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1 A “NOVA PSICOLOGIA” ANGLO-AMERICANA

1.1 Breve caminho da Psicologia

Desde que o homem se percebeu como um ser pensante, inserido em um complexo que chamou de natureza, ele vem buscando respostas para suas dúvidas e fatos que

comprovem e expliquem a origem, as causas e as transformações do mundo. As pesquisas sobre a natureza do comportamento humano remontam aos filósofos gregos, como Platão e Aristóteles, no século V a.C., e se empenhavam em resolver problemas relacionados à memória, à percepção, à aprendizagem, à motivação, ao pensamento e ao comportamento anormal. (SCHULTZ e SCHULTZ, 2006).

Mas o surgimento de uma psicologia com bases científicas é um acontecimento típico da modernidade, especialmente do século XIX em diante, quando as várias ciências humanas começam se edificar. Para Ferreira (2005) existe um certo consenso entre os historiadores da psicologia no estabelecimento do século XIX como marco institucional do surgimento dessa ciência.

Entretanto, há elaborações sobre a história da psicologia que insistem numa origem mais remota. Dentre essas elaborações pode ser citado o trabalho de Edwin Boring (1950)3, que cruza os caminhos da história da Psicologia com os caminhos de uma busca ancestral de conhecimento do homem sobre si, confundindo-a com a própria história do saber ocidental. É como se no século XIX tivesse ocorrido a apropriação das intuições ancestrais para compor um saber regulado e cientificamente elaborado Outra linha de pensamento histórico aponta para o surgimento da psicologia a partir da irrupção de condições bem peculiares a partir do século XVI, que “[...] confluiriam para a necessidade do conhecimento de si, da busca de uma natureza na individualidade e na interioridade humanas”. (FERREIRA, 2005, p. 14). Ferreira (2005) adota a hipótese de que a partir da modernidade do século XVI as experiências que surgiram conduziram a uma variedade de orientações no campo da psicologia.

Até o século XVII os filósofos estudavam a natureza humana mediante a especulação, a intuição e a generalização e em quase nenhuma experiência ou observação empírica. Até este período, o homem olhava para o passado a fim de obter as suas respostas. Somente aplicavam instrumentos e métodos científicos que já se tinham mostrado eficazes nas ciências físicas e biológicas. Contudo, a partir do século XIX, ocorreu uma transformação substancial nos procedimentos, fazendo assim um estudo essencialmente científico, apoiado em observações e experimentações cuidadosamente controladas para estudar a mente humana, fazendo com que a psicologia alcançasse uma identidade que a distinguiria das suas raízes filosóficas.

                                                                                                                         

3  Boring, E. G. (1950). A history of experimental psychology. New York: Appleton-Century-Crofts.

 

Com os avanços da física e da tecnologia, os métodos e as descobertas da ciência cresciam vertiginosamente. De acordo com Schultz e Schultz (2006), tais avanços resultavam do o espírito do mecanicismo, força contextual básica do fundamento filosófico do século XVII, que enxerga o universo como uma grande máquina e tem como influência os trabalhos dos físicos Galileu Galilei (1564-1642) e Isaac Newton (1642-1727).

A observação e a experimentação, seguidos pela medição, eram marcas distintivas da ciência e, com eles, começou a ganhar força a ideia de que todos os fenômenos poderiam ser descritos e definidos por um número, ou seja, eram quantificáveis. A relação deste fato, que se deu aproximadamente 200 anos antes do estabelecimento da psicologia como ciência, é direta e conveniente, pois isso deu sentido e forma a uma nova psicologia, que estava a ser germinada, teria que adotar, pois se todo universo era agora como uma máquina, ordenado, previsível, observável, mensurável, assim também poderia ser o homem. Os mesmos eficazes métodos experimentais e quantitativos, utilizados para revelar os segredos do universo físico, podiam ser aplicados na exploração e previsão dos processos e condutas humanas.

(SCHULTZ e SCHULTZ, 2006).

