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À página 38, no Glossário, vemos:

PARTICIPAÇÃO: De um modo bastante amplo, pode-se definir a participação como tomar parte em alguma coisa e, portanto, subjacente à idéia de partilha. Mas precisamos esclarecer melhor o que entendemos por isso; afinal tomar parte em algo de uma partilha pode ser na condição de simples espectador (o que toma parte de pouco), até ocupar o papel central (o que toma a maior parte). Para que todos possam participar, para que a partilha seja eqüitativa, é importante que tenham um papel igual, ou seja, que não se centralizem as escolhas nas mãos de poucos e que a opinião de todos formule a decisão final. Entendemos por participação não a mera consulta dos envolvidos mas, antes, a sua deliberação. Todos os envolvidos devem estar em condições de decidirem juntos, que cada decisão particular tenha o mesmo valor que a de uma pessoa importante. Afinal, se queremos resolver problemas, todas as falas devem ter a mesma importância. A idéia aqui é tentar cercar um problema em toda a sua amplitude, pela visão de todos os prejudicados por ele, e, principalmente, partilhar benefícios e responsabilidades. Não é à toa que a palavra “participação” vem sempre acompanhada do adjetivo “política” e que todas as pesquisas em torno desse

assunto estejam ligadas aos regimes democráticos. A circunferência, uma importante forma geométrica, surgiu no contexto da democracia grega, sugerindo a participação na democracia: ela guarda a idéia de que todos os pontos da circunferência estão eqüidistantes do centro. Há muita polêmica entre os teóricos em relação a esse assunto, mas todos concordam que há pelo menos três graus de participação política. Esses graus são como um termômetro, que vão do mais ao menos participativo. O primeiro grau, bem frio, é a forma menos intensa e mais marginal de participação política; trata- se de comportamentos passivos diante do que está sendo exposto. O segundo

grau é morno e pode ser descrito pela situação em que uma pessoa

desenvolve atividades que lhe foram confiadas por delegação permanente ou que realiza de vez em quando. O terceiro grau, bem quente, é a participação que queremos consolidar. São situações em que o sujeito contribui direta ou indiretamente para uma decisão, independentemente de filiação partidária ou religião. Essa contribuição só poderá ser dada de forma direta em contextos muito restritos. Na maioria dos casos, dá-se de forma indireta, mas o processo de escolha dos representantes e de suas propostas é necessariamente direto, senão a participação cairá a um nível muito fraco.

Pesquisas em ciência política têm demonstrado que o grau de participação possui relação direta com o nível de escolaridade. Quanto maior o nível de escolaridade, maior a participação na sociedade, e isso vale para seu oposto, a não participação nas questões sociais, fenômeno mais presente nas camadas sociais com baixa escolarização. Por isso, é importante que cada pessoa discuta e proponha, só assim ampliaremos a educação como direito. Se é inviável reunir todos, que pelo menos os representantes sejam de fato representativos das suas instituições a fim de assegurar a participação. É nisso que o Melhoria aposta, num debate bem quente.

Algumas marcas textuais nos chamam a atenção também nessa definição, a começar pela reiteração da palavra “todos”. Observemos: “todos possam participar”; “a opinião de todos formule a decisão final”; “todos os envolvidos”; “todas as falas devem ter a mesma importância”; “pela visão de todos os prejudicados”; “todos os pontos da circunferência”; “todos [os teóricos??!!] concordam que [...]”; e “se é inviável reunir todos”. Esse recurso da repetição, utilizado no Glossário, pode estar sendo aproveitado, se considerarmos a voz mais autoral, por exemplo, para investir a ação de um significado que a voz mais institucional não realça, não dá investidura.

Se observarmos o processo de formação histórica dos agentes sociais e dos atores coletivos brasileiros em relação ao surgimento e à consolidação da cidadania, vemos que essa preocupação com a inclusão de todos é bastante compreensível. Principalmente se considerarmos que o que se propõe hoje é uma participação na esfera pública, processo a que,

historicamente, no Brasil, não estamos acostumados, garantindo assim um envolvimento da população e superando uma lógica tradicional em benefício de outra racionalidade.

A definição também aposta numa inclusão total dos teóricos em torno de um direcionamento do conceito, o que pensamos improvável, por entendermos isso como uma inviabilidade epistemológica. Como o autor mesmo sugere, é muito polêmico assumir essa posição, mas o recurso se revela convincente para o consumidor do texto, pela afirmação que passa uma suposta unanimidade teórica em relação ao tema.

Outra questão presente é a utilização da imagem da circunferência como forma de enfatizar uma igualdade democrática dos cidadãos no quesito participação. Se pensarmos esse componente imagético na análise das práticas sociais desencadeadas pelo Programa, vemos que o apelo à participação é diferente na voz mais institucional, em que “o trabalho coletivo vem sendo construído e implementado nas equipes das secretarias e escolas; [...] há grande envolvimento das famílias nos projetos e aumenta...” (p. 15). Apenas neste exemplo, podemos ver que há diferentes formas de participação no Programa, em que uns constroem e outros apenas se envolvem, de acordo com os setores mobilizados: neste caso, agentes educacionais das secretarias e as famílias.

