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A ampliação da antiga necrópole e a construção de um novo espaço cemiterial

XX. Campinas: Editora da Unicamp, 2009, p.254.

1.3 A ampliação da antiga necrópole e a construção de um novo espaço cemiterial

Não foram poucos os applausos recebidos por esta folha pelo seu artigo, sobre o cemitério local, publicado a semana passada. Isto é consolador e prova ainda a generosidade do nosso povo que não applaude os actos da administração que assim procede para com aquelles que nos merecem a mais solemne veneração.De resto o assumpto tem sido tratado, em nossas columnas, mais de uma vez para que todas saibam do nosso apoio a esse deselo da administração municipal, e, se nesse momento saímos da serenidade que nos é peculiar para trazer a publico factos repugnantes como os apontados em nosso numero passado, culpa tem n’a aquelles que á frente dos nossos serviços públicos não nos ouviram e desprezaram as queixas do povo que traduzimos com a sinceridade de sempre.Agora é fácil com nossas palavras as razões que nos assistiam, quando melhor a avisávamos aos nossos homens públicos o seu verdadeiro caminho. E se dentro das suas consciências não puderem pairar, tranquilamente as nossas phrases de então, gravem-se, ao menos no, as razoes de sempre estiveram comnosco para que amanhã outros erros não sejam igualmente comettidos embora apontados por quem só deseja o maior bem estar de Uberabinha117.

Os elogios que o autor da crônica se refere no trecho transcrito acima é sobre Parce

Sepultis, texto que está no início deste capítulo, que fora publicado na semana anterior em que

relatava a situação precária e de desrespeito aos mortos no Cemitério Municipal. Conforme trabalhado na seção anterior a relação entre o público leitor e do material publicado, fazendo destes leitores julgadores do que era noticiado, parece ter sido o caso da matéria acima em que o

116 04/03/1928. DO NORTE AO SUL. A Tribuna. Autor Desconhecido. Diretor Proprietário Agenor Paes. Ano 10,

n°405, p.1.Arquivo Público Municipal de Uberlândia.

117 26/07/1927. A questão do Cemitério. A Tribuna. Autor Desconhecido. Diretor Proprietário Agenor Paes. Ano

cronista recebeu aplausos diante da reclamação. Aqui, importante ressaltar, que diante das “queixas do povo”, a imprensa se apresenta como porta-voz desse “povo”.

Mas, esse descontentamento com a situação da necrópole do município em 1927, não tinha sido a primeira em Uberabinha. Pelo anseio da cidade moderna e progressista, o cemitério edificado em 1881 que antecedeu o aludido na crônica acima, também apresentou antes de sua desativação na década de 1910 problemas quanto o seu aspecto. Em Uberabinha, nas décadas de 1900, 1910 e 1920 a discussão sobre o que fazer com os espaços cemiteriais existentes esteve presente com boa frequência, não somente em textos publicados nos periódicos locais, como também nas reuniões da Câmara Municipal.

Nesse contexto em que os ideais modernos se achegam com mais ênfase em Uberabinha, durante esse período de transição, uma pergunta interessante a ser feita ao estudar esse período é a seguinte: qual o lugar dos mortos na cidade? Ao ler as crônicas de 1920 é preciso ter em mente que essas não tinham sido as primeiras reclamações sobre o local dos mortos na cidade. Antes de desativar o segundo cemitério em 1916, muitas foram as solicitações nos periódicos locais para que se fizesse algo no lugar da antiga necrópole, em razão do abandono que o local se encontrava.

Já temos pela imprensa, mais de uma vez nos referido ao abandono em que jáz o pobre cemiterio. Todas as vezes em que passo junto às ruinas parece-me que ouço o gemido dos pobres mortos, lamentando o esquecimento em que jazem. No entanto, entre as raças menos civilisadas, nòs vamos encontrar a veneração que dedicam aos seus queridos mortos118.

Como, segundo o autor da crônica, o estado do velho cemitério nesse período de transição era deplorável em função do esquecimento dos que ali estavam sepultados, a edificação de uma praça era vista como uma boa saída para aquele local até então abandonado, lamentando assim o descaso das autoridades municipais com os restos mortais daqueles que contribuíram para a construção de Uberabinha.

