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3. O PAPEL DA BRIGADA MILITAR NA EFETIVIDADE DA LEI 9.099/95 E O

3.2 A aplicação consensual de penas não privativas de liberdade e os

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A Lei 9099/95 inovou no que compete à aplicação da transação penal. Conforme já referenciado no 1º capítulo, ao autor será oferecida a transação penal caso não ocorra a conciliação e a vítima manifeste o desejo de representação ou queixa, ou se a ação penal for pública incondicionada, nos termos do art. 76 do diploma legal em questão, segundo o qual

Art 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

Na doutrina se encontra defensores e críticos da transação penal nos JECrim, afirmando seus defensores que não há que se falar em ilegalidade, eis que é procedimento autorizado em lei, com rito próprio e com anuência do autor enquanto os críticos aduzem desrespeito a princípios constitucionais e penais essenciais, como o direito a um devido processo legal, com a presença da ampla defesa e contraditório.

Nas palavras de Capez,

[...] o Ministério Público, enquanto titular da ação penal, tem diante de si, no lugar do tradicional e inflexível princípio da legalidade, segundo o qual o representante do Ministério Público tem o dever de propor a ação penal pública, só podendo deixar de fazê-lo quando não verificada a hipótese de atuação, caso em que promoverá o arquivamento de modo fundamentado (CPP, ART 28). O procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais é informado pela discricionariedade do órgão ministerial. Com efeito, preenchidos os pressupostos legais, o representante do Ministério Público pode, movido pelos critérios de conveniência e oportunidade, deixar de oferecer a denúncia e propor um acordo penal com o autor do fato, ainda

não acusado. Tal discricionariedade, contudo, não é plena, ilimitada,

absoluta, pois depende de estarem presentes os requisitos legais, daí ser chamada pela doutrina de discricionariedade regrada. (CAPEZ, 2012, p. 610, grifo nosso).

Entende, ainda, o mesmo autor que a Lei 9.099/95 traz uma atenuação do princípio da obrigatoriedade, ao permitir que o representante do Ministério Público deixe de instaurar um processo mediante acordo com o autor da infração e que a aceitação da proposta não implica em reconhecimento da culpabilidade. Não caberia, nesta perspectiva, alegar inobservância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, eis que sequer foi iniciada a ação penal e o autor se vê acompanhado de defensor, seja ele constituído, nomeado ou dativo. (CAPEZ, 2012, p. 613-615).

Da Costa (2004, p. 290) aduz que

[...] a Lei 9.099/95 descriminalizou condutas, oferecendo às infrações de menor potencial ofensivo respostas alternativas, de natureza administrativa e não estritamente penais. A Constituição, ao estabelecer a criação de juizados especiais para infrações de menor potencial ofensivo, assumiu que o direito penal intervém na organização comunitária apenas quando absolutamente imprescindível.

A autora vai além, afirmando que

A prestação cumprida, ou não cumprida, mas resultante de acordo previsto na Lei 9.099/95, denomina-se pena. Porém, o termo não está utilizado no seu exato sentido jurídico (consequência pelo ilícito praticado).( DA COSTA, 2004)

Ao afirmar que a medida estabelecida na transação não é pena, apesar da impropriedade do uso do termo, a autora complementa dizendo que a sentença que homologa a transação não é condenatória e nem absolutória, motivo pelo qual não pode ser executada no juízo penal, remetendo à Constituição Federal, que proíbe execução de pena não aplicada após a instauração de ação e processo, ambos indispensáveis ao devido processo legal, nos termos do art. 5º, LIII, LIV e LV.

Já foi observado no 1º capítulo que, uma vez não cumprida a medida acordada na transação, não há conversão da mesma em pena privativa de liberdade, e sim, o descumprimento da medida, em razão do descumprimento do acordo formalizado, autoriza o Ministério Público a instaurar a pertinente ação penal, oferecendo a denúncia. Aqui mais uma impropriedade da utilização do termo pena para a medida aplicada na transação, eis que não segue as regras da execução das penas quando de seu descumprimento14.

O próprio texto da norma demonstra a falha do legislador no emprego da expressão “pena restritiva de direitos ou multa” na fase do procedimento, a exemplo do § 4º do art. 76, segundo o qual

Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em

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reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos. (grifo nosso).