Nesse sentido, vemos que a tradição do debate da participação popular no cenário internacional inicia-se por volta dos anos 1960, ganha fôlego e realce nos anos 1970, com a crise do modelo de desenvolvimento dos Estados-nacionais, perde espaço nos anos 1980 e volta a ter peso nos anos 1990, “trazendo à tona as contradições entre tutela e autonomia, e entre as exigências da economia de mercado e as aspirações de justiça social” (JACOBI, 2002, p. 24).

No Brasil, vemos que até finais da década de 1970, encontramos forte concentração das decisões acerca das questões públicas, centralizada no âmbito federal. O processo de redemocratização traz de novo à cena os movimentos sociais, as associações

nacionais, enfim um fortalecimento da sociedade civil brasileira. Esses atores sociais e outros emergentes, no cenário atual, encontram-se sob a observação de sua ação e os desdobramentos no sentido de potencializarem sujeitos sociais que se identificam com mudanças na gestão pública e como construtores de uma nova institucionalidade.

Nesse sentido, um marco significativo constituiu a promulgação da Constituição Federal de 1988 – conhecida como Constituição cidadã – que vai promover uma descentralização fiscal implementada paulatinamente, no intuito de aumentar a participação dos estados e municípios no fundo federal. Mas isso ocorre com o agravo de que a não delimitação de responsabilidades resulte num modelo de implantação dessa descentralização de modo bastante heterogêneo, em que vemos se constituírem iniciativas fundadas em métodos tradicionais e inovadores na mobilização e utilização de agentes, recursos e espaços.

A própria definição inicial colocada no Glossário da Coleção, por exemplo, parte de um ponto tão amplo que os autores sentem necessidade de esclarecê-lo um pouco mais e textualmente nos dizem que: “precisamos esclarecer melhor o que entendemos por isso”. Para em seguida explicitar uma definição, que parte de uma negação: “entendemos por participação não a mera consulta dos envolvidos mas, antes, a sua deliberação”, em que ao mesmo tempo estão presentes uma paráfrase e uma definição do conceito.

Remetendo isso à memória discursiva sobre participação, vemos como é difícil falar do que não conhecemos, o que está relacionado à condição histórica brasileira de sujeitos sociais até ouvidos, mas não considerados, num conjunto ideológico tradicional de autoritarismo, clientelismo, patrimonialismo e suas práticas. Esse é o não-dito, uma ausência necessária ao texto da participação, em que os atores dos movimentos sociais falam por uma memória afetada pelo esquecimento, da qual nem têm consciência, mas se encontra presente na fala.

Como o percurso analítico aqui adotado não possui delimitações inflexíveis, como foi dito no início da exposição teórico-metodológica, em continuidade à análise textualmente orientada do Programa Melhoria da Educação no Município, tomamos por base o segundo fascículo da Coleção para Gestores Educacionais, denominado “O diagnóstico: uma direção para a ação educativa”, em que se relata uma experiência numa cidade, ficcional, denominada “Desafio”.

Em contraposição também levamos em conta uma outra experiência, dessa feita da vida real, sobre uma vivência num município chamado “Esperança”, no interior do estado da Paraíba. Como antes estabelecido, voltar às marcas textuais ou discursivas será um movimento que faremos desde que se faça necessário ao esclarecimento do trabalho de análise. Feita essa observação, passemos ao desafio da metáfora.

CAPÍTULO 5

DESAFIO E ESPERANÇA: ESTRADA PRINCIPAL E ESTRADAS

SECUNDÁRIAS

Este Capítulo também dá continuidade à análise ao abordar o segundo volume da Coleção para Gestores, denominado Diagnóstico educacional: uma direção para a ação

educativa. Nele se explicita a metáfora Desafio, instrumento metodológico construído sobre uma cidade ficcional, que consistiu em objeto de análise acurada, por se constituir como um forte veículo de inculcação acerca de uma realidade local neutralizada e estática, em que, conforme vemos, os gestores e os agentes educacionais, paradoxalmente, são instados a agir.

Portanto, como terceiro desdobramento da análise, identificamos a possibilidade de promover um estudo do fenômeno de uma “metáfora”, por meio de efeitos e fatores da intervenção do Programa em duas cidades: “Desafio”, que teve tratamento semelhante ao corpo de texto do primeiro volume e uma outra cidade, dessa feita da vida real, de nome “Esperança”, que produziu uma versão preliminar de seu Plano Municipal de Educação, como resultado do Projeto “Construção dos planos municipais na Paraíba”, ações que se materializaram como desdobramento do PMEM naquele estado. O relato da experiência do percurso, vivido para realizar o Plano, e as entrevistas com as representantes, funcionárias públicas municipais da Secretaria de Educação do município, formadoras preparadas pelo Programa, foram gravados e transcritos, com o fim de estabelecer paralelo entre a ficção e a intervenção real, como forma de ponderar alguns resultados e encaminhar questões daí resultantes.

5.1 A metáfora do “Desafio” encontra “o Caminho” da “Esperança”: