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A alternância da expressão do aspecto contínuo

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 84-92)

5. Resultados e análise

5.3 A alternância da expressão do aspecto contínuo

Nesta seção, apresentaremos os resultados das ocorrências de Pretérito Imperfeito e Passado Progressivo com significação contínua. É importante esclarecer

74 que o foco dessa seção não são as formas perifrásticas. As mesmas apresentam valor contínuo progressivo como já observamos em exemplos da seção anterior. A perífrase seria a expressão canônica desse aspecto.

Nossa intenção é identificar o que favoreceria o uso da forma simples com valor aspectual de continuidade, além do de habitualidade. Mas aqui, faremos a sequência inversa da seção anterior. Em 5.2, apresentamos os dados estatísticos e, posteriormente, discutíamos os exemplos. Nesse momento, é importante analisar cada exemplo selecionado para compreender adequadamente os dados da tabela. Comecemos com (71):

(71) 692 I: (risa) sí sí sí pero/ no no no// me/ me dolieron más otras perforaciones 693 E: ¿ah sí? 694 I: sí 695 E: órale 696 I: esas son las que// o sea al igual y/ al instante sí/ sí es así como/// como que/ sientes// un impacto así// eh/ no así muy doloroso pero sí dices “ay”/ o sea no es// como te imaginabas (estabas

imaginando) y también// pues más bien// eh // es soportable// ¿no? 697 E: ¿es más

leve que el dolor de los tatuajes// el de las perforaciones? 698 I: eh / pues depende// un tatuaje pues chiquito/ no duele/ bueno/ sí duele pero no como una perforación// si te haces una pieza grande/ y en una sesión

No trecho acima, o participante da entrevista comenta sobre as ocasiões em que colocou piercing e sobre a dor que sentiu. A ocorrência destacada está na forma de imperfeito e parece, inicialmente, expressar uma noção de habitualidade. O verbo “imaginar” tem um traço [- dinâmico] e por isso é um verbo de estado. Nessa sequência, também não identificamos nenhum advérbio de tempo, ou seja, está sem especificação pela ausência de um adjunto. Mas, se for empregada uma perífrase passado com o mesmo verbo, percebemos que a frase mantém seu sentido.

Ao utilizar “imaginabas” é possível duas interpretações: (i) o falante imaginava como seria aplicar um piercing com recorrência; (ii) o mesmo falante estava pensando continuamente num período de tempo específico. Vejamos o caso de (72):

(72) é// pues eso/ ¿no?/ el ateísmo y// y // vas/ en parte el proceso y// pues sueles criticar a la gente/ ¿no?/ que/ ya sea que// religiosa o/ no sé// pasas por ese proceso/ por el proceso de que// ves a gente más grande que tú/ no sé/ mi caso/ mi hermano/ que ya había terminado la escuela/ trabajaba (estaba trabajando)/ y llevaba una vida de rutina/ y yo decía que puf/ que qué /// pues mal/ ¿no?/ por su vida/

75 ¿no?/ ya n-/ ya con una rutina/ un horario establecido/ oficina y todo eso/ y este// solía criticarlo/ no de forma// mala onda/ ¿no?// pero sí llegué/ a hablar con él varias veces de eso/ ¿no?// pero/ no sé// n

Em (72), destacamos o verbo “trabajar”. O informante está comentando sobre um irmão que já tinha terminado os estudos e trabalhava e tinha uma rotina. O verbo em negrito, conforme a classificação verbal na qual nos baseamos, apresenta uma dinamicidade mas não um telos. Nesse caso, é classificado como uma atividade. Assim como (71), também não apresenta nenhuma expressão de tempo.

Esse sintagma também pode apresentar duas noções aspectuais: (i) ou irmão do informante trabalhava repetidamente, com frequência; (ii) ou seu irmão já estava trabalhando após terminar os estudos, ou seja, uma leitura contínua. Abaixo apresentamos a análise da sequência (73):

(73) de segunda clase// nosotros “pues bueno/ o sea igual/ va a ir gente parada/ pero nosotros con nuestros lugares”/ ¡pues no / era mentira eso!// y anda- estuvimos parados un rato/ ¿no?/ como dos horas// no fue mucho/ pero / igual y/ J y yo/ porque nos regresamos él y yo/ porque mis amigos con quien iba/ se quedaron/ más tiempo// pero yo me regresé con él// y pinche impotencia igual/ bien cabrón/ y

ayer (PONTUAL) le decía (estaba diciendo) a/ a J/ le decía (estaba diciendo) “güey/

es que esta impotencia no la había sentido”/ dice “sí/ güey/ acuérdate/ Michoacán”/ y yo “ah/ neta/ ya nos había pasado” (risa)// pues así/ ojete/ la impotencia

