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2. A ATUAÇÃO DA BRIGADA MILITAR NAS INFRAÇÕES DE MENOR

2.2 A atuação da Brigada Militar nas infrações de menor potencial ofensivo

2.2.1 Base legal e competência para confecção de boletins de ocorrência

Conforme acima exposto, com a edição da Lei 9.099/95, surgiram especulações acerca da participação, e principalmente da competência das polícias militares em confeccionar o Termo Circunstanciado, durante o atendimento às infrações de menor potencial ofensivo. A polêmica surgiu em razão do próprio texto da norma, que em seu art. 69 estabeleceu que

A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo

circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do

fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários (grifo nosso).

Ao utilizar a expressão “autoridade policial”, a norma, numa interpretação literal e restrita, limitou a lavratura do TC ao Delegado de Polícia, em consonância com o texto do Código de Processo Penal. Entretanto, essa interpretação ia de encontro aos princípios da Lei, especialmente o da celeridade, uma vez que, na prática, não mudaria o primeiro atendimento às partes envolvidas em ocorrência, que deveriam contar suas versões ao PM, para depois serem encaminhadas a uma Delegacia de Polícia, onde novamente contariam suas versões ao Delegado de Polícia para somente então lavrar o TC.

Logo após a edição da Lei 9.099/95, começaram as primeiras movimentações para sua efetivação e as polícias militares passaram a discutir como seria sua participação nesse processo. A Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul foi pioneira no movimento de inclusão efetiva das polícias militares no atendimento das ocorrências de menor potencial ofensivo. Na cidade de Rio Grande, em janeiro do ano de 1996, o Comando do 6º Batalhão da Brigada Militar editou uma nota de instrução8 regulamentando a atuação do efetivo local no atendimento destas ocorrências. Esta norma foi, já em fevereiro do mesmo ano, adotada em nível estadual, sendo posteriormente suspensa, em razão das dificuldades de operacionalização.

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Nota de Instrução é um tipo de norma interna da Brigada Militar, que visa padronizar procedimentos, orientando o efetivo quanto a circunstâncias peculiares à atividade.

Somente quatro anos depois o tema foi retomado, quando a então Secretaria da Justiça e da Segurança Pública editou a Portaria nº 172/2000. Embasada nos princípios da Lei 9.099/95, para assegurar maior celeridade e qualidade do atendimento aos cidadãos envolvidos em ocorrências policias dessa natureza, afirmando a “necessidade de o cidadão receber atendimento rápido, eficiente, eficaz e cômodo por parte da Polícia Estadual” e a importância da lavratura do “[...] Termo Circunstanciado, no local da ocorrência, pelo policial que a atender, seja ele civil ou militar” proporcionando “[...] economia de recursos humanos e materiais e, principalmente, uma prestação mais eficaz e célere deste serviço público” (RIO GRANDE DO SUL, 2000). Deste modo, estendeu à Brigada Militar o atendimento imediato e completo das ocorrências de menor potencial ofensivo, nos seguintes termos:

I – Todo policial, civil ou militar, é competente para lavrar o Termo Circunstanciado previsto no artigo 69 da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995.

II – A lavratura do Termo Circunstanciado por policiais militares somente ocorrerá nas Comarcas em que houver acordo sobre o tema entre a Polícia Estadual e o(s) representante(s) do Ministério Público.

III – O Termo Circunstanciado deverá ser lavrado no próprio local da ocorrência, pelo policial que a atender, e encaminhado no mesmo dia ao Juizado Especial.(RIO GRANDE DO SUL, 2000).

A instrumentalização dessa competência somente iniciou através do Termo de Cooperação nº 001/2000, firmado entre a Polícia Civil e a Brigada Militar, se consolidando com o Termo de Cooperação nº 003/2001, celebrado entre o Governo do Estado, através da mesma Secretaria, e o Ministério Público, através da Procuradoria-Geral de Justiça, de modo que ficou acordada a possibilidade de a Polícia Civil e também a Brigada Militar realizarem o registro das ocorrências de menor potencial ofensivo na forma de Termo Circunstanciado, com a subsequente remessa diretamente aos Juizados Especiais Criminais, bem como o registro de qualquer ocorrência, de menor ou maior potencial ofensivo, em que não esteja configurada a situação de flagrante, na forma de Comunicação de Ocorrência Policial (COP).

Tal Portaria foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70014426563, proposta pela ASDEP-RS (Associação dos Delegados de Polícia do Rio Grande do Sul) questão já superada pelo TJRS, por 19 votos a 6, decidindo pela

improcedência da ação. Ao decidir, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul manifestou-se no sentido de que:

Não verifica afronta à repartição constitucional das competências entre as polícias civil e militar. Expressão autoridade policial referida no art. 69 da Lei nº 9.099-95 compreende quem se encontra investido em função policial, ou seja, a qualquer autoridade. (RIO GRANDE DO SUL, 2006).

