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CAPÍTULO 3 A LEITURA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

3.5 A compreensão como atividade cognitiva

Ao falar em leitura e compreensão de um texto, entendemos, assim como Marcuschi (2008), como um processo dinâmico em que a primeira pressupõe

muito mais do que simplesmente extrair conteúdos e informações da superfície textual. A compreensão pela leitura de um texto envolve aspectos que vão além do linguístico, pois a interação implica a necessidade de representá-la mentalmente para produzir sentido.

Van Dijk (2004) apresenta um modelo estratégico de processamento do texto, que busca explicar como o leitor constrói modelos de representação e estratégias para atribuição de sentidos.

Para o autor, na medida em que o leitor escuta ou lê um texto, constrói representações, que são os conhecimentos estabilizados em sua memória. A partir daí, acompanhados das interpretações que lhes são associadas, chega ao pressuposto construtivista do modelo proposto por ele. Em seguida, os leitores, em interação com o texto, trabalham com o pressuposto interpretativo.

Dessa forma, a compreensão é construída não só pelo processamento e a interpretação de informações exteriores, mas também pela ativação e o uso das informações internas e cognitivas. Compreender então pressupõe três tipos de informação: sobre o acontecimento, sobre a situação ou contexto e sobre as pressuposições cognitivas.

No entanto, apesar dos leitores terem a capacidade de atuar com as informações em seus diferentes tipos e de formas heterogêneas, a ordem estabelecida para o processamento é definida para atender um objetivo, entendido por Van Dijk como pressuposto estratégico.

Para Van Dijk (2004), as estratégias são passos interpretativos com finalidades determinadas, efetivas, eficientes e flexíveis. Tais estratégias são essenciais por se constituírem como hipóteses operacionais eficazes sobre a estrutura e o significado de parte de um texto ou mesmo de um texto na íntegra.

Já como pressupostos contextuais, Van Dijk considera que os textos são produzidos e recebidos em situações determinadas, e, por esta razão, o modelo cognitivo deverá fornecer elementos para a compreensão do texto dentro do contexto social, como um pressuposto funcional. O leitor, na interação pela leitura,

constrói não apenas uma representação de um texto, mas também do contexto social e que ambas interagem.

Enquanto pressuposto pragmático, Van Dijk destaca que ao se interpretar um texto, é possível também se construir uma representação dos possíveis atos de fala envolvidos, avaliando o texto em relação às funções pragmáticas pretendidas. Já o pressuposto interacionista, para o autor, está diretamente relacionado a uma interpretação de todo o processo de interação entre os participantes da situação. Por fim, o pressuposto situacional varia de acordo com os contextos sociais, sejam eles formais ou informais.

Para a análise do processamento de um texto deve-se partir das unidades das palavras, nível inferior, para as unidades dos temas gerais, definidas como macroestrutura. A macroestrutura textual é uma representação abstrata da estrutura global do significado de um texto e sua natureza é semântica em um nível superior ao das proposições.

Pelo modelo proposto por Van Dijk, não há níveis, mas sim complexidades, partindo-se das palavras que exercem várias funções, para as estruturas mais complexas de compreensão.

Essa compreensão, tanto de uma palavra como de uma oração, levará em conta sua estrutura funcional enquanto um todo, tanto sintático quanto semântico. Opera-se com um modelo estratégico de compreensão, que depende não somente de características textuais, mas também dos usuários, seus objetivos e seus conhecimentos de mundo.

As estratégias gerais são as partes de um conhecimento geral que representa um conhecimento de procedimentos de que dispomos para compreender um texto. Elas podem ser esquematizadas, segundo o autor, em:

1. Estratégias proposicionais – são construídas com base no significado das palavras, ativado pela memória semântica e nas estruturas sintáticas das orações.

2. Estratégias de coerência local – estabelecem as conexões significativas entre as sucessivas orações em um texto para construção da coerência.

3. Macroestratégias – são flexíveis e têm um caráter investigativo dos fatos.

4. Estratégias esquemáticas – são as superestruturas que fornecem a sintaxe completa para o significado global, para a macroestrutura do texto.

Para que tais estratégias possam resultar na compreensão de um texto, é fundamental reconhecer que o leitor mobiliza vários tipos de conhecimentos armazenados na memória e que são acessados no momento do processamento textual, que Koch e Elias (2006. p.39) assim sintetizam:

1. Conhecimento linguístico – compreende o conhecimento gramatical e lexical responsável pela articulação som-sentido e pela organização do material linguístico na superfície textual.

2. Conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo – que está armazenado na memória de longo prazo. Como afirma Koch (2007, p.61), ele “atua como uma espécie de dicionário do mundo e da cultura que temos arquivado na memória semântica e episódica”, que se organiza em conjuntos e blocos, chamados de “conceitos e modelos cognitivos globais”.

3. Conhecimento sociointeracional – conhecimento sobre as ações verbais, que são as formas de inter-ação por meio da linguagem. 4. Conhecimento ilocucional – permite identificar e reconhecer os

objetivos que um falante, em uma dada situação de interação, pretende atingir.

5. Conhecimento comunicacional – diz respeito às normas gerais de comunicação humana. Neste caso, qual a quantidade de informação

necessária para que o interlocutor, numa situação de comunicação, possa identificar o objetivo do texto,escolha a variante linguística adequada à situação de comunicação e, finalmente, a adequação ao gênero textual necessário.

6. Conhecimento metacomunicativo – permite ao produtor do texto garantir a compreensão de um texto e a aceitação dos objetivos com que é produzido, utilizando vários tipos de ações lingüísticas por meio de sinais ou apoios textuais.

7. Conhecimento superestrutural – permite a identificação e definição dos textos nos diversos eventos da esfera social. Contempla os conhecimentos sobre as macrocategorias ou unidades globais que distinguem os vários tipos de textos em circulação.

Além dos conhecimentos envolvidos na leitura de um texto, Beaugrande e Dresller (1981) apresentam sete critérios, sendo dois focados no texto e cinco focados no leitor apresentados e discutidos por Koch (2004), que contribuem para a compreensão e possibilitam critérios de acesso à produção de sentidos e uma melhor interação.

É relevante destacar, como afirma Marcuschi (2008, p.97) que “os sete critérios de textualização mostram quão rico é um texto em seu potencial para conectar atividades sociais, conhecimentos linguísticos e conhecimentos de mundo”. Por isso, são essenciais para a construção do sentido de um texto. No entanto, eles precisam ser compreendidos como critérios de acesso ao sentido do texto e não que eles exerçam a função de ser uma única proposta de análise na forma de uma lei.

São eles:

1. Coesão textual – é a forma como os elementos linguísticos estão presentes na superfície do texto e se interligam, se conectam por meio de recursos que também são linguísticos, formando um tecido que é superior à frase. Eles podem ser de ordem gramatical, sintático,

anáforas, por exemplo. Já a coesão sequencial refere-se aos procedimentos linguísticos que se estabelecem entre os diferentes segmentos do texto, diversos tipos de relações, que podem ser semânticas, pragmáticas-discursivas.

2. Coerência – além de um critério de textualidade, deve ser o resultado de uma construção exercida pelos próprios usuários do texto em determinada situação comunicativa.

3. Situacionalidade – deve ser entendida em dois aspectos: no primeiro, refere-se ao conjunto de fatores que tornam o texto importante para determinada situação comunicativa. No segundo, o produtor do texto reconstrói o mundo a partir de suas experiências, objetivos e propósitos, ou seja, sua visão de mundo. O leitor interpreta este texto de acordo com seus propósitos e convicções. Constata-se uma mediação entre o mundo real e o que foi construído pelo texto.

4. Informatividade - refere-se a distribuição da informação ao longo do texto e, ao mesmo tempo, ao grau de redundância com que esta informação é veiculada.

5. Intertextualidade – refere-se à maneira pelas quais a produção e a compreensão de um texto variam de acordo com o conhecimento de outros textos pelos leitores, numa relação dinâmica entre eles.

6. Intencionalidade – refere-se aos diferentes modos como os leitores usam os textos para alcançar suas intenções comunicativas, mobilizando todos os recursos para alcançar tais objetivos.

7. Aceitabilidade - refere-se à contraparte da intencionalidade, já que busca a adesão do leitor; agir de acordo com as regras para a construção do sentido.

Os sete critérios propostos não podem ser entendidos de forma rígida ou permanente, pois “tudo imbrica numa relação muito estreita” (MARCUSCHI, 2008, p.95). Por isso, o autor propõe um esquema que pode ser assim entendido:

1. três grandes pilares da textualidade que estão num processo – o autor, o leitor e um texto;

2. dois momentos devem que ser observados: o acesso cognitivo pelo aspecto estritamente linguístico ou co-textualidade e, por outro, o acesso cognitivo pelo aspecto contextual (situacional, social, histórico, cognitivo, enciclopédico), o que exige o conhecimento de mundo e sociointerativos;

3. dois conjuntos que envolvem os critérios de textualidade: o primeiro que envolve a coesão e a coerência e o segundo de aceitabilidade, informatividade, situacionalidade, intertextualidade e intencionalidade.