A expressão grifada incute a ideia de que se esteja aplicando uma pena sem instauração da ação penal, ferindo princípios constitucionais e penais, o que é um equívoco, pois nesta fase do procedimento, não se está falando de pena-sanção, mas sim de transação penal. A natureza diversa de pena-sanção pode ser observada em seguida no texto legal, no § 6º do mesmo art. 76, ao afirmar que

A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Observe-se que aqui o legislador já não utiliza a expressão pena, e sim sanção, o que aduz aos princípios informadores do direito penal, de modo que a medida adotada na transação não pode ter natureza de pena, pois não gerando antecedentes criminais, é porque não houve ação penal com consequente sentença condenatória, portanto, não há pena.

Segundo os autores citados, a transação penal não tem natureza de pena, eis que sequer a ação penal foi iniciada, reduzindo-se a uma proposta oferecida pelo representante do Ministério Público ao autor da infração, em substituição à propositura da ação penal, que, caso aceita, sequer se inicia. Neste momento apenas MP e autor “negociam”, o Juiz permanece inerte, aguardando manifestação das partes, o que somente ocorre depois de decidido, entre autor e MP, se a transação foi aceita ou se inicia a ação penal.

Mesmo após o oferecimento da denúncia, há espaço para nova tentativa de conciliação, autorizada pelo art. 79 da Lei. Segundo Rangel (2009), trata-se de uma exceção ao princípio da indisponibilidade da ação pública. O mesmo autor remete aos princípios da lei ao afirmar que “o objetivo do legislador sempre que possível é a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (cf. art. 2º c/c 62)”. (RANGEL, 2009, p. 666).

Em relação a um possível desrespeito aos princípios constitucionais penais nos Juizados Especiais Criminais, ferindo principalmente as garantias do cidadão ao devido processo legal, assegurados o contraditório e a ampla defesa, também há autores que se manifestam favoravelmente ao instituto da transação.

O princípio da jurisdicionalidade ou da reserva de jurisdição exige que determinadas questões sejam submetidas ao Poder Judiciário, com observância das normas jurídicas que lhe sejam afetas, inclusive as que lhes determina a competência e o rito.

Já o princípio do devido processo legal, “consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia de um processo desenvolvido na forma que a lei estabelece”. (CAPEZ, 2012, p. 81-82). Tal princípio é assegurado pelo art. 5º, LIV da Carta Magna de 1988. Esse princípio garante aos acusados a plenitude de defesa, o direito de ser ouvido e a se manifestar depois das acusações sofridas, bem como o de ser julgado pelo juízo competente, ao duplo grau de jurisdição e a revisão criminal. (CAPEZ, 2012).

Segundo Rangel (2009) “jurisdição é a função estatal de aplicar o direito objetivo a um caso concreto, protegendo determinado direito subjetivo, através do devido processo legal, visando ao acertamento do caso penal”. O autor ainda afirma que

O Estado só atua porque foi provocado por uma das partes que não conseguiu, extraprocesso, a solução da controvérsia. Desta forma, a vontade do autor e do réu sobre determinado direito será substituída pela vontade da lei que ira imperar através da sentença. (RANGEL, 2009, p. 313).

Estariam os Juizados Especiais Criminais desrespeitando esse princípio, ao estabelecer o rito sumaríssimo, com supressão de “etapas”, submetendo os autores a um procedimento que lhes tolha direitos fundamentais? O autor crê que não, eis que o próprio princípio determina que as questões levadas a juízo devem respeitar as normas jurídicas cabíveis no que lhes compete, inclusive o rito. Assim, se uma lei infra prevê um procedimento específico para determinadas infrações, a exemplo do que ocorre com outras leis, como a lei de drogas, a lei de armas, a lei dos crimes

hediondos, não se pode afirmar que a Lei 9.099/95 fere o princípio da jurisdicionalidade, mesmo em se tratando da transação penal.

Ainda citando Rangel, o princípio nulla poena sine judicio proíbe a aplicação de qualquer sanção penal sem a prévia instauração do competente processo judicial. (RANGEL, 2009, p. 318). Segundo o autor, não há pena sem processo, nem há processo sem juiz. Ao se referir à transação penal, o autor afirma que o princípio tem no art. 76 da Lei do JECrim uma exceção, eis que se trata de uma sanção administrativa, acordada entre o Ministério Público e o autor de uma infração, com a homologação judicial. “Porém, não há processo judicial, inclusive a referida proposta ocorre na fase preliminar”. (RANGEL, 2009, p. 319).

Aqui retomemos as palavras de Da Costa (2004, p. 291) que utiliza a expressão „decisão que homologa transação‟ [...] que não é condenatória nem absolutória. Tal afirmação corrobora no sentido de que não houve sequer o início de um processo, de modo que não podem ter sido feridos direitos inerentes a um processo.

Por outro lado, parte da doutrina entende que há inobservância dos princípios constitucionais penais nos Juizados Especiais Criminais, ferindo os direitos e garantias assegurados aos acusado pela Constituição Federal e legislação penal, no que se refere ao instituto da transação penal.

Wunderlich (2004, p. 259) refere que, em suas pesquisas de campo, constatou um número elevado de transações penais, que o induzem a crer que “o instituto é aceito pelo autor do fato por uma série (infinita) de razões não jurídicas e restritas a autoria e/ou até a real existência do fato”. Também denuncia a subtração de requisito indispensável a uma reflexão adequada quando afirma que “O autor do conflito consente com a imposição de pena justamente para se livrar do eventual risco de responder a um processo criminal” e ressalta seu entendimento de que a transação tem, sim, natureza de pena, ao afirmar que “[...] o autor do fato aceita uma

pena restritiva de direitos que para ele, em que pese a ausência de demonstração

de sua culpa no conflito ou sua inocência, é menos gravoso que o custo do processo”. (grifo nosso).

O autor entende que ao aceitar a transação, o autor tem violado seu direito fundamental a um devido processo legal, suprimindo-lhe o direito constitucional de presunção de inocência, realizando-se um juízo antecipado de culpabilidade (2004, p. 261).

Segue ainda, utilizando as palavras de Miguel Reale Jr. observando que: “Transação redunda na reparação do dano, por um lado, e por outro, na aplicação de uma pena restritiva de direito ou de multa. Mas restringe-se, sem dúvida, na aplicação de uma pena [...]” (2004, p. 261).

Por fim, faz uso das palavras de Geraldo Prado (2004, p. 261)

a transação não dispõe, de fato, de um verdadeiro procedimento jurisdicional conforme a noção de devido processo legal. A rigor a transação penal desenvolve-se no equivalente ao inquérito policial, no caso o termo circunstanciado.

Ainda em relação à sanção penal, remetemos ao instituto da culpabilidade, que está intimamente relacionada à responsabilidade penal, embora não se confundam. Ribeiro (s.d.) ao citar Fragoso, define responsabilidade penal como "dever jurídico de responder pela ação delituosa que recai sobre o agente imputável" (apud FRAGOSO, 1985, p. 203, grifo do autor). O mesmo autor afirma que “O princípio da culpabilidade no direito penal, por sua vez, em sua acepção correspondente à máxima nullum crimen sine culpa 15, impõe a subjetividade da responsabilidade penal”. (RIBEIRO, s.d.).

Importante mencionar que a culpabilidade fundamenta a responsabilidade penal, pois sem ela não é possível a aplicação da pena; o que implica que, para que o agente seja considerado culpável, é necessário que seja constatada a prática da infração penal e comprovada a autoria, mediante devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, o que, na fase preliminar, que culmine em sede de transação penal não aconteceria, pois ao autor não se oferece o direito de se defender, apenas

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de aceitar uma proposta que impede o início da ação penal, onde então ele tem todas as garantias de defesa.

Deste modo, a corrente doutrinária que entende que a transação tem, sim, natureza de pena, afirma que o princípio da culpabilidade não é observado em sede de transação penal. Aos que não reconhecem a natureza de pena, incabível seria tal afirmação.

Conforme exposto, não há unanimidade na doutrina quanto à natureza da medida aplicada na transação penal, e, por consequência, na concepção de estarem ou não assegurados os direitos constitucionais ao suposto autor do fato. Assim, não há como afirmar que a aplicação de medidas através da homologação da transação penal não fere os princípios da jurisdicionalidade e da culpabilidade, bem como não se pode afirmar que fere. A Constituição Federal, ao determinar, em seu art. 98, I a criação de juizados especiais com competência para a conciliação, o julgamento e a execução de infrações penais de menor complexidade, autoriza o procedimento sumaríssimo e a transação penal, assegurando a legitimidade de tais procedimentos.

Por outro lado, parece claro que a pena imposta no procedimento sumaríssimo do Juizado Especial Criminal não fere os princípios da jurisdicionalidade e da culpabilidade, eis que o devido processo penal foi observado, sendo que o autor teve, mediante rito específico, plena oportunidade de defender-se. Além disso, o princípio segundo o qual “aquele que cometer algum ato ilícito, deve ser punido na medida de sua culpabilidade”, intrínseco no art. 59 do nosso Código Penal, é adotado, subsidiariamente, nos Juizados Especiais Criminais, autorizado pelo art. 92 da Lei 9.099/95, que refere que “aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei.”

3.3 A efetividade da Lei 9.099/95 – considerações a partir da atuação da