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A análise por grupos etários: Carlos, Dante e Eduardo

5. A CARREIRA COM O HIV

6.1 O Público e o Privado nas trajetórias dos sujeitos a partir dos relatos de vida

6.1.2 A análise por grupos etários: Carlos, Dante e Eduardo

Entrevistado Infância

Carlos Separação dos pais, mudança para o ES, início da

trajetória escolar.

Dante Separação dos pais, morte do padrasto, início da

trajetória escolar.

Eduardo Separação dos pais, convivência com familiares

(primos), início da trajetória escolar.

Ao se analisar o grupo etário mais jovem, algumas características comuns a esse grupo se destacam de algumas características do primeiro grupo etário. A começar, nenhum dos três entrevistados iniciou suas respectivas trajetórias profissionais na infância, seja por necessidade familiar, seja pela condição de pobreza extrema, como no caso dos dois primeiros entrevistados. Em comum ao grupo etário mais jovem, o fato de serem oriundos de famílias de pais separados. A mãe de Dante chegou a se casar com um policial militar, que veio a falecer quando Dante estava na adolescência.

A infância será o momento da vida que as primeiras expressões da sexualidade vão se manifestar na trajetória dos sujeitos. Os entrevistados relataram que a atração sentida na infância por outros rapazes são consideradas certezas sobre a orientação sexual que viriam a assumir para si mesmos na adolescência.

Olha, foi... que nem eu falo pros meu amigos, né, eu sempre, acho, que já nasci, realmente, já sabia desde criança que minha atração, não sentia por mulheres. (Carlos, 20 anos) Então, é, eu lembro que quando eu tava ainda na creche ainda, na escolinha, eu lembro dessas fases de brincadeiras com meninos, brincadeiras que você tem quando criança, de toque, de conhecer o corpo e tal. Então essas brincadeiras sempre foram com os meninos, nunca foram com as meninas. Coisas que eu ouço falar, de hetero, que eles brincavam com as meninas, até as vezes com os meninos, o meu era sempre com os meninos, eu sempre gostei dessas brincadeiras com os meninos, então, essa minha sexualidade foi formada, não formada mas foi despertada muito cedo, minha sexualidade. (Dante, 26 anos)

Assim, eu sempre senti uma atração. Mas, a gente sempre fica com aquele pé atrás, será que é isso que eu quero.... Assim, a gente nunca acha que isso vai acontecer coma gente, né? (Eduardo, 18 anos)

A infância é marcada como o período do despertar das primeiras sensações erotizadas. Essas sensações, resguardadas em segredo pelos entrevistados, vão se manifestar em espaços e em interações sociais que pertencem à dimensão pública. Nesse sentido, os entrevistados

referem-se a um espaço que, em suas trajetórias, no período da adolescência, se tornara o lócus da manifestação, expressão e vivência da sexualidade: a noite, ou seja, o circuito de bares, boates e espaços dedicados à socialização de gays e lésbicas, e que vai se tornar uma figuração central para esses entrevistados no processo de coming out, ou seja, do sair do armário, e o reconhecimento para si quanto a própria homossexualidade.

Entrevistado Adolescência

Carlos Retorno para BH, início da atividade sexual, início da vida profissional.

Dante Seminário Católico, início da vida profissional, bares e boates gays (noite).

Eduardo Início da atividade sexual, prática religiosa (igreja evangélica), bares e boates gays (noite).

Três experiências são marcantes para os entrevistados no período da adolescência: o início da trajetória profissional, as primeiras incursões religiosas e as primeiras sociabilidades com outros homossexuais.

Para Carlos, as trocas de experiências com outros amigos, também homossexuais, foi o aprendizado sobre a vivência da homossexualidade e as questões decorrentes do reconhecimento, para si, enquanto homossexual. Ele compartilhava a intimidade com amigos, que se tornaram íntimos e que conheceu na internet. A internet também mediava o contato de Carlos com seus parceiros sexuais.

Para Dante, a descoberta da homossexualidade pela mãe, a partir do envolvimento dele com um colega de escola, foi uma passagem de um aspecto da vida referente à esfera privada, resguardado sob segredo, para se tornar pública. Esse conflito desencadeou na incursão de Dante em um seminário católico, mas que, devido aos conflitos com a própria sexualidade, abandonou.

... eu queria me libertar de tudo o que me prendia, por eu ser quem eu sou. E a religião me prendia ser quem eu sou. (Dante, 26 anos)

A incursão de Dante na vida profissional foi outro elemento desencadeador da passagem da expressão da sexualidade em uma dimensão pública. Como colocado na sua apresentação biográfica, a partir do seu primeiro trabalho, na biblioteca de uma universidade,

Dante passou a frequentar um ambiente mais liberal e aberto para que assumisse a própria homossexualidade.

... pra mim foi um momento libertador, de achar que o mundo era festa, a sensação que eu tinha era que eu era livre, que eu podia fazer o que eu queria. (Dante, 26 anos)

Assim como para Anaximandro, que também viu na liberalidade dos costumes dos franceses, quando esteve ali em missão eclesiástica, condição para se aceitar e tornar pública a própria homossexualidade, foi a partir da convivência com o ambiente universitário que Dante viu a possibilidade de se expressar sexualmente com outros homens. A noite surge, então, como cenário onde essas sociabilidades vão se desenvolver, onde os embates e a expressão mais livre da sexualidade encontra lugar sem coerção. É no ambiente público da noite, das boates, que Dante vai construir a si mesmo como homossexual.

Para Eduardo, a experiência religiosa foi conduzida por meio de uma irmã mais velha, que fora responsável pelo seu cuidado quando criança. Sua homossexualidade foi assumida na adolescência, a partir do seu envolvimento com colegas de escola.

mas as minhas primeiras sensações como gay, que eu me lembro mesmo foi a partir dos 14 anos, 13, que eu comecei a sentir atração. (Eduardo, 18 anos)

O irmão de Carlos, que também é homossexual, foi um dos mediadores do processo de aceitação e reconhecimento da própria homossexualidade, chegando a acompanhá-lo, ainda menor de idade, no circuito da noite. A adolescência vai ser marcada como o período da vida onde os entrevistados mais jovens reconheceram a si mesmo como homossexuais, e quando tiveram suas primeiras experiências sexuais, ainda que, na entrevista, afirmem saber dos seus desejos eróticos quando criança. Assumir-se gay, ainda que para si e para algumas poucas pessoas, é um processo mediado por outros agentes, geralmente homossexuais, cujas práticas ocorrem nas dimensões públicas: igreja, escola e a noite, principalmente.