• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3: PSICANÁLISE E TEORIA CRÍTICA

3. A ansiedade: fonte das neuroses

A fonte de todos estes comportamentos desajustados é a ansiedade. Ao distinguir que o medo é o justo temor diante da realidade e a ansiedade é “proporcional ao significado que a situação tem para a pessoa interessada” e lhe é “desconhecida” (PNNT 35), torna-se evidente que a ansiedade se relaciona com a significação dada pelo sujeito com o estado elevado de medo diante de coisas que não causariam grandes transtornos a alguém adequado à cultura.

Deste modo, Horney elenca alguns de seus efeitos: o sentimento de inutilidade, o sentimento

de impotência, o sentimento de fraqueza/covardia e a irracionalidade. Além disso, apresenta maneiras de superação/esquivamento da ansiedade oferecidas pela cultura para: a) a racionalização, b) a negação, c) a narcotização e d) a fuga. Nesta catalogação das características da personalidade neurótica torna-se expressa a oposição de Horney à tarefa do esclarecimento proposta tanto por Freud quanto por Adorno: libertar-se da opressão no conhecimento do que se encontra na penumbra do ser e do agir humanos.

Entretanto, o medo relativo à ansiedade é bastante peculiar e merece atenção. Horney (PNNT 63) crê que o fundamento de tal estado humano é o desamparo em face do mundo potencialmente hostil. Este sentimento de hostilidade é marcado pela ideia de perigo iminente e intenso que revela certa incapacidade do indivíduo de enfrentá-lo. Tal hostilidade representa um estado objetivo de coisas e um estado subjetivo. Em relação ao próprio sujeito, há a possibilidade de reprimir tais sentimentos hostis, fazendo de conta de que tudo está bem.

Como resultado tem-se o reforço do sentimento de incapacidade/impotência e a percepção de que se é superado pelos demais (PNNT 50). Importa entender que é a repressão da hostilidade que conduz à ansiedade, mas a ansiedade não se manifesta sempre que há repressão (PNNT 55). A divergência da perspectiva teórica entre Horney e Freud no que tange à ansiedade/angústia é expressa na concepção revisionista de que

o conceito de angústia básica é mais compreensivo [...]. Afirma que o mundo é temido em sua totalidade porque o indivíduo considera-o inseguro, mentiroso, ingrato, injusto, invejoso e mau. [...] Em um ambiente em que se desenvolve a angústia básica, o livre uso das energias da criança é tolhido, a sua autoestima e autoconfiança são solapados, o medo é-lhe insuflado pela intimidação e isolamento; e a sua expansividade é distorcida pela brutalidade, por normas ou pelo ‘amor protetor.’ (NRP 64)

Esta visão de ansiedade que prescinde do aspecto biológico freudiano mitiga a importância do recalque como pertencente à natureza humana e localiza-o na superfície das relações estabelecidas socialmente e do próprio indivíduo. É como se o neurótico fosse um sujeito fora da curva da normalidade e não houvesse questões sociais e psíquicas mais profundas e internalizadas. Se, para Freud, alcançar a maturidade consiste em superar a repressão sofrida, uma vez que “regressão da libido sem repressão jamais resultaria em neurose, e sim em perversão”, pode-se notar que “a repressão é o processo mais peculiar à neurose, e o que melhor a caracteriza” (CIP 457) e desenvolve estes retornos do que é recalcado. No entanto, Horney entende que as teorias acerca da angústia devem prescindir de base fisiológica e salienta que a ansiedade pode causar risco externo, mas a frequência com

que ela é proveniente de algum impulso depende da atitude cultural assumida em face destes mesmos impulsos. Contra a ideia freudiana, há, doravante, a ideia de ansiedade básica, peculiar ao modo de ser e estar de cada indivíduo na cultura.

Por ansiedade básica entende-se a sensação de pequenez, de insignificância, de abandono num mundo hostil, ludibriador, disposto a atacar, humilhar, trair etc. (PNNT 71).

Sua progressão não acontece por repetição em cerimônias sintomáticas, mas desenvolve-se sem retornos, apenas seguindo o fluxo das dificuldades e incompatibilidades do indivíduo com seu ambiente cultural (PNNT 60).

A recusa da ideia de fixação nas experiências infantis se justifica sob a preocupação de Horney acerca da “estrutura atual da personalidade neurótica” (PNNT 62). Aliás, é enfática a afirmação de que “é de suma importância reconstruir alguma velha constelação a partir das manifestações atuais” (NRP 115). Se algo pode ser buscado na infância, e é certo que um conjunto de experiências pode se desenvolver e influir na vida adulta dos indivíduos, então o que se encontra é a falta de um autêntico calor humano e afeição como sendo o “mal fundamental” da neurose de caráter. A frustração não é a única fonte de hostilidade rebelde dos indivíduos: a falta de carinho e o espírito de competição são causadores do ciúme neurótico. Deste modo, “o ciúme intensificado que encontramos nas relações de uma criança com os pais ou irmão não é a causa original do ciúme posterior: ambos provêm da mesma fonte” (PNNT 97): a ansiedade básica e o sentimento de hostilidade. O complexo de Édipo é recusado como causa da neurose e tornado uma formação neurótica de busca de afeto (PNNT 120).

Freud explica a vida psíquica dos neuróticos através do complexo de Édipo de modo que, sob tal perspectiva mitopoiética, se elucida a trama de conflitos internos e externos, o jogo de poder inerente às relações, os mecanismos de repressão exercidos pelo eu, os impulsos inconscientes vindos à tona e a existência da consciência culpada, além dos interditos pautados pela sociedade e pelo supereu, ainda que o eu se ponha em defesa e equilíbrio do princípio de prazer em relação ao princípio de realidade (CIP 439-448).

Toda esta densidade negativa dada ao desenvolvimento da vida psíquica e à compreensão da neurose é nivelada a uma visão mais positiva da vivência familiar que Horney expressa ao diagnosticar a) o cuidado excessivo dos pais em relação aos filhos e que os torna infantilizados, b) o medo gerado pela proibição, pela punição, pela ameaça ou alguma explosão de cólera, c) e a dívida que os filhos sentem ao perceberem o quanto receberam de seus progenitores. Todos estes aspectos são causadores de medo e ansiedade. Some-se a estes elementos o fato de que experiências negativas possam causar a impressão de que a criança é

mal-amada e disso resulta o medo crescente e difuso que a isola diante do mundo que lhe é hostil (PNNT 68).

Este aglomerado de vivências provoca reações dos indivíduos que se “cristalizam em uma atitude de caráter” (Idem). De acordo com Horney, estas atitudes cristalizadas não constituem a neurose, mas lhe servem de solo fértil em que uma “neurose bem definida poderá brotar a qualquer momento” (Idem). Contudo, Horney defende a ideia de que, na neurose, raramente há a percepção da ansiedade básica ou da hostilidade básica ou pelo menos do valor que elas têm para a vida total do indivíduo. O fato é que se pretende a normalização da vida dos sujeitos, de modo que, nos termos da cultura, é normal que as pessoas amadureçam e discirnam sobre si mesmas e sobre o mundo. Ao contrário das pessoas neuróticas, as sadias souberam integrar-se apesar das dificuldades (PNNT 71). Em suma, os indivíduos devem se adequar às exigências culturais a fim de evitar conflitos que podem gerar ansiedade e empobrecer a personalidade (PNNT 76).