz ilimitada em todo ser vivo, produzindo no ser humano o desejo de alcançar a quietude mediante a autonegação da vontade [...] Nietzsche tenta superar essa tendência proclamando enfaticamente uma coragem que assume as negatividades do ser [...] a vontade permanece ilimitada e apresenta traços demoníaco-destrutivos. Trata-se, pois, de um novo conceito de um novo símbolo da concupiscência (TILLICH, 2005, p. 349).

Tillich também vai defender que o pai da psicanálise em sua doutrina da libido, mesmo – de maneira intencional – teria tocado no sentido original e abrangente do conceito de concupiscência. Segundo ele, assim como a palavra poder, o conceito de libido é mal compreendido (TILLICH, 2004, p. 38). Para muitos, trata-se de uma espécie de “desejo por prazer”. Todavia, esta definição hedonista, está de fato baseada sobre uma psicologia errada que em si mesma é a consequência de uma ontologia errada (TILLICH, 2004, p. 38). Só é possível uma ontologia correta do conceito de libido quando o mesmo é pensado a partir do conceito de amor. Portanto, nem a libido nem a vontade de poder são em si características da concupiscência. Para Tillich, ambas se tornam expressões da concupiscência e da alienação quando não estão unidas ao amor, ou seja, quando carecem de todo objeto definido (TILLICH, 2005, p. 349).

2. 2. 5 Alienação como fato e como ato

Quando comparamos a problemática entre alienação individual e coletiva, automaticamente devemos tocar – ainda que de maneira hipotética – na questão do chamado

49 Para A. Schopenhauer a essência de nosso ser é caracterizada como: vontade. Isto é, somente a imersão na