A partir de então, quando autor e vítima estiverem presentes no local, caracterizada a flagrância, e a infração for de menor potencial ofensivo, o Boletim de Ocorrência (sob a forma de Termo Circunstanciado) será lavrado pelo policial militar, sendo registrados os dados essenciais do fato, e desde que o autor assuma o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal, na data estabelecida pelo policial, ou quando for regularmente intimado. Em caso de recusa, as partes deverão ser conduzidas à Delegacia de Polícia.

2.2.2 A atuação da Brigada Militar nas infrações de menor potencial ofensivo

Como mencionado anteriormente, após o atendimento de uma ocorrência que gere uma Comunicação de Ocorrência ou Termo Circunstanciado, os documentos produzidos e o material eventualmente apreendido são encaminhados à sede da unidade militar. O documento manuscrito é revisado por um Oficial Superior e inserido no SIP (Sistema Integrado de Polícia), e em seguida é transmitido à Delegacia de Polícia com circunscrição sobre o local do fato via on line.

Em se tratando de Boletim de Ocorrência, após a transmissão, o formulário manuscrito será arquivado junto ao setor de processamento e os materiais apreendidos serão encaminhados à delegacia de polícia competente para que se possa instaurar o pertinente Inquérito Policial ou Termo Circunstanciado pela Polícia Civil (por ter a atribuição de polícia judiciária, a Polícia Civil pode intimar as partes e montar o Termo Circunstanciado ouvindo separadamente autor, vítima e testemunhas, e remeter os autos ao JECrim). Inicialmente, aqui se esgota a participação da Brigada Militar no encaminhamento da ocorrência.

Entretanto, se o atendimento gerou um Termo Circunstanciado, o documento manuscrito é igualmente revisado, mas não se arquiva. O setor de processamento, após a inserção no SIP, imprime uma cópia da versão on line, realiza um levantamento dos antecedentes policiais do autor e vítima (folha de antecedentes policiais), anexa todo e qualquer documento apreendido ou produzido (auto de exame de corpo de delito, auto de constatação de danos, termo de prova testemunhal, recibos de intimação para audiência, fotos, etc.) autua, pagina e remete diretamente ao Juizado Especial Criminal da Comarca. Caso exista algum objeto envolvido, fotografa-se e remete-se juntamente com os autos.

Após a remessa ao Juizado Especial Criminal, dá-se vistas ao Ministério Público, que opina a respeito da conveniência ou não da realização da audiência de conciliação. Caso opine favoravelmente, esta é realizada, nos termos já referidos no 1º capítulo no item 1.3 , caso contrário, esta será cancelada, intimadas as partes do cancelamento e os autos do procedimento retornam à instituição que os encaminhou (Polícia Civil ou Brigada Militar) para diligências complementares. Essa remessa para diligências pode ocorrer em razão de o autor não se encaixar nos requisitos do art. 76 da Lei 9.099/95, já elencados no 1º capítulo, o que faz com que os autos devam ser encaminhados à Vara Crime competente da Comarca, ou quando houver dúvidas quanto ao fato que, no entendimento do MP, devam ser sanadas antes da audiência de conciliação.

Na Comarca de Santa Rosa, desde o ano de 2009, a Brigada Militar passou a realizar um acompanhamento diferenciado dos procedimentos encaminhados, inicialmente visando o que se denominou “controle de qualidade” dos documentos confeccionados, buscando identificar falhas de elaboração que pudessem comprometer a responsabilização dos autores, bem como conhecer o entendimento doutrinário e jurisprudencial do Ministério Público e Poder Judiciário quanto a determinados tipos penais.

Esse acompanhamento resultou em qualificação do trabalho policial militar, uma vez que, constatadas falhas de preenchimento ou omissão de pontos considerados importantes pelo MP e PJ, estas puderam ser solucionadas. De outra feita, tal medida aproximou a corporação, especialmente através dos servidores

diretamente envolvidos na revisão e finalização dos Termos Circunstanciados, do MP e PJ, de modo a estreitar laços que resultaram em melhorias no atendimento das ocorrências, bem como levando ao conhecimento destes últimos fatos que preocupam a comunidade local e que acabam por refletir em insegurança e descrença no sistema policial-legal constituído.

