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CAPÍTULO II: O SURGIMENTO DOS INCIDENTES E DOS COLEGIADOS

2. A ampliação infraconstitucional da competência do STJ

O art. 14, § 4º, da Lei nº 10.259/2001 foi responsável pela ampliação das competências do Superior Tribunal de Justiça, ao prever o cabimento de incidente de uniformização a ser interposto contra a decisão do colegiado da TNU, em questões de direito material, a contrariar súmula ou jurisprudência dominante naquela Corte de superposição.

A previsão devolve ao sistema comum as demandas que, até então, tramitavam exclusivamente nos juizados.

A forte suspeita de inconstitucionalidade da disposição legal foi apontada por LUIZ EDUARDO SILVEIRA NETTO,

Criou-se via legislação ordinária uma competência do STJ não prevista no art. 105, do texto constitucional, que estabelece ser ele competente para julgar, em recurso especial, causas decididas, em única ou última instância, por tribunais, os quais nomina, sem referência a decisões de outros órgãos

50 Dispõe o art. 98, I, da CRFB/88: “A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”.

51 Cf. CÂMARA, Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública – uma

abordagem crítica, p. 75.

52 O art. 102, III da CRFB/88 ao prever o julgamento, pelo STF, mediante recurso extraordinário, das

causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida (a) contrariar dispositivo da Constituição, (b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, (c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição ou (d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal, não implica a mesma restrição do art. 105, III, que dispõe competir ao STJ julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais

ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios quando a decisão recorrida: (a)

contrariar tratado ou lei federal ou negar-lhes vigência, (b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal, ou (c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro Tribunal, de modo que é cabível o Recurso Extraordinário (RE) nas causas decididas em única ou última “instância” pelas turmas recursais (sejam elas quais forem: federais, estaduais ou estaduais da Fazenda Pública), mas não é cabível a interposição de Recurso Especial (REsp) nestas mesmas hipóteses, pois turma recursal, malgrado a configuração que vem tomando (especialmente o formalismo e a demora na prestação jurisdicional) não é tribunal regional federal ou tribunal de justiça.

colegiados. Diante disso, de pronto exsurge suspeita inconstitucionalidade do § 4º do artigo 14, da Lei n. 10.259/01, já apontada com alguma veemência pela doutrina e até com certa censura53.

Bem como por JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR:

Por certo, se a intenção da Lei Maior estivesse voltada para a maior segurança jurídica nos Juizados Especiais, certamente não teria feito essa opção político-legislativa, cuja criação está voltada para atender demandas de menor complexidade e valor, de maneira satisfatória a reduzir os problemas decorrentes da litigiosidade contida, mediante a utilização de procedimentos sumaríssimo. E mais: se a Constituição Federal desejasse resultado diverso capaz de conferir aos Juizados Especiais uniformização nacional de seus julgados, teria ampliado a competência do Superior Tribunal de Justiça. Contudo, não foi essa a orientação agasalhada normativamente no art. 98 da Lei Maior que, repetimos, pauta-se pelo princípio da oralidade em grau máximo.

(...)

E, quando alçado o incidente de uniformização para o Superior Tribunal de Justiça, traveste-se em “Recurso Especial”, desta feita com outra denominação, em flagrante burla à competência da Corte de Cassação definida no art. 105 da Constituição Federal54.

Entende-se que o dispositivo é mesmo inconstitucional, exatamente pelos motivos elencados pelos autores acima transcritos.

Nem mesmo o socorro à teoria dos poderes implícitos parece salvar a disposição legal da inconstitucionalidade, já que pressupõe, a teoria de que ora se trata, a existência explícita de atribuições a determinado órgão, sem enumeração de todos os meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos55.

No caso do STJ, porém, a destacada atribuição de uniformização da aplicação do direito federal não é expressa no art. 105, III, da CRFB/88; ao contrário, é decorrente do conjunto de competências insertas no dispositivo constitucional. De modo que é o plexo destas que implica aquela. Extrair, do conjunto das disposições constitucionais relativas à competência do STJ, um papel preponderante da Corte e, na sequência, desse papel assim construído hermeneuticamente, atribuir-lhe mais uma competência, é fechar um círculo autopoiético em que o fundado se torna fundamento

53 SILVEIRA NETTO. Juizados Especiais Federais Cíveis, p. 285.

54 TOURINHO NETO; FIGUEIRA JÚNIOR. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais, em

especial, p. 302.

55 Confira, dentre outros julgados: STF, 2ª Turma, HC 85.419, Relator Ministro Celso de Mello, j.

20.10.2009, em que se reconheceu o poder implícito do Ministério Público (MP) fazer investigações, a partir de poderes explícitos a ele atribuído pela CRFB/88, em especial pelo art. 129, I, VI, VII, VIII e IX.

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primeiro, com a Constituição relegada apenas a fundamento remoto e idealizado. Ademais, como pontuou BERNARDO PIMENTEL SOUZA, para quem “é de constitucionalidade duvidosa56” o art. 14, § 4º, da Lei nº 10.259,

À luz do princípio da indisponibilidade de competências e do princípio da tipicidade de competências, é possível concluir que a competência constitucional dos tribunais é taxativa. Portanto, mera lei ordinária não tem o condão de ampliar a competência fixada no texto constitucional57.

Tal conclusão em nada reduz a relevância da Corte de superposição, apenas impede que, por vias outras que não a emenda constitucional, sejam as suas competências ampliadas.

De opinião diversa parecem ser, entrementes, GLÁUCIO MACIEL GONÇALVES e MARIA ISABEL AMATO FELIPPE DA SILVA, como se pode depreender do conjunto do artigo

Recurso especial repetitivo: a obrigatoriedade da observância da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pelos tribunais de origem, no qual discutem “a

necessidade de observância, pelos tribunais de segundo grau, da tese jurídica fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, tribunal criado com a Constituição de 1988 para ser o guardião da lei federal no país58”.

Embora não verse o texto especificamente sobre a (in)constitucionalidade do art. 10, § 4º, da Lei nº 10.259/2001, há de se aproveitar as reflexões dos autores a respeito da competência uniformizadora do STJ, pois, respaldados – não só, mas especialmente – nas origens históricas que ensejaram a sua criação, evidenciam que o papel preponderante desta Corte “é orientar a aplicação da lei federal e definir a sua interpretação59”, elemento nuclear das discriminadas competências de uniformização

da interpretação da lei federal a ele atribuídas pelas alíneas do art. 105, III, da CRFB/88, atuando como uma espécie de competência antecedente, da qual as demais – discriminadas – são decorrência.

56SOUZA. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória, p. 350. 57Idem, p. 350.

58 GONÇALVES; SILVA. Recurso especial repetitivo: a obrigatoriedade da observância da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pelos tribunais de origem. In: Revista da Faculdade de

Direito da UFMG, n. 60, p. 121.

Ou seja, para a espécie de que ora se ocupa, seria possível concluir que o legislador ordinário apenas viabilizou o exercício da competência constitucional do STJ, abrindo o caminho para que as demandas julgadas pela TNU em contrariedade à jurisprudência naquele dominante fossem finalmente resolvidas pelo órgão que constitucionalmente detém a competência de dizer por último qual é a interpretação adequada e uniforme a se dar ao direito federal.

Este parece ter sido o sentido atribuído pelo STF às competências do STJ, como se pode depreender exatamente da há pouco mencionada decisão no RE 571.572 ED/BA, a permitir a conclusão de que aquele deu seu beneplácito ao art. 14, § 4º, da Lei nº 10.259/2001.

3. A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais

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