• Nenhum resultado encontrado

século XX. Itinerário profissional de Alexandre Albuquerque e o debate sobre a cidade In: X Seminário de História

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essas considerações finais bem podem ser chamadas de considerações iniciais. Isso porque, percebemos ao longo da pesquisa que, pela riqueza das fontes coletadas, muitos outros trabalhos sobre a morte e o morrer em Uberabinha/Uberlândia poderão ser escritos e reescritos.

No que compete a esse trabalho, ao percorrer mais de 50 anos do passado de Uberabinha/Uberlândia, tendo como objeto os espaços cemiteriais dessa cidade, fica evidente o quanto os projetos para a experiência urbana dos vivos terminaram por afetar a morada dos mortos. Tanto nas melhorias promovidas, bem como as decisões que produziram e até ampliaram a separação e desiguldades socias entre os vivos, acabaram fazendo-se presente nas necrópoles uberlandenses.

Importante ressaltar essa história dos cemitérios de Uberabinha/Uberlândia não é somente dessa localidade. Assim como pensamos não existir somente a história regional, consideramos igualmente que não exista uma história sem ser regional. Como afirma Durval Muniz de Albuquerque Jr: “O historiador regional tem que deixar de ser o historiador regional... o

historiador do regional deve, acima de tudo, evitar aderir a qualquer discurso regionalista”507.

A limitação geografica e cultural não só é inventada como é muito tênue, e por isso toda essa história dos cemitérios uberlandenses, ao mesmo em que tem suas especificidades, não está desassociada de um contexto bem mais amplo.

Na história dos espaços cemiteriais e das práticas fúnebres em Uberabinha/Uberlândia não foi diferente. O desejo por ter uma nova cidade, bem como do progresso e embelezamento não foram eventos isolados desta localidade, mas foram reapropriados e remodelados com base nas práticas e tradições locais. O discurso do progresso, que por vezes foi denominado por parte da literatura produzida sobre Uberlândia como identidade local, é questionável. O desejo progressista também ocorrera, com menor ou igual êxito, em tantas outras localidades do interior do Brasil.

Nessa pesquisa, percorrendo não as ruas ou os trilhos, mas os túmulos, deixa claro o quanto a ideia do novo, do progresso e do embelezamento nessa temporalidade (1898-1955),

507 ALBUQUERQUE JR; Durval Muniz de. O objeto em fuga: algumas reflexões em torno do conceito de região.

também atingiu os cemitérios urbanos. Quando então os governantes locais discutem em 1919 o que fazer com o cemitério edificado em 1898, a ideia vai muito além de resolver um problema de superlotação do espaço cemiterial, mas passa pelo ideal do novo e do belo.

Do novo porque justamente nesse período, décadas de 1910 e 1920, o plano, conforme mapa de 1915 apresentado na página 57 do trabalho, está sendo colocado em prática. Mesmo que não fique manifesto, um cemitério próximo do centro da urbe não fazia parte do projeto de cidade. Basta lembrar que o cemitério construído em 1881 deixou de existir para dar lugar a uma praça em 1915, tendo como edificação principal o Paço Municipal. A nova cidade ia abrindo novos caminhos e gradativamente empurrando seus mortos cada vez mais para fora da urbe.

Assim também ocorrera com o embelezamento. Uma cidade saneada, higienizada e arborizada nos planos dos governantes não condizia com um cemitério que não apresentasse as mesmas condições. Nesse sentido, a inauguração do Cemitério Municipal de 1928, o São Pedro, foi emblemática. A opção foi criar um novo cemitério, dentro do conceito de cidade nova, e também que atendesse aos modelos das necrópoles criadas nos principais centros urbanos, com quadras, ruas e avenidas principais de fácil circulação, arborizada e higienizada, ou seja, bela.

A manutenção do Cemitério São Pedro, que neste ano de 2016 completará 88 anos, em detrimento do abandono do Cemitério Municipal de 1898, até sua desativação em 1953, atendeu a esse modelo de novo e belo, reapropriado de outros centros urbanos. E mais do que isso: embasou-se nos moldes dos progressos vigentes na primeira metade do século XX, em Uberabinha/Uberlândia.

Digo esses progressos, tendo em vista que assim como os espaços não existem sem as relações sociais, e as mesmas são mutáveis, o uso dos conceitos também sofrem mutações. O espaço é alterado porque tem história, logo o progresso de 1910 não é mais o mesmo de 1950. Assim o embelezamento, o novo e o moderno, com o passar dos anos, vão recebendo diferentes conotações culturais e simbólicas.

Pela leitura feita através das fontes do período, o progresso teve três grandes ênfases de 1898 à 1955. Enquanto que nas décadas de 1900, 1910 e 1920, em Uberabinha progresso era sinônimo de uma nova cidade, limpa e saneada, na década de 1930 e meados da de 1940 a modernidade e o progresso estavam nas intenções de embelezar por meio da arborização de ruas e praças, bem como na pavimentação das vias da cidade. Já da segunda metade da década de 1940, adentrando os anos 1950, o mundo do trabalho e a especulação imobiliária, com a

valorização das terras do meio, pela justificativa de criação de novos bairros para migrantes/trabalhadores, foi a tônica de uma cidade progressista que avançava em seus limites urbanos.

É importante deixar claro que os conceitos novo, embelezamento, trabalho e especulação se fizeram presentes em todas as décadas, mas que em determinados períodos foram mais acentuados em nome do(s) progresso(s). E essa diferente ênfase no mesmo conceito foi determinante na manuenção do Cemitério São Pedro, como também na desativação do Cemitério Municipal de 1898 e, especialmente, na inauguração do Cemitério São Paulo em 1954.