Cumpre aqui salientar que desde o ano de 2010, todos os Termos Circunstanciados confeccionados pela Brigada Militar que necessitem de diligências complementares são remetidos, pelo Ministério Público ou JECrim, à própria Corporação, e não mais à Polícia Civil, de modo que as ocorrências atendidas serão integralmente de responsabilidade da instituição que as atendeu.

2.3 A atuação da Brigada Militar nas infrações de menor potencial ofensivo na Comarca de Santa Rosa no ano de 2011: análise quantitativa

Visando melhor compreender a atuação da Brigada Militar nas infrações de menor potencial ofensivo, no presente tópico serão apresentados dados relativos ao atendimento destas infrações pela Brigada Militar na Comarca de Santa Rosa, no ano de 2011. Para tanto serão considerados o número de infrações atendidas, as espécies de infrações, o perfil dos autores e os principais encaminhamentos realizados.

O Juizado Especial Criminal da Comarca de Santa Rosa compreende os municípios de Santa Rosa, Tuparendi e Porto Mauá. A agenda das audiências destinadas aos atendimentos realizados pela Corporação nos municípios da Comarca é informada à Brigada Militar, através do 4º Batalhão de Polícia de Área de Fronteira, com sede em Santa Rosa, que centraliza a agenda para audiências de ocorrências atendidas nesses três municípios, incluindo aquelas atendidas pelo Grupo de Polícia Rodoviária Estadual de Santa Rosa.

Assim, o policial militar, no momento do atendimento da ocorrência, tem condições de informar às partes envolvidas a data e horário disponíveis para a

audiência, e intimá-los no ato, mediante recibo. Sempre que a pauta estiver sendo encerrada, um servidor do setor específico do Batalhão solicita ao JECrim nova liberação de pauta.

Durante o ano de 2011, foram agendadas 13 pautas junto à Comarca de Santa Rosa para Termos Circunstanciados confeccionados pela Brigada Militar, sendo elas: dias 15 de março (34 audiências), 19 de abril (34 audiências), 17 de maio (34 audiências), 07 de junho (34 audiências), 17 de agosto (28 audiências), 23 de agosto (34 audiências), 30 de agosto (34 audiências), 31 de agosto (17 audiências), 06 de setembro (34 audiências), 21 de setembro (27 audiências), 04 de outubro (28 audiências), 26 de outubro (24 audiências) e 16 de novembro (14 audiências), sempre das 09 h às 11 h e 30 min da manhã ou das 14 h às 16 h e 30min da tarde, sempre de 5 (cinco) em 5 (cinco) minutos, totalizando 34 (trinta e quatro) audiências por data. Entretanto, nem todos os horários são preenchidos, bem como se observa que em alguns meses não houve pautas (janeiro, fevereiro, julho e dezembro), em contrapartida outros tiveram mais de uma data (agosto, setembro e outubro), o que depende da demanda de ocorrências atendidas e do período de disponibilidade de datas na Comarca (recesso e férias dos magistrados). Ao término do ano foram computadas 378 audiências marcadas pela Brigada Militar, com participação reduzida dos municípios de Tuparendi e Porto Mauá, não atingindo 10% do total.

Os dados foram pesquisados junto à Sub Seção de Processamento de Ocorrências do 4º Batalhão de Polícia de Área de Fronteira, mediante autorização concedida pelo Comando9 e foram escolhidas aleatoriamente entre as audiências marcadas.

A análise dos dados foi realizada a partir de uma amostragem de 130 (cento e trinta) casos, o que corresponde a 29,07% do total de 378 (trezentas e oitenta) audiências realizadas. Dos 130 casos analisados, 71 (setenta e um) referem-se a infrações previstas no Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), 21 (vinte e um) são relativos à contravenção penal de perturbação do sossego público (art. 42, III da

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Lei de Contravenções Penais), 24 (vinte e quatro) referem-se à posse de entorpecentes (art. 28 da Lei 11.343/06) e outros 14 (quatorze) referem-se a infrações variadas.

Entre os delitos de trânsito mais praticados, destacam-se as condutas previstas no art. 310 (40 casos), art. 311 (14 casos) e art. 307 (13 casos), todas do CTB. As figuras típicas mencionadas criminalizam o comportamento de quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso (art. 310), dirige com velocidade incompatível com a segurança em lugares onde haja grande movimentação de pessoas (art. 311) e viola suspensão ou a proibição de se obter habilitação para dirigir veículo automotor (art. 307).

As distintas espécies de infrações praticadas podem ser melhor visualizadas no gráfico abaixo.

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No que se refere ao gênero dos autores envolvidos com as infrações identificou-se que 111 (cento e onze) são homens e 19 (dezenove) são mulheres.

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Tais números indicam que 85,3% dos fatos foram protagonizados por autores do sexo masculino e 14,7% foram protagonizados por mulheres.

