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4 A ARGUMENTAÇÃO NA ESCOLA

4.1 A argumentação no texto dissertativo-argumentativo

Argumentar é uma prática cotidiana, presente em vários momentos do nosso dia a dia, em diferentes situações. Porém, a qualidade dessa argumentação diz respeito a convencer o leitor ou o ouvinte a aceitar a tese de quem a produziu. No texto dissertativo- argumentativo, fica em evidência a capacidade do produtor de expor uma situação-problema, apresentando uma tese (opinião) sobre o fato e articulando-a com argumentos coerentes e significativos. Precisa-se, portanto, ressaltar que o texto dissertativo-argumentativo necessita ter dois elementos fundamentais que são a exposição teórica (situar o leitor a respeito do tema) e a existência de força persuasiva (capacidade de influenciar o leitor). Sobre o primeiro elemento, faz-se necessário levar em consideração o grau da reflexão feito pelo participante. Para que isso aconteça, a exposição precisa apresentar os fatos, servindo para situar o problema em uma determinada esfera (temporal, geográfica, humana, entre outros). Assim, a profundidade da discussão teórica precisa ser relevada pelo conhecimento sobre o tema que o participante oferece no texto, mas esse conhecimento não pode ser algo completamente desconhecido do leitor.

Sobre o segundo elemento, que é a persuasão, o produtor apresentará uma ideia e lançará mão de um raciocínio capaz de comprová-la. Na persuasão, além da qualidade dos argumentos, é imprescindível que o produtor use conectivos que articulem os argumentos. Um bom indicativo para a percepção quanto à avaliação da persuasão, é notar se o produtor conseguiu extrair dos textos motivadores informações de maneira correta e, depois, se soube articulá-las com a tese defendida no texto. Quanto mais o produtor abrir mão da utilização de argumentos não presentes em textos motivadores, maior será o seu conceito quanto a argumentos relevantes e persuasivos.

Segundo Cantarin (2016), do ponto de vista textual, a primeira coisa a se fazer ao situar o leitor a respeito do tema, ocorreria por vezes através da contextualização histórica do

problema, até chegar aos dias atuais; ou fazer o caminho do geral ao específico, mostrando o tema de uma forma mais abrangente até chegar a questões específicas.

Como já relacionado em trechos anteriores, a argumentação tem por finalidade trazer clareza ao leitor, convencendo-o sobre o sentido que se constrói. Assim, a articulação das ideias utilizadas é fundamental. Segundo Coroa (2016), fenômenos, conceitos ou ideias são chamadas de tese. Esta sustenta-se como verdadeira quando ancorada em argumentos que permitem uma continuidade de sentido que levem a uma constatação. Para validar um argumento, muitas vezes relações lógicas para demonstrar a verdade daquilo que diz, como as de causa e consequência e as de condição, a exemplo de “por causa disso” ou “afim de que”. Outra estratégia é a utilização de casos particulares, a partir de generalizações.

Para que não haja o comprometimento quanto à coerência textual, requer “pistas textuais” que tratem o argumento de maneira clara e sem equívocos. Para isso, a escolha da argumentação, o ponto de partida seja respeitado ao longo da tessitura textual. Essas relações lógicas não se dão somente com a retomada da ideia apresentada na tese, mas também com a inclusão de novos referentes ao longo do texto.

Outra importante estratégia argumentativa diz respeito à negação de possíveis ou hipotéticas constatações revela-se uma produtiva estratégia argumentativa se empregada juntamente com a afirmação das comprovações. Nem só pela via da afirmação ou só pela negação se constrói um argumento eficaz.

De uma maneira geral, o texto dissertativo-argumentativo tem um autor que propõe uma tese (ou uma hipótese) e se debruça sobre o texto com o propósito de justificá-la. Ao colocar-se no texto a partir de uma tese, que é o resumo de uma posição (uma teoria ou ideologia, por exemplo), o autor deve encontrar argumentos suficientes para convencer o leitor ao longo do texto, que a sua tese apresentada inicialmente é verdadeira.

Existem dois tipos de tese:

a) Científica: os argumentos que sustentam a tese vêm de uma comprovação ou estudo científico;

b) Ideológica: os argumentos podem expressar uma crença como a religiosa, jurídica, política, entre outros).