No caso de (73), destacamos o verbo “decir” e o advérbio “ayer”. Como já explicitamos, classificamos esse verbo como processo culminado por envolver dinamicidade para que o evento ocorra. Além disso, no contexto da sentença, assim que o falante termine de pronunciar a frase que segue entre aspas, terminou o evento. Quanto ao advérbio temporal, o informante emprega “ayer” (ontem), cuja característica principal é o traço [+ pontual].

Com a presença do advérbio, está delimitado o momento em que a ação acontecia. Nesse caso, “decía” enseja uma leitura contínua. O evento estava em andamento no dia anterior. Esse exemplo é outro caso em que o uso da perífrase seria possível justamente por esse contexto não ser de habitualidade mas de continuidade.

76 Em (74), também observamos o mesmo tipo de interpretação de (73), contudo sem uma expressão adverbial de tempo:

(74) odo eso 741 E: no chingar nada/ [¿no?] 742 I: [ajá]/ entonces es más difícil/ es la única perforación// difícil que se me hace con ese método/ pero todos las demás// son igual 743 E: con todas las demás/ [cualquiera de los dos] 744 I: [vale]/ [sí sí sí] 745 E: [órale] 746 I: y también/ pues como tú/ mencionabas (estabas

mencionando) / de/ la/ pistola 747 E: ajá 748 I: eso/ no es recomendable 749 E: ¿no?/

ni para… 750 I: no porque una/ pistola/ no se puede esterilizar 751 E: mm 752 I: entonces// pues por eso/ pues te pueden pa-/ contagiar de una hepatitis/ a/ hasta una hepatitis be/ no sé 753 E: claro 754 I: igual ha

O exemplo (75) indica ocorrências com interpretações flutuantes. Como já analisamos em exemplos anteriores, os verbos “trabajar” e “estudiar” são [+ dinâmicos]. Por não serem instantâneos, não podem ser considerados culminações. O participante menciona que já trabalhava e estudava antes de terminar a faculdade na cidade. Esse marcador encabeçado por “antes” possui um caráter durativo. Inclusive porque o sintagma preposicional que o segue não fornece uma leitura de um momento específico no passado, mas sim um período não delimitado.

No contexto dessa sequência, os eventos de “trabajar” e “estudiar” terminam a partir do momento em que terminou o período de tempo da faculdade, apresentando um telos. Por isso, nesse contexto, são categorizados como processo culminado. Essas ocorrências podem apresentar duas leituras: (i) ou os eventos ocorriam sucessivamente naquele período de tempo ou (ii) são eventos únicos e contínuos no mesmo período. Analisando as sequências abaixo, as duas opções são possíveis:

(75) 14 cil] 46 I: si yo voy a Coyoacán// Iztapalapa o sea / a mí pues se me hace// lejísimos 47 E: claro 48 I: pero por ejemplo// yo/ antes de terminar la

universidad (DURATIVO) / yo trabajaba (estaba trabajando) y estudiaba (estaba estudiando) // y trabajaba/ en las mañanas// en Iztapalapa y luego/ después ya me

venía aquí a estudiar/// y te acostumbras/ me aventaba yo como dos horas 49 E: ay qué pérdida de tiempo/ ¿no?// debería ser como que todo debería estar cerca 50 I: ah/ pues claro/ es lo óptimo/ ¿no?/ pero// o sea así es/ de hecho// sí co-/ ahora sí que/ ahorita que/ estoy en lo laboral// conoces a mucha gente que viene de muy lejos// por ejemplo

77 A sequência (76) tem como destaque o advérbio “en ese momento”, cuja natureza é pontual, e o verbo estativo “necesitar”. Como não tem uma interpretação por etapas ou fases, esse verbo se adequa à classe dos estativos por ser mais homogêneo, isto é, [- dinâmico]. Porém, com a presença do advérbio, “necesitaba” não tem uma leitura habitual.

