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1.2 Melhoria da Educação nos Municípios por meio da Teoria Social do Discurso

1.2.1 A Análise do Discurso Textualmente Orientada – ADTO

Na perspectiva aqui adotada, baseada na Teoria Social do Discurso de Fairclough (2001), existem três dimensões nos eventos discursivos: o texto (análise lingüística), a prática discursiva (natureza dos processos de produção e interpretação textual) e a prática social (mais complexa, busca as circunstâncias do fato discursivo, a moldagem que influencia essa prática e os efeitos daí resultantes).

Dentre as diversas perspectivas teóricas existentes, buscamos trabalhar discurso, manifestação política e ideológica (p.94), no campo lingüístico, enfatizando a interação entre falante e receptor ou escritor e leitor (ou seja, entre processos de produção e interpretação da fala e da escrita e o contexto do uso lingüístico), através do texto22.

No campo das abordagens contemporâneas de análise política, a noção de discurso aqui utilizada relacionou-se às suas condições de possibilidade, nas quais a percepção, o pensamento e a ação condicionam-se à estruturação de um certo campo de significados preexistente (LACLAU, 1993), traduzindo-se em prática política, que se estabelece, se mantém e transforma relações de poder, impulsionados por competir pela fixação de novos significados. Para tanto, utilizamos também a compreensão gramsciniana de que os sujeitos se estruturam por meio de diversas ideologias, fazendo com que complexos ideológicos sejam estruturados e reestruturados, articulados e rearticulados. Nessa perspectiva, o Programa Melhoria pode se submeter a constantes processos de ressignificações por parte de seus diferentes corpos de atores, compostos para o interpretar e implementar.

É necessário reconhecer aí uma relação em que vemos, de um lado, correntes conflitantes ideológicas, que podem reproduzir ou transformar o discurso existente, e de outro, a maneira como esses eventos discursivos se relacionam intertextualmente, revelando o

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Texto, segundo Fairclough, é considerado como uma dimensão do discurso: o ‘produto’ escrito ou falado do processo de produção textual. (2001, p. 21).

equilíbrio instável dos processos hegemônicos. Para estender e aprofundar essa compreensão, Laclau propõe que o discurso seja visto como uma totalidade (precária e provisória), estruturada pela prática articulatória, cujos resultados são imprevisíveis a priori, ou seja, apresentam-se sob a forma de grande fragmentação.

Desse modo, a prática articulatória presente nos discursos atua sempre no sentido de tentar dominar o campo discursivo, mas como, para Laclau, nenhuma formação é totalmente saturada e os momentos23 são contingenciais, vemos sempre uma tentativa parcial de fixação de significados.

Se pensarmos que essa saturação contingencial na fixação de sentidos e a diversidade de suas formas de recomposição e rearticulação potencializam as lutas sociais e dotam as forças históricas de positividade, vemos que o campo do social encerra sempre uma luta em que distintos projetos tentam articular um número de significantes em torno da visão que cada um defende, o que é feito de forma precária e provisória.

Ao se criar uma síntese provisória em torno de um dado conceito, temos a concepção de hegemonia, desenvolvida por Laclau e Mouffe, baseada em Gramsci, em que todos os elementos se fundem em uma vontade coletiva que se torna o novo protagonista da ação social e conseqüentemente da ação política, fazendo-se estabelecer um processo hegemônico, durante algum tempo.

De igual modo, Fairclough (2001, p. 117) entende

que as ideologias são significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das relações de dominação. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 117).

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Momentos ocorrem quando há articulação em torno de um conjunto, de um todo em um discurso, estabelecendo sentido em uma totalidade estruturada. Ex: eleitor, poderes, igualdade no discurso democrático liberal. Outros elementos podem surgir em não articulação com esse discurso, a exemplo dos direitos das minorias.

E que determinados usos da linguagem servem para manter ou estabelecer relações de dominação, em circunstâncias específicas.

Estabelecidos alguns parâmetros fundamentais pela opção e o uso dessa orientação, vemos o delineamento das etapas propostas por Fairclough (2001) em sua Análise de Discurso Textualmente Orientada – ADTO e em sua Teoria Social do Discurso, por meio de categorias e tópicos relativos ao desenvolvimento das análises.