Realmente é triste, toca ao coração ver-se aquelle santo lugar, em que repousam mortos illustres e queridos, reduzidos a um estado assim! Sabemos que não se fará a conveníente e necessaria trasladação dos ossos alli existentes com as formalidades para o novo Campo Santo, e assim lembramos mais uma vez ao publico a ideia que tivemos de fazer d’aquella praça um jardim, porquanto, antes cobrir-se de flores o cemiterio velho do que deixa-lo reduzido a pasto como se acha elle actualmente119.

118 03/11/1907. O Velho Cemitério. O Progresso. Autor desconhecido. Redatores chefe e proprietários: Sr. Acácio de

Azeredo e Sr. Joaquim Cupertino. Ano 01, nº 07, p.1. Arquivo Público Municipal de Uberlândia.

11904/05/1907. Medidas Urgentes. Nova Era. Autor desconhecido. Redator chefe e proprietário, Sr. Nicolau Soares.

Ano 01, nº18, p.1. Além dessa crônica, nesse mesmo periódico, há o mesmo pedido em “Jardim” datado de 09/03/1907, que já abordava o assunto.

Esse apelo por modificações no terreno do antigo cemitério partia de um modelo mais

“agradável” de ser visto e assim menos “triste e revoltante”120. Importante observar também a

localização deste cemitério municipal de 1881. Na época foi edificado fora do perímetro urbano da cidade. Esse afastamento dos cemitérios da área que será compreendida como central da cidade no século XX, deixando na inauguração nos limites urbanos da cidade, mais do que estar ligado a uma ideia de não aceitação da morte ou de relação das reformas urbanas com progresso, pode estar diretamente ligada a políticas higienistas para a cidade de Uberabinha. Essa política foi reforçada no ano de 1913, pois “a higiene pública é alvo de severa atenção, ocupando um terço

dos artigos de Códigos de Posturas”121.

Se o antigo cemitério atrapalhava o plano de uma nova Uberabinha por estar localizado no centro da cidade, a necrópole que já fora edificada fora do perímetro urbano no final do século XIX, tinha como problema, além de uma super lotação, sua divisão espacial, como veremos a seguir. As concepções sobre o morrer e as práticas fúnebres acompanharam as mudanças ao novo modelo de cidade proveniente da Europa, que atingira cidades como Rio de Janeiro e São Paulo e que aos poucos adentrava o interior do país. Essas novas relações entre vivos e mortos dentro da urbe, Dillmann assim explica:

A morte e o enterro passaram a ser tratados como elementos a serem pensados no contexto das novas ideias de modernização. Os cemitérios não mais faziam apenas parte da urbanidade, mas também representavam concretamente as mudanças de atitudes, percepções e comportamentos... No início do século XX, disposições médicas, higiênicas e de saúde pública fizeram parte do cotidiano da vida nos centros urbanos. Os preceitos sanitários visando à manutenção da limpeza das casas, das ruas e os ambientes de uso público eram regulares e vistas como necessárias, tanto pelos políticos, quanto pela classe média urbana, que tinha a imprensa como suporte de divulgação das ideias122.

O Cemitério Municipal mesmo fora do centro e relativamente distante, na época, dos principais bairros de Uberabinha, não atendia o modelo de cidade moderna, progressista, civilizada e saudável que as elites da localidade tinham em mente. Ele não acompanhava o modelo das necrópoles modernas das grandes cidades brasileiras. As transformações urbanas coincidem com uma nova, ou diferente, atitude diante da morte. O deslocamento espacial é índice dessa mudança de atitude.

120 No periódico Nova Era, ainda na crônica “Medidas Urgentes”, são esses os termos usados pelo autor. 121 DANTAS, 2009. Op. Cit., p.130.

No mapa abaixo123, datado de 1898, é possível visualizar os cemitérios existentes em

Uberabinha do final do século XIX e início do XX. Atendendo a um modelo moderno de cidade, especialmente próximo a antiga necrópole e Igreja Matriz (área central), a urbe conta com ruas retilíneas no seu novo traçado. Da mesma forma encaixa-se o cemitério edificado em 1898. Distante no período da área central e próximo de áreas não bem quistas dentro da urbe, como uma pedreira e cadeia.