A informante comenta que, num dado momento de sua juventude, precisou amadurecer mais rápido. A leitura obtida é a de que, naquele momento, ela estava precisando amadurecer. Não há espaço para uma leitura habitual, mas sim para uma interpretação contínua, conforme apresentado abaixo:

(76) 9 mh 44 I: como que siempre me tocó// y nadie me las/// impuso/ nadie me dijo/ “tú tienes que cocinar/ tú tienes que// ser tutora de tus hermanos/ tú tienes que ayudarme con tu abuelita”/ o lo que fuera/ ¿no?/ nadie nadie/ o sea yo lo hice porque consideré que era lo correcto/ porque en ese momento (PONTUAL) se

necesitaba (estaba necesitando) // de por sí maduré/ muy chica 45 E: mm 46 I: y

luego con eso/ me enfrenté a/ situaciones fuertes/ me hizo/ como que madurar también en ese aspecto// entonces/ como que/ la responsabilidad hacia un hijo/ no me asustaría/ ni el tener que levantarme más temprano/ el tener que trabajar doble

A partir desses exemplos, pudemos verificar que tanto verbos estativos quanto eventivos parecem permitir a coocorrência do imperfeito e da perífrase de passado progressivo em contextos de continuidade ou duratividade. Entretanto, algumas categorias propiciam tal fenômeno preferencialmente. A seguir, apresentaremos os dados quantitativos relativos à combinação (a) do fator expressão do aspecto contínuo e tipo de verbo; e (b) do fator expressão do aspecto contínuo e tipo de expressão adverbial de tempo. Após as devidas descrições, discutiremos algumas implicações teóricas.

TABELA 7 – IMPERFECTIVO CONTÍNUO x TIPO DE VERBO ESTADO (%) ATIVIDADE (%) P. CULMINADO (%) CULMINAÇÃO (%) IMP 23 76,7 14 87,5 24 54,5 0 0.0 PPROG 7 23,3 2 12,5 20 45,5 2 100 TOTAIS 30 100 16 100 44 100 2 100

78 Na primeira coluna da tabela 7, apresentamos as frequências do imperfectivo contínuo na forma de pretérito imperfeito. Quando tal aspecto está expresso na forma simples, houve uma preferência pelos verbos de processo culminado. No caso da perífrase, também é verificado o mesmo quadro. Esse último resultado já era esperado e acompanha a descrição de Freitag (2007, 2011), a qual argumenta que haveria uma relação positiva entre PPROG com o traço [+ dinâmico]. Isso ocorreria tanto no PB, quanto em línguas como o italiano e o espanhol.

Da mesma forma, considerando essa distribuição da progressividade relacionada a [+ dinamicidade], verificamos que a categoria verbal de processo culminado se mostrou favorecedora na ocorrência de IMP com valor contínuo (exemplos (73), (74) e (75)). Givón (2001) aponta que, com verbos dessa categoria, a interpretação do imperfectivo habitual e contínuo é flutuante, sendo possíveis as duas interpretações.

Dessa maneira, o caráter [± dinâmico] do verbo parece direcionar essa distribuição nos dois valores aspectuais. Conforme Freitag (2007, 2011), verbos [+ dinâmicos] tendem a ser compatíveis com as duas formas, mantendo a mesma leitura contínua e progressiva. Nesse sentido, os resultados encontrados coadunam com a descrição feita pela autora já para o PB.

Do ponto de vista do gerativismo, esse quadro aspectual semelhante indica insumos importantes. No capítulo 1, assumimos um pressuposto fundamental do Gerativismo. Sob essa ótica, existe um conjunto de princípios linguísticos que compreendem todas as línguas naturais, denominado Gramática Universal (GU), num estágio inicial de aquisição da linguagem. Levando isso em consideração, numa perspectiva minimalista (Chomsky, 1995), a criança seleciona os traços dos dados linguísticos primários (DLP) respectivos ao idioma a que está exposta, e descartar os outros.

Se é necessário que haja essa interação entre os DLP e os princípios da GU de uma língua, entende-se que tais princípios, diante da gama de línguas naturais existentes no mundo, poderiam ser universalmente válidos para todas. Conforme Raposo (1992), as gramáticas particulares dos falantes seriam compatíveis com o conhecimento linguístico que possuem no início do processo de aquisição.

Esse pressuposto, já apresentado, é o que se denomina de Universalidade Linguística. A distribuição das formas de imperfectivo contínuo e habitual apresentada

79 para o espanhol da Cidade do México se aproxima àquele descrito por Freitag (2007, 2011) para o PB. Isso parece indicar que, no que se refere ao quadro aspectual para o imperfectivo, as duas línguas se mostram bastante semelhantes.

