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A aprendizagem na escola a favor da construção da cidadania

CAPÍTULO 2 A EDUCAÇÃO E A ESCOLA NA FORMAÇÃO INICIAL DOS PROFESSORES

2.3 A aprendizagem na escola a favor da construção da cidadania

Ao se pensar na escola como espaço de construção da cidadania, convém primeiro discutirmos os conceitos apresentados por Perrenoud (2005), que aponta que a escola não pode ser vista como um lugar de salvação e resolução de todos os problemas sociais, já que ela está inserida na sociedade, sendo seu fruto e, por esta razão, não pode ser mais altruísta ou virtuosa do que sua própria origem.

Neste caso, é preciso ter coerência para entender que, se pretendemos desenvolver a cidadania dentro do espaço escolar, algumas escolhas precisam ser feitas e, por isso, o autor (2002) lembra que as finalidades e propostas educacionais são escolhas ideológicas, diretamente relacionadas ao modelo de sociedade e de ser humano construído ao longo do processo educacional.

Ao defender uma escola que eduque para a cidadania, sabemos que o desafio é muito grande, na medida em que a sociedade se encontra impregnada de injustiças, de incivilidades e de violência. No entanto, pensamos, assim como Perrenoud (2005), que o espaço escolar é capaz de reforçar a democratização do acesso aos saberes e, dessa forma, possibilitar uma sociedade mais justa e menos intolerante e violenta.

A escola do século XXI, com suas concepções, suas finalidades, seus programas curriculares, o papel exercido pelos professores e a construção do conhecimento, que assim como Perrenoud, cremos ser capaz de contribuir para esta formação, precisa estar atrelada, no seu próprio funcionamento e de todos os atores nela articulados, a uma prática concreta de cidadania e com objetivos claros para tal fim, pois, “se não levar em conta os limites da educação e a variedade de expectativas em relação ao sistema educacional, o hino à cidadania mediante a escolarização é uma dupla hipocrisia” (2005, p.10).

Dessa forma, o grande desafio hoje não é mais colocar os jovens dentro da escola, mas propiciar uma formação em um nível mais elevado do que de saber ler, escrever e contar, essenciais no século XIX. Hoje, como afirma Perrenoud (2005, p.95), o papel que cabe à educação é o de

levar cada um a compreender que faz parte de um conjunto e que não pode sair fora do jogo sem enfraquecer seus próprios interesses; incitar a conceber a solidariedade não apenas como um valor humanista, mas sobretudo como condição prática da sobrevivência de uma sociedade.

Por isso, Perrenoud (2005) apresenta três questões essenciais para a escola que, assim como ele, consideramos essenciais para o século XXI:

1 – A escola deve ser um espaço que permita a construção dos conhecimentos e as competências capazes de entender a complexidade do mundo e da sociedade.

2 – A escola deve propiciar estudos para que a utilização dos saberes contribua para o desenvolvimento da razão, do respeito ao ser e a opinião do outro.

3 – A escola precisa trabalhar valores, representações e conhecimentos que o processo democrático sustenta e de que necessita.

Assim, a educação para a cidadania é a construção de meios intelectuais de saberes e de competências que são fontes de autonomia, de capacidade de se expressar, de negociar e de mudar o mundo. Para Perrenoud (2005), o fracasso escolar não é um outro problema da educação para a cidadania, mas sim o centro do problema, pois embora não sejam condições suficientes, a apropriação de saberes e da escrita e a construção de competências de alto nível são condições necessárias para se chegar a ela.

Apoiando-nos em Perrenoud (2005), entendemos que a cidadania é um status, o de um membro pleno de direito na vida moderna de um Estado-Nação, garantido juridicamente por uma Constituição, com sua aplicação efetiva nas práticas sociais. Todo este processo dinâmico depende também das relações de força estabelecidas na situação social, que implica, necessariamente, uma questão de identidade, de atitude, de conhecimentos e de competências.

Desta forma, o autor aponta que o papel da escola ao educar para a cidadania está diretamente relacionado ao desenvolvimento de valores, atitudes, posturas, práticas e competências.

No entanto, não basta apenas esse desenvolvimento. É preciso também garantir o acesso ao conhecimento, já que o modelo tradicional de uma única disciplina que eduque para a cidadania está ultrapassado, pois a cidadania não pode ser separada do saber e da relação com o saber. Ao contrário, ela deve desenvolver-se por meio da prática da razão, do respeito e da reflexão pelos fatos e argumentos, das hipóteses levantadas e das observações, principalmente porque, no âmbito de cada disciplina, a cidadania não pode ser separada do saber.

No entanto, o desenvolvimento da razão, do respeito e da reflexão só será possível de ser atingido se os futuros professores forem capazes de fazer uma leitura de forma autônoma, crítica, clara e coerente dentro das possibilidades que os textos podem oferecer. Ou seja, ler é uma competência essencial para o exercício profissional do futuro professor, como alguém livre e consciente de seu papel como cidadão nas diferentes práticas sociais.

Um primeiro aspecto abordado por Perrenoud está na importância da aprendizagem ativa dos saberes. Somente com a aquisição dos saberes e de competências é que o aluno pode ser visto como um sujeito autônomo, capaz de se expressar, ceder e negociar a partir de suas próprias convicções. Partindo dessa lógica, o autor estabelece uma relação consistente de que a democracia só existe na medida em que o sujeito se reconhece como alguém dotado de senso crítico, capaz de fazer escolhas livres e, para isso, é fundamental a construção de meios intelectuais que possibilitem esta construção, no caso, dentro do espaço escolar.