Se a desativação do Cemitério Municipal em 1953 foi decorrente de seu abandono desde 1928, a criação do Cemitério São Paulo se deve à manutenção da necrópole São Pedro. A criação de mais um cemitério na cidade em 1954, muito antes do que atender uma demanda para novos sepultamentos, parece estar ligada ao desejo de preservação do espaço cemiterial, que desde sua criação recebeu melhorias. O Cemitério São Pedro não somente foi reformado e embelezado, mas no seu espaço foi posto em prática o processo de separação social, o mesmo que ocorria na cidade dos vivos, na Uberlândia dos anos 1950.

Se a construção do Cemitério São Pedro em 1928, para cronistas locais foi um marco na modernização da cidade, o Cemitério São Paulo veio em 1954 para confirmar os anseios da moderização daquele período, baseado na especulação imobiliária, no crescimento a qualquer preço e na dinâmica do mundo do trabalho, onde a exploração e a ganância produziram a miséria e a separação social em nome do lucro. Essa separação social, que por vezes também foi étnica, como vimos no capítulo quatro, reforçando legados históricos do sistema escravista, fez com que muitos não tivessem condições de enterrar os seus no Cemitério São Pedro, mas somente nas covas rasas do Cemitério São Paulo.

A edificação do Cemitério São Paulo em 1954 cumpriu com seu papel “limpar” o Cemitério São Pedro dos indigentes e das famílias sem as mínimas condições financeiras de pagar pelos sepultamentos dos seus entes queridos. Com isso, o Cemitério São Pedro, no seu interior, foi gradativamente eliminando as sepulturas rasas e ganhando túmulos em sua paisagem. Essa mesma paisagem de novas e belas construções era feita na cidade dos vivos, onde terrenos vagos, assim como velhos casebres, tinham que deixar o centro da cidade.

E, se para os mortos de Uberlândia foi possível criar espaços distintos, na cidade dos vivos, de certa forma, ocorreu o mesmo. Ao se criarem bairros distantes do centro da urbe, ou até

mesmo fazendo como que muitos trabalhadores, na maioria negros e brancos pobres, morassem em fazendas e outros locais de trabalho, como curtumes e frigoríficos, a separação entre os vivos também teve seu êxito. Dinâmica que nos faz ter a certeza de que todo espaço cemiterial, além de receber corpos sem vida, é pensado para os vivos e como local de circulação destes. Com a criação do Cemitério São Paulo, não somente os mortos estavam separados, mas também as famílias do que estavam no Cemitério São Pedro, em datas importantes de grande visitação nos espaços cemiteriais, como por exemplo, finados e dia das mães, não mais se encontravam no mesmo espaço cemiterial.

Assim, a cidade projetada, idealizada e edificada para os vivos e para os mortos vai contando sua história e sendo construída e desconstruída como processo. As ruas, os edifícios, as praças na urbe, como os túmulos e suas disposições espaciais no interior do espaço cemiterial vem nos falar pelas representações que cidade é esta, que cidade habitamos, e nas intenções dos gestores, qual o lugar projetado na vida e após a morte.

Como afirmado acima, essas são considerações finais desta pesquisa, mas iniciais sobre a morte e os mortos em Uberabinha/Uberlândia. Trago, apenas como exemplo, a própria história do Cemitério São Paulo. Quais as intenções do poder público, após edificar um espaço cemiterial afastado do centro da urbe e que, após 31 anos, em 1985, é deixado de lado até a sua total desativação como necrópole? Se, conforme Fernando Catroga, o cemitério é um lugar de memória, como entender, como interpretar e analisar essas escolhas que vão desativando ao longo dos séculos XIX e XX as necrópoles em Uberabinha/Uberlândia, exceto o Cemitério São Pedro? Não temos uma resposta única ou definitiva para esta inquietação. A pesquisa nos conduziu, entretanto, a um leque de possibilidades, levantadas no capítulo quatro, que mais se abrem para suposições, do que se fecham para as certezas.

Dentre essas suposições, estão as que nos levaram a acreditar que estavam em jogo os critérios baseados na separação dos indivíduos de acordo com a sua cor, a origem étnica, a sua ocupação profissional, a sua situação econômica na sociedade e a posição de prestígio, ou não, que ocupavam aos olhos da comunidade. Mas o que teria levado o poder executivo a deixar de lado esses mesmos critérios, nos projetos cemiteriais após os anos de 1954-1955, não temos condições de afirmar. Outras pesquisas poderão fazê-lo.

Essa breve história do Cemitério São Paulo, dentro do processo histórico de Uberlândia nas décadas seguintes, em conjunto da permanência do Cemitério São Pedro, como também da

inauguração, em 1986, do Campo do Bom Pastor (um cemitério jardim administrado pela prefeitura), tem muito ainda a esclarecer sobre o lugar dos vivos e dos mortos na Uberlândia, do final do século XX e início do XXI.

Esse trânsito pela história dos espaços cemiteriais existentes e reapropriados da tão bela e desigual cidade permite novas leituras sobre essa localidade em constante movimento. Nesta, praças, escolas, bibliotecas e Vila Militar que se ergueram sobre os restos mortais daqueles que tiveram suas trajetórias de vida interrompidas, transformaram não apenas a paisagem urbana, mas também a história da cidade.