Como exemplo, a ocorrência em (76), reescrita em (77), é parecida com os exemplos fornecidos pela última autora para o PB, reescritos em (78) e (79):

(77) o sea yo lo hice porque consideré que era lo correcto/ porque en ese

momento (PONTUAL) se necesitaba (estaba necesitando) // de por sí maduré/ muy

chica.

(78) Na época que eu mais precisei dele, que eu mais precisava de um apoio, foi quando a minha mãe morreu.

(79) Aí também foi na época que a gente voltou, a gente estava precisando economizar pra começar nossa vida.

Por fim, na tabela 8, indicamos os resultados relativos à combinação das formas de imperfectivo contínuo com os tipos de expressão de tempo.

TABELA 8 – IMPERFECTIVO CONTÍNUO x TIPO DE EAT

DURATIVO (%) PONTUAL (%) SEM EAT (%)

IMP 3 60 11 61,1 48 68,6

PPROG 2 40 7 38,9 22 31,4

TOTAIS 5 100 18 100 70 100

Verificamos que o contexto de ocorrência do contínuo, tanto expresso por imperfeito quanto pela perífrase PPROG, é a ausência de advérbio temporal. Discutimos que isso poderia ocorrer tanto pela natureza facultativa do adjunto de tempo, quanto pelo tipo de registro linguístico do corpus, entrevistas transcritas, que não permitem controlar a produção de determinados itens no discurso.

No entanto, de acordo com a tabela acima, pode-se observar que as expressões adverbiais pontuais são mais compatíveis com PPROG e IMP, caso o valor que expressem seja imperfectivo contínuo. Analisando especificamente a forma IMP, é importante retomar Yllera (1999) para o espanhol. A autora defende que, quando houver advérbios de natureza pontual (ahora, en ese momento, en esos días), a forma simples de imperfectivo passado pode ocupar a posição da perífrase (exemplos (73) e (76)). Isso também pode ocorrer caso não haja advérbio temporal

80 algum (exemplos (71), (72) e (74)). Na análise feita para esta dissertação, encontramos essa mesma distribuição proposta por Yllera (1999).

É importante relembrar que, nesta pesquisa, não há o objetivo de afirmar que a organização aspectual do espanhol da Cidade do México está em mudança. Os dados que servem de base para a análise apresentada, nesta dissertação, são insuficientes para isso. As entrevistas selecionadas foram feitas de 2000 a 2005 e não seria possível afirmar qualquer posição sem um estudo comparativo mais rico. No entanto, um conjunto de dados sempre permite algumas considerações sobre os fenômenos linguísticos.

De fato, observamos que há uma coocorrência entre as formas IMP e PPROG no que diz respeito à expressão do imperfectivo contínuo, segundo o que está descrito na tabela 1 e nos exemplos. Ao longo desta seção, também identificamos que os verbos de processo culminado, a ausência de EAT’s e, quando houver expressão temporal, EAT’s pontuais, favorecem essa co-ocorrência. Neste caso, os dados parecem indicar um pareamento na significação aspectual das duas formas de aspecto imperfectivo contínuo (IMP e PPROG) devido ao traço [+ dinâmico] de verbos como os de processo culminado e [-durativo] das expressões adverbiais.

Diante disso, podemos retornar à argumentação de Lightfoot (1999). Para o autor, os novos usos das formas linguísticas se devem à exposição do indivíduo a dados linguísticos primários (DLP) diferentes dos já adquiridos por indivíduos de gerações anteriores. Assumimos que a natureza dos DLP funciona como uma experiência detonadora, a partir da qual novos traços e configurações podem provocar uma reanálise gramatical. As gramáticas particulares fixadas após a aquisição teriam uma organização diferenciada.

O que a análise parece sugerir é que o traço de aspecto imperfectivo contínuo em si está preservads nos seus respectivos contextos. No entanto, o pretérito imperfeito parece ser um tempo verbal com significações aspectuais múltiplas, permitindo outras leituras dependendo do contexto em que apareça. E, retomando as condições de boa formação de sentenças na computação linguística (seção 5.2), parece ser mais interessante empregar uma forma que possa representar noções aspectuais múltiplas.

81 Na seção 5.4, comentaremos sobre outros valores do pretérito imperfeito que não foram considerados, porém demonstram as possíveis interpretações que esse tempo verbal pode apresentar.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 84-92)

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