Assim, a ausência desses saberes é que implica a impossibilidade de reconhecer, enquanto cidadão, as diferenças e injustiças sociais que permeiam nossa sociedade. Tal ausência torna-se evidente hoje nas escolas públicas do estado de São Paulo, que convivem com péssimos resultados de ensino, mas que não são denunciados ou questionados por seus próprios alunos, pois os mesmos

não possuem saberes mínimos para tais questionamentos, uma vez que “seu capital cultural não é suficientemente significativo e pertinente para lhes proporcionar os meios de se defender, nem mesmo para compreender os mecanismos que os fazem sofrer ou que precipitam sua exclusão” (PERRENOUD, 2005, p.30).

Estes alunos, com dificuldades e lacunas graves de formação, é que chegam ao Ensino Superior buscando uma formação acadêmica e profissional para, futuramente, atuarem em sala de aula como professores. Por esta razão, priorizar e garantir uma formação humana, crítica, reflexiva e de qualidade é fundamental nos cursos de formação inicial dos futuros professores.

Outro aspecto abordado por Perrenoud (2005) diz respeito ao trabalho da escola ao abordar o conhecimento dos mecanismos que movem a sociedade hoje.

Para o autor, a apropriação dos saberes deve estar relacionada diretamente aos conhecimentos provenientes das ciências sociais. Por reconhecer a limitação que a divisão da grade horária impõe à esquematização das disciplinas, Perrenoud (2005) defende que é fundamental, dentro da escola, a possibilidade de abordar e discutir os diferentes elementos que movem a complexa rede social. Ele entende que este é o buraco negro dos programas escolares, já que o desconhecimento dos mecanismos e engrenagens da sociedade ainda se faz presente dentro da escola. Ou seja, ingenuamente, é como se as disciplinas, isoladamente, oferecessem conteúdo suficiente de base, para que o aluno, por acúmulo ou acréscimo, fosse capaz de, sozinho, entender os movimentos da política, da economia e dos problemas sociais.

Perrenoud (2005) defende então, que tais discussões precisam estar presentes na escola, pois é necessário “uma grande capacidade de abstração, de comunicação, de busca de informação e de assimilação de novos conceitos e de novos saberes” (p.31) para compreender a complexidade da sociedade atual e o aluno, neste aspecto, ser capaz de viver e agir em seus diferentes contextos.

Ao defender esta ideia, Perrenoud (2005) se apóia em Morin (apud PERRENOUD, 2005, p.33), para quem

a aprendizagem da cidadania passa pela adesão a valores e à lei, pela reflexão sobre o que seria uma organização ideal da comunidade, mas sobretudo pelo conhecimento realista dos

mecanismos demográficos, econômicos, políticos,

psicossociológicos ou jurídicos em ação, que sempre frustram nossos ideais.

Dentro dessa concepção proposta por Perrenoud, entendemos que a realidade da educação no Brasil, e em muitos outros países, não é capaz de atender a tais objetivos, pois o discurso de “crise da escola” se arrasta desde o final do século XIX, e as políticas educacionais acabam por reforçar as desigualdades, ao não oferecerem uma educação de qualidade em seus espaços escolares.

No entanto, discutir a crise por si só pouco acrescenta no debate educacional, mas Nóvoa (2002), ao refletir sobre a Formação de Professores e trabalho pedagógico, coloca em discussão, primeiramente, que a crise no cenário escolar é um fato que precisa ser superado e lança um olhar sobre as tensões e as dicotomias que envolvem atualmente a educação, como bem público ou como bem privado, principalmente pelo seu caráter de mercadoria, muito presente nas atuais discussões sob influência da Comunidade Econômica Européia e das políticas neoliberais implantadas em vários países.

Para ele, essa discussão apenas serve para empobrecer a reflexão, pois o que está em jogo é a própria renovação da educação como um “espaço público” (NÓVOA, 2002, p.19), ressaltando, no caso, que o espaço aqui, deve ser entendido num aspecto social e não geográfico.

Para o autor, esta renovação está apoiada em três questões essenciais: a comunidade, a autonomia e o conhecimento.

1. A comunidade, ou dinâmica associativa, é fundamental na renovação do espaço escolar, na medida em que ela deve assumir uma responsabilidade coletiva na gestão pela educação, através de iniciativas e pela sua presença na organização das escolas. Desta

forma, será capaz de evitar que as decisões sejam impostas, de forma burocrática e autoritária, sem a participação de todos os envolvidos, no caso, as famílias, os alunos, os professores e a direção.

2. A autonomia está centrada justamente na “reorganização da escola como realidade multipolar, composta de lugares físicos e de lugares virtuais” (NÓVOA, 2002, p.21), que possibilitam que as práticas familiares, sociais e comunitárias resgatem seu espaço, de forma consistente dentro da escola, já que “o modelo escolar – espaços físicos fechados, estruturas curriculares rígidas, formas arcaicas de organização do trabalho – está fatalmente condenado” (NÓVOA, 2002, p. 21).

3. O conhecimento, não entendido por Nóvoa como aquele disponível de diferentes formas e em diferentes lugares, mas sim, o conhecimento capaz de estabelecer uma relação entre ele e o ensino, como “um momento fundamental para o explicar, para revelar a sua evolução histórica e para preparar a sua apreensão crítica” (NÓVOA, 2002, p. 21).

Ao defender a renovação do espaço escolar, Nóvoa reconhece que ela só será plenamente conquistada com um corpo docente preparado e valorizado. Por isso, destaca a relevância dos programas de formação inicial na construção do papel profissional exercido pelos futuros professores.