Segundo Possenti (2016, p.105), “[...] outra divisão importante no que se refere aos argumentos diz respeito a eles serem factuais, até mesmo numéricos ou estatísticos (quantitativos) ou a serem “abstratos” (expressando valores, isto é, ideologias).” Uma observação importante feita pelo autor, diz respeito à questão de argumentos quantitativos, uma vez que, mesmo sendo uma tese de natureza ideológica, faz-se necessária a apresentação

de dados e valores de maneira a tornar o argumento convincente. Já os argumentos qualitativos, são explicações baseadas na crença de que tais argumentos são verdadeiros, como verdades propostas por pensadores e que se tornaram correntes ao longo da experiência popular, como provérbios, por exemplo.

Os argumentos de autoridade (normalmente de tipo ideológico), ou seja, uma afirmação de um intelectual pode funcionar como um argumento em defesa de uma tese. Da mesma forma acontece com argumentos que utilizam a Bíblia ou a Constituição para embasar os argumentos. Outra observação acerca de argumentos de natureza ideológica, dizem respeito ao posicionamento frente a algumas situações, como o caso das cotas, por exemplo, em que uma pessoa pode ser a favor ou contra a situação das cotas nas universidades e, a partir da sua visão, construir o seu argumento contrário ou favorável. Neste tipo de argumentação, é comum defender atacando, ou seja, tentar enfraquecer os argumentos que não condizem com a forma de pensar de quem está produzindo o texto.

Como dito anteriormente, nosso trabalho propõe-se a fazer uma análise em torno do processo de argumentação em textos dissertativo-argumentativos sob a ótica do Enem, para estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental. Assim, nos debruçamos nas competências II, III e IV do referido exame por serem as que tratam diretamente do assunto proposto por este trabalho. Desta forma, podemos observar o aspecto estrutural do texto a partir do que é cobrado na Matriz de Referência do Enem na competência II, observando a presença de algumas fases, tais como a tese inicial, os dados ou argumentos utilizados, a garantia ou conhecimentos implícitos que apoiam e complementam os argumentos, as inferências que dizem respeito à ligação que se consegue fazer ao relacionar os dados à conclusão e o ponto de vista central. Na competência III, observa-se aspectos relacionados à ordem pragmático- retórica, ou seja, o autor do texto deve se valer de técnicas argumentativas para tornar mais persuasivas as informações e opiniões acrescidas (usar definições, comparações, técnicas de inclusão de partes num todo, cálculos de probabilidade, exemplos, ilustrações, analogias, entre outros). A partir dessas estruturas, deve-se observar que para um texto ser considerado de excelência argumentativa, deverá apresentar coerência textual. Cavalcante (2016b, p. 130) afirma que “Assim sendo, enquanto parte da Competência II envolve a análise do aspecto composicional do texto argumentativo, a III envolve todas as estratégias usadas pelo participante com a finalidade de persuadir o leitor”.

Para Cavalcante (2016b), o desafio da competência III para o corretor, é identificar a tese central, ou conclusão nova tese, ou ponto de vista principal do texto. Não necessariamente a opinião central defendida pelo produtor do texto precisa estar logo no início

do texto. Pode haver a tese inicial que consiste num comentário geral para apenas introduzir o tópico central do texto. Este é o tema em torno do qual a redação irá se desenvolver. A tese é individual, assim como a escolha de dados que irão ratificá-la. Os argumentos selecionados, podem se apoiar em conhecimento enciclopédicos, linguísticos e interacionais, além de convenções sociais, por exemplo. Faz-se necessário a comprovação do raciocínio apresentado para defender a tese, pois corre o risco de serem desconexos ou até mesmo irrelevantes para a defesa de um ponto de vista.

Outro ponto importante a ser tratado quando se fala em argumentação, diz respeito ao implícito, ou seja, um enunciado que não é expressamente formulado, devendo ser descoberto pelo leitor. Segundo Possenti (2016), ainda sobre o implícito, foi desenvolvida por Ducrot e Anscombre na década de 1970, uma teoria chamada de semântica argumentativa. Essa teoria diz que o sentido de um enunciado não se limita a sua interpretação literal, mas com a direção para a qual ele aponta. Como exemplo, podemos dizer que, quando uma pessoa diz “tem um pouco de bebida”, pode significar que tem pouquíssima bebida e precisam providenciar mais, ou pode significar que ainda tem o suficiente. A partir desta teoria, podemos perceber o quanto o domínio chamado coerência textual está entrelaçado ao implícito. Por exemplo, se uma pessoa relata no texto que há “pouca esperança” de que as coisas melhorem, certamente o restante do texto não poderá partir para uma argumentação positiva sobre o fato.

