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A “aprendizagem comercial” – para além do conhecimento de um ofício

2 A APRENDIZAGEM COMERCIAL: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE

2.5 A “aprendizagem comercial” – para além do conhecimento de um ofício

Segundo Lourenço Filho (1949) a “aprendizagem” estaria facilmente caracterizada nas atividades de artesanato e indústria. Isto porque “[...] o trabalho de manufaturar, fabricar, ou transformar a matéria, pode encontrar técnicas tipificadas, com especialização individual para cada ramo de produção” (p. 4). Assim como ocorria na época das corporações de ofício, a aprendizagem como preparação para o trabalho atendia tanto à indústria como o comércio, pois “[...] os mistérios de manufaturar e de vender então se apresentavam normalmente associados”. (LOURENÇO FILHO, 1949, p. 4).

Entretanto, o desenvolvimento das atividades comerciais, incentivado pela abertura dos mercados, a criação dos mercados coloniais e o incremento dos transportes a atividade comercial passaria a exigir mais do que a mera preparação e conhecimento do ofício, especialmente com o avanço das vendas por atacado e as variações do tipo de atividade comercial. Até meados dos anos 1920, existiam no Brasil as pequenas empresas e as grandes firmas atacadistas que operavam em um sistema de comunidade, isto é, os patrões alojavam seus empregados no local do trabalho e lhes forneciam alimentação e assistência em casos de doença e até nas questões particulares, como casamento e pecúlio. (LOURENÇO FILHO, 1949). A “carreira comercial” nessa época, conforme apresenta Lourenço Filho (1949), começava pelo “menino da vassoura” e passava-se depois ao “praticante”. Assim, a partir das oportunidades que surgiam e também de acordo com as aptidões pessoais, o praticante passaria a “vendedor”, “correspondente”, “guarda livros” ou aos “interessados da firma”. Esse

sistema de formação totalmente empírica permaneceu até a chegada dos imigrantes, quando deixou de predominar no Brasil uma única nacionalidade de membros.

Embora a imigração no Brasil tenha tido início em 1530 com a chegada dos colonos portugueses, que chegaram com o objetivo de dar início ao plantio de cana-de-açúcar, foi nas primeiras décadas do século XIX, que imigrantes de outros países, principalmente europeus, vieram para o Brasil em busca de melhores oportunidades de trabalho. No século XIX, o Brasil era visto na Europa e na Ásia como um país de muitas oportunidades. Pessoas que passavam por dificuldades econômicas enxergaram uma chance de prosperarem no Brasil. Muitos imigrantes também chegaram, fugindo do perigo provocado pelas duas grandes guerras mundiais que atingiram o continente europeu. Compravam terras e começam a plantar para sobreviver e também vender em pequenas quantidades. Aqueles que tinham profissões (artesãos, sapateiros, alfaiates) na terra natal abriam pequenos negócios por aqui. No começo da década de 1820, imigrantes suíços se estabeleceram no estado do Rio de Janeiro, alemães começaram a chegar à Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em 1840, para trabalhar em atividades ligadas à agricultura e pecuária. Os italianos foram para a cidade de São Paulo em 1870 trabalhar no comércio ou na indústria, ou então para o interior do estado, para trabalharem na lavoura de café que estava começando a ganhar fôlego em meados do século XIX. Já os japoneses começaram a chegar ao Brasil em 1908 e grande parte destes imigrantes foi trabalhar na lavoura de café do interior paulista, assim como os italianos.34

Já se discutia, porém, a necessidade de melhor selecionar e recrutar os trabalhadores para o comércio. Segundo Lourenço Filho (1949), alguns estabelecimentos já ofereciam cursos noturnos em vários locais pelo país, conhecidos como “academia de comércio”. O autor cita, inclusive, exemplos de famosos locais de formação como a “Fênix Caixeral do Ceará”35 e a “Associação dos Empregados do Comércio de Porto Alegre”36. (LOURENÇO FILHO, 1949, p. 5).

                                                                                                                         

34   BIONDI, L., (s/d). Imigração. Disponível em http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/IMIGRAÇÃO.pdf.

35  Fundada em 1891, a Fênix Caixeiral foi uma associação que desempenhou papel relevante na sociedade. Entre

seus associados estavam contadores, despachantes de alfândegas, leiloeiros, corretores, empregados de bancos e classes trabalhadoras em geral. Rendeu cinema, banco, hospital, clube, imprensa e a Escola de Comércio. Nessa escola a maioria dos alunos eram caixeiros, trabalhadores do comércio, uma classe apartada da elite, porém próxima da burguesia. O curso era noturno e profissionalizante. Incluía as disciplinas de francês, inglês, aritmética e escrituração mercantil. Associação propiciava a interação entre balconistas e os profissionais liberais participantes como professores, advogados, médicos, jornalistas, dentistas e estudantes de direito. (Fonte:

http://www.fortalezaemfotos.com.br/2011/03/fenix-caixeiral.html).

36  A Associação de Empregados do Comércio foi criada em 1899 e era umas das entidades comerciais a oferecer o ensino comercial juntamente com a Associação dos Guarda-Livros, fundada em 1876, e as escolas particulares como a Escola Mauá, criada em 1900, e também os próprios guarda-livros, que davam aulas práticas de escrituração mercantil, em seus escritórios ou residências. O desenvolvimento e a melhoria do ensino comercial

O ensino de um ofício, que tão bem compreendia as atividades do artesanato e da indústria, não desempenhava a mesma função quando relacionada às atividades comerciais.