A faixa etária dos autores é, predominantemente, superior a 31 anos de idade. Dos 130 casos analisados, 13 (treze) foram protagonizados por autores entre 18 e 20 anos; 21 (vinte e um) foram praticados por pessoas entre 21 e 25 anos; 47(quarenta e sete) por pessoas entre 26 e 30 anos e 49 (quarenta e nove) por pessoas com mais de 31 anos. Tais informações podem ser melhor visualizadas no gráfico abaixo. 0 10 20 30 40 50 60

Idade dos autores

Dos Termos Circunstanciados analisados, em 54,61% dos casos não houve transação penal, 45,38% resultaram em transação penal, e em apenas 3,07% houve conciliação entre as partes. Interessante observar que, das audiências relativas a crimes de trânsito, nenhuma resultou em transação, em razão dos antecedentes dos autores não permitirem a proposta, por estes já haviam sido beneficiados por transação anterior em período inferior a cinco anos, conforme o art. 76 da lei 9.099/95. Já nos delitos de perturbação do sossego, todos resultaram em transação.

A análise dos dados indica que as infrações mais incidentes são os crimes de trânsito, especialmente do art. 307, art. 310 e art. 311, com uma pequena parcela dos demais artigos de menor potencial ofensivo, como o art. 303 (lesão corporal culposa na direção), o art. 305 (fuga de local de acidente) e o art. 309 (dirigir sem habilitação gerando perigo de dano), todos do Código de Trânsito Brasileiro, seguidos de crimes contra a liberdade individual (ameaça, art. 147) e contra a honra (injuria, art. 140 e difamação, art. 139) do Código Penal, além de perturbação do sossego alheio por equipamentos sonoros em veículos em via pública (art. 42, III da Lei de Contravenções Penais), além de posse de entorpecentes (art. 28 da Lei 11.343/06).

O perfil dos autores está intimamente relacionado às infrações cometidas. Nos crimes de trânsito, a grande maioria são homens, com idade entre 18 e 30 anos,

exceto nos delitos do art. 310, onde a presença de mães que entregam os veículos a filhos menores é significativa. No delito de perturbação do sossego alheio por equipamentos sonoros em veículos em via pública a totalidade dos autores é do sexo masculino. Já nos delitos contra a liberdade pessoal e a honra, as ocorrências atendidas em residências indicam a maioria de autoras mulheres, e as atendidas em via pública ou em estabelecimentos comerciais (bares ou comércio varejista) é de autores homens, com raras exceções.

Conforme exposto, observa-se que dos casos analisados, a maior parte das infrações foi cometida por homens, com menos de 30 anos e já beneficiados por transação penal anterior. Observa-se ainda a relação entre perfil dos autores e infração cometida, indicando um panorama de “usuários” dos JECrim. Destaque-se também a baixa incidência de composições, o que se justifica pelo fato das ocorrências estarem relacionadas ao trânsito e não possuírem vítima individualizada, ou seja, a vítima é o Estado.

Saliente-se ainda que 100% dos casos analisados foram atendidos pela Brigada Militar, e representa um número significativo dos fatos que chegam ao JECrim na Comarca de Santa Rosa. Em razão de o primeiro atendimento ser feito pela Brigada Militar em todos os casos analisados, pode-se afirmar a importância da atuação da corporação nas infrações de menor potencial ofensivo para o sistema, eis que o atendimento ocorre no local do fato, com as duas partes- autor e vítima- presentes, onde todas são esclarecidas acerca dos procedimentos, e de imediato decidem se levarão o fato ao conhecimento do Poder Judiciário, sendo todas as medidas necessárias adotadas de imediato pelo policial militar atendente, sem necessidade de encaminhamento a outro órgão policial. Essa atuação gera menos desgaste para as partes, pelos motivos já elencados, para a Polícia Civil, que, por não ter contato com as duas partes no momento do registro da ocorrência empenha recursos humanos e materiais para elaboração do Termo Circunstanciado da mesma forma que para um Inquérito Policial e, por conseguinte, para o Estado, pois reduz custos com deslocamento de viaturas policiais militares com as partes para uma delegacia, com deslocamento de viaturas da Polícia Civil para intimações, e com a otimização dos recursos humanos.

No capítulo seguinte abordaremos especificamente o papel da Brigada Militar na efetividade da Lei 9.099/95, o atendimento aos interesses da vítima e a aplicabilidade dos princípios penais basilares e a aplicação de penas não privativas de liberdade, com algumas considerações críticas a respeito da efetividade da Lei 9.099/95 e a contribuição da Brigada Militar para esse panorama atual.