Esse percurso constituiu a base para recuperar as marcas que remetem a um discurso que se especificou por apresentar regularidades, na medida em que se reporta a essa ou aquela formação discursiva, e que foi adquirindo sentidos dentro de um determinado processo de formação ideológica materializado nesse momento histórico.

A primeira categoria utilizada por Fairclough diz respeito à Análise Textual, cuja construção se materializa por meio de uma descrição dos aspectos formais presentes no texto de modo significativo. É nesse nível que o pesquisador deve exercitar a observação, voltada à descrição do discurso.

Desse modo, vemos que as categorias propostas se apresentam, segundo o autor, num movimento ascendente de compreensão da produção, e se referem às seguintes questões: primeiro, o vocabulário que é utilizado na observação do significado de palavras consideradas chaves, buscando explicitar a acepção variável que adota, funcionamento que se traduz como modo de hegemonia e de luta, quando cruzadas com a prática discursiva e relacionadas a outras formações discursivas, reveladoras de outros sentidos para aqueles vocábulos.

Em seguida temos a metáfora, que consiste na tomada de uma palavra por outra e cujo efeito metafórico constitui os sentidos e os sujeitos. Para isso, devemos caracterizá-la, compará-la com outras semelhantes e buscarmos identificar fatores e efeitos que observam sobre o pensamento e a prática ali implícitos.

A categoria seguinte constitui a gramática, que se propõe a abordar três tópicos. O primeiro é a transitividade, que lida com os tipos de processos codificados em orações e os tipos de orações envolvidas na construção do texto, sendo preciso demarcar se são utilizados verbos de relação entre os participantes, como verbos de ligação – ser, estar, parecer, tornar-se etc., ou verbos de ação, que estabelecem uma relação de ação entre o sujeito e o objetivo.

O tópico seguinte é o tema, que trata do ponto de partida do produtor do texto numa oração e da informação que se estrutura por meio de orações num sentido geral. Ele focaliza as construções ativas e passivas na estruturação textual, bem como a explicitação ou a omissão do sujeito, o que pode se revelar uma estratégia passível de várias interpretações, tais como: a irrelevância de sua referência, sua evidência, seu desconhecimento ou ainda, por razões que se revelam políticas ou ideológicas, o que pode induzir ao ofuscamento deliberado do agente, da causalidade ali pretendida e da responsabilidade do que está sendo proposto.

O terceiro tópico da gramática constitui a modalidade, que se revela pelo uso de auxiliares modais, tempos verbais ou advérbios modais ou semelhantes que demonstram o comprometimento do falante ou do leitor para quem o texto está direcionado.

A última categoria de análise textual, proposta por Fairclough (2001, p. 213) é a coesão textual que procura observar os conectivos utilizados e a argumentação, para situar como as orações e os períodos estão interligados no texto, uma vez que os produtores de texto estabelecem ativamente relações coesivas de determinados tipos ao posicionar o intérprete como sujeito, o que entendemos como um trabalho de ordem estritamente ideológica, ainda que o produtor possa fazê-lo de modo inconsciente.

À continuidade da análise da constituição da formação discursiva em torno dos textos da capacitação do Programa Melhoria, vemos que o segundo nível proposto por Fairclough, a Análise da prática discursiva, vai se tecendo em torno de questões que dizem respeito aos três níveis propostos por este autor, uma vez que elas se articulam para

estabelecer uma lógica que permeia o discurso aí referido. Essa dimensão de análise da prática discursiva situa-se na tradição interpretativa dos textos.

Portanto, para essa dimensão, procuramos explicitar origens e motivações da mudança discursiva, como surgiram as contradições entre as posições de sujeitos tradicionais e novas relações que foram se estabelecendo e se conformando em função de recomposições sociais, reposicionamento de sujeito e as práticas políticas daí decorrentes, tendo sempre presente que essas lutas estruturais se colocam principalmente nos níveis institucionais e societários.

Após termos feito a opção pela análise de discurso para compor o nossa estudo, passamos à definição de um corpus24 de amostra de discurso e à definição de dados suplementares que foram utilizados na pesquisa.

Algumas questões se colocaram a partir da necessidade de nos apropriarmos de uma apreensão de sentidos, estabelecidos pelos diferentes sujeitos envolvidos no Programa, na busca não apenas de uma caracterização básica desse discurso hegemônico, mas dos possíveis redirecionamentos desses sentidos e das ações no nível local.