Em relação a estas atividades

[...] notava-se a necessidade de maior cultivo geral, de conhecimentos da língua, das matemáticas, da geografia, da merceologia, de noções comuns de direito, de contabilidade, de processos de propaganda e de publicidade, as quais não podiam ser adquiridas no contacto rotineiro do próprio trabalho.

(LOURENÇO FILHO, 1949, p. 5 - 6, grifos meus).

De acordo com Nagle (2001), existem relatos com data de 1902 sobre a criação de Escolas de Comércio, com a Escola Prática de Comércio em São Paulo. Em 1905, o Decreto n. 1.339, de 09 de janeiro de tornaram a Academia de Comércio do Rio de Janeiro e a Escola Prática de Comércio de São Paulo utilidade pública. Este acontecimento promoveu o currículo e ensino destas escolas à referência para reconhecimento de seus diplomas e bases para suas legislações. Em 28 de maio de 1926 o Decreto n. 17.329 promoveu a primeira reforma curricular do ensino comercial. Tratava-se de iniciar um processo para eliminar a fase da ausência de linhas gerais conformando e organizando o ensino técnico-comercial, pois até então nada nesse sentido havia sido feito.

Em 1931, período importante para a educação brasileira com o Governo Vargas, acontece a regulamentação da profissão de contador e a segunda reforma do ensino comercial.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            eram uma exigência não só da expansão econômica e comercial, mas também do ambiente cultural do Rio Grande do Sul no início do século XX. Surgiu então a ideia de criar a Escola de Comércio de Porto Alegre.

Inicialmente foram oferecidos dois cursos, de acordo com o que estabelecia a legislação em vigor – o decreto no 1.339, de 9 de janeiro de 1905, estabelecia que o ensino seria essencialmente prático –: um Curso Geral, de nível médio, de três anos cujo ingresso era feito através de um exame de admissão, objetivava formar técnicos para o exercício das funções de guarda-livros, perito judicial e empregos da Fazenda, e um Curso Superior, com dois anos de duração para cujo ingresso era exigida a conclusão do Curso Geral, compreendia um conjunto de disciplinas de cunho mais fortemente profissionalizante, pois visava preparar profissionais para atuarem como agentes consulares, funcionários do Ministério das Relações Exteriores, atuários de companhia de seguros, chefes de contabilidade de estabelecimentos bancários e grandes empresas comerciais. (Fonte: CORRAZA, G.

(Org.), História centenária da Faculdade de Ciências Econômicas: 1909-2009. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009).

 

Neste ano também acontece a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública assumindo como titular da pasta Francisco Campos. Nesse período ocorre também a criação do Conselho Nacional de Educação. O Decreto n. 20.158, de 30 de junho de 1931, organiza o ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras providências. Segundo este decreto, a estrutura deste ensino é a de um curso propedêutico e dos seguintes cursos técnicos:

Secretário, Guarda-livros, Administrador-vendedor, Atuário e de Perito-contador. Previa também o curso superior de Administração e Finanças e um curso elementar de Auxiliar de Comércio.
Assim, ficou instituído para toda regularização e fiscalização a Superintendência do Ensino Comercial, subordinada diretamente ao Ministro da Educação e Saúde Pública.

Estas ações, compreendidas como Reforma Francisco Campos deram início à estruturação da educação brasileira em todos os níveis, conforme Romanelli (1984).

Em 1943 o ensino comercial foi totalmente reformulado pelo Decreto-lei 6141, de 28 de dezembro, também chamado de Lei Orgânica do Ensino Comercial. Tratava-se de uma proposta abrangente promovida por Gustavo Capanema, então, Ministro da Educação e Saúde Pública do Governo Vargas. Um dos pontos desta reforma promovia a articulação do ensino comercial com os outros ramos do sistema educacional brasileiro. Foi extinto o curso propedêutico e criado o comercial básico equivalente ao ginasial (primeiro ciclo). Outro objetivo era a elevação do curso de Contador ao nível de ensino superior. Segundo Niskier (1989, p. 293):

As finalidades da Lei Orgânica do ensino comercial estavam enumeradas no Art. 1o, assim redigido: Esta lei estabelece as bases da organização e de regime do ensino comercial, que é o ramo de ensino de segundo grau, destinado às seguintes finalidades: 1. Formar profissionais aptos ao exercício de atividades específicas no comércio, e bem assim de funções auxiliares de caráter administrativo nos negócios públicos e privados. 2. Dar aos candidatos ao exercício das mais simples ou correntes atividades no comércio e na administração uma sumária preparação profissional. 3.

Aperfeiçoar os conhecimentos e capacidades técnicas de profissionais diplomados na forma desta lei.

A nova estrutura do ensino comercial ficou assim estabelecida:

- Curso de Formação: Curso Comercial Básico com duração de 4 anos, ingresso com no mínimo 11 anos de idade, com exame de admissão e com a conclusão a obtenção de Diploma de Auxiliar de Escritório.

- Cursos Comerciais Técnicos com duração de 3 anos e ingresso pela conclusão de um dos seguintes cursos: Curso Comercial Básico, Curso de primeiro Ciclo do Ensino Secundário ou Ensino Normal, Curso de Contabilidade, Curso de Estatística, Curso de Comércio e

propaganda, Curso de Administração e Curso de Secretária.

Foram suprimidos dois cursos: o Superior de Administração e Finanças e o elementar de Auxiliar do Comércio. Quanto ao curso de Contabilidade, ao ser concluído, concedia o diploma de Guarda-Livros. Na grade curricular constava matérias do antigo curso técnico de Guarda-Livros e algumas do extinto curso de Contador. O curso era voltado aos assuntos ligados às empresas industriais, agrícolas, bancárias e ao comércio em geral.

2.6 O “aprendiz” e o “praticante” – Aproximações e distanciamentos entre