Quando o empirismo se tornou dominante surgiu uma nova desconfiança sobre todo o conhecimento até então existente, sobre os conceitos e a visão que se tinha das coisas, dos dogmas filosóficos e teológicos do passado, aos quais a ciência estava presa. Vários homens contribuíram na elaboração de questões tão importantes para essa mudança.

Entre eles destaca-se René Descartes (1596 – 1650) por contribuir diretamente com a história da psicologia moderna, libertando o pensamento dos dogmas teológicos e tradicionais que dominaram desde a época aristotélica. René Descartes simboliza a transição da renascença para o período moderno da ciência e representa os primórdios da psicologia moderna. Sua maior contribuição para a história da psicologia moderna foi a tentativa de resolver o problema mente-corpo que era uma questão controversa e que perdurava desde os tempos de Platão. Absorvendo a posição dualista, na qual mente e corpo são de naturezas distintas, Descartes defendia que a interação entre mente e corpo era muito maior que se imaginava e que não só a mente poderia influenciar o corpo, mas o corpo também influenciava a mente.

Descartes argumentou que a função da mente era somente a do pensamento e que todos os outros processos eram realizados pelo corpo. Mente e corpo, apesar de serem duas entidades distintas, eram capazes de exercer influências mútuas e interagir no organismo humano. Essa teoria foi chamada de interacionismo mente-corpo. Descartes estabeleceu que somente por meio da razão, que mediava todas as relações sujeito-objeto, é que se pode

chegar à verdade sobre as coisas. Fez também severas críticas ao sensorialismo dizendo que os sentidos podem enganar e, partindo das ideias de Galileu, afirmou que a chave para a compreensão do universo estava na matemática. (SCHULTZ e SCHULTZ, 2006).

Após Descartes, a ciência moderna e a Psicologia desenvolveram-se rapidamente e, em meados do século XIX, o pensamento europeu foi preenchido por um novo espírito: o positivismo. Entre os protagonistas do positivismo estava Auguste Comte (1798-1857), filósofo francês que realizou uma grande pesquisa sobre o comportamento humano. A base de seu trabalho era o positivismo, uma “[...] doutrina que reconhece somente os fenômenos naturais observáveis de forma objetiva”. (SCHULTZ e SCHULTZ, 2006, p. 39). Qualquer forma de estudo baseado na natureza especulativa ou deduzível não era aceito pelo positivismo. As ideias de Comte foram amplamente respeitadas e dominantes no final doa anos 1800 na Europa. Reed (citado por Schultz e Schultz,2006, p. 39) afirmava que “Todos eram positivistas ou, pelo menos, alegavam ser.”

Positivismo, materialismo e empirismo converteram-se nos alicerces de uma psicologia moderna, onde os fenômenos psicológicos eram constituídos de provas factuais, observacionais e quantitativas, sempre baseados na experiência sensorial. O método dos empiristas apoiava-se completamente na observação objetiva, na experimentação e na premissa de que a mente se desenvolve a partir da acumulação progressiva de experiências sensoriais. Desta forma, é nítido que estas ideias iam de encontro às teorias de Descartes, que dizia que algumas ideias eram inatas. (SCHULTZ e SCHULTZ, 2006).

Esta epistemologia deu base para o surgimento da psicologia experimental e foi a responsável por, àquela época, elevar a psicologia ao status de ciência. Isto fez esta teoria reinar absoluta por vários anos na psicologia, de modo que fortaleceu bastante sua metodologia. (LANE, 1980).

O positivismo na psicologia foi o grande fomentador do aparecimento do funcionalismo, assim como de algumas teorias estruturalistas em psicologia. Mas suas principais herdeiras foram, no funcionalismo, as correntes psicológicas pragmáticas, dentre as quais as anglo-americanas mais famosas, o behaviorismo e o cognitivismo.

Em síntese, a linha evolutiva da psicologia é marcada por um constante oscilar entre as duas vertentes teóricas antagônicas, ora o pêndulo aponta para os princípios de uma tendência objetivista que prioriza o dado externo, ora aponta para uma tendência subjetivista baseada na consciência, ambas, por sua vez, objetivando atender às demandas configuradas em cada momento histórico que as originam.