Sobre a teoria da semântica argumentativa, o caso mais analisado por Ducrot foi a conjunção “mas”, pois esta serviu tanto para mostrar a sua tese argumentativa quanto para exemplificar sobre o valor do implícito. Um exemplo bastante significativo utilizando-se desta conjunção é quando se diz “a casa é grande, mas é cara”. Isto significa dizer que apesar de ser uma casa boa, ela apresenta-se não favorável a compra pelo seu valor. A primeira oração é descartada e a segunda passa a ser a dominante. Se invertermos a posição das orações “é cara, mas é grande”, altera o sentido e a compra passa a ser favorável.

Ducrot apud Possenti (2016) apresenta a teoria dos topoi (lugares), ou seja, crenças ou verdades amplamente aceitas. Conforme explicita Neveu (2008, p. 46) “[...] lugares comuns argumentativos destinados a definir o caminho a ser seguido para passar de um argumento a uma conclusão”. Um exemplo para elucidar a compreensão diz respeito ao fato de se oferecer um vinho a um amigo e este responder “obrigado, mas está muito quente”, isto é, a resposta traz um tópos, ou seja, um lugar-comum de que vinho é uma bebida de estações mais frias. Ao contrariar o lugar-comum, pode-se ter problemas de interpretação de enunciados, ou em relação a representações de ordem cultural ou ideológica.

Dentre as teorias de Ducrot e Ascombre apud Possenti (2016), uma delas é conhecida como teoria dos blocos semânticos, ou seja, consiste em perceber no primeiro enunciado ou palavra, um bloco com a sequência. Exemplo: “rico, portanto feliz”. Assim, existem duas sequências possíveis: uma normativa (segue a cultura dominante e que usa normalmente o conector “portanto”) e uma transgressiva (que a contraria, usa normalmente “mas” ou “mesmo assim”).

Nos estudos sobre argumentação, como já tratado, o conteúdo implícito tem posição de destaque. A esse destaque podem também ser atreladas as figuras retóricas, que são uma ferramenta de persuasão. Uma vez não sendo conhecedor dos conceitos da retórica argumentativa, o produtor de texto normalmente fará uso naturalmente para construí-lo. O uso das figuras de retórica pode dizer muito sobre aspectos socioculturais de quem as usam. Assim, o texto dissertativo-argumentativo que faz um bom uso das figuras retóricas está imbuído de fatores lógicos, fatores psicológicos e fatores sociológicos, que influenciam de uma certa forma, a direção argumentativa dos sujeitos.

No caso das figuras retóricas, diante de seu uso na argumentação, entendemos que as suas marcas implícitas estão amparadas em dois vieses: o reforço de um ethos e a criação de um pathos, entre o locutor e o interlocutor. O ethos se refere ao caráter assumido pelo locutor para chamar a atenção e angariar a confiança do interlocutor. Nessa tarefa são utilizados conceitos, citações, exemplos, comparações, estatísticas etc.; já o pathos está ligado às tendências, aos desejos, às emoções do interlocutor, que poderão aparecer nas ideias trazidas tanto no senso comum quanto de um saber coletivo. A dinâmica textual operaria entre esses dois elementos, variando conforme a necessidade de o locutor persuadir o interlocutor e de acordo com os elementos de “prova” que tenha disponíveis (ANDRADE, 2016, p. 144).

O uso das figuras de retórica é proporcional à qualidade da escrita, desta forma, juntamente com estas, existe a estruturação tipológica e temática, o bom uso da competência gramatical e uma clareza no posicionamento crítico, concorrem para a construção de marcas autorais.

No processo de seleção de argumentos, deve-se contemplar aqueles que a sustentam, verificando se estes argumentos estão trabalhando a favor da defesa do ponto de vista adotado. Quanto à previsibilidade, por exemplo, pode enfraquecer o esquema argumentativo, sobretudo se estiver aliado ao senso comum. Sobre o uso de citações no texto, não devem ser confundidas com o repertório sociocultural produtivo. O que vai ser considerado é a articulação destas informações com o restante do parágrafo e do texto.

Koch (2016) faz referência a um dos princípios da textualidade, que é a coesão, tratado por Beugrand e Dressler. Dois princípios centrados no texto: coerência e coesão; e princípios centrados nos usuários (a informatividade, a situacionalidade, a intertextualidade e

a aceitabilidade). A coesão, segundo os autores citados, é formada por um grupo de mecanismos cuja função é auxiliar na construção de sentidos entre enunciados ou partes do enunciado, como por exemplo: oposição ou contraste (mas, mesmo); finalidade ou meta (para); consequência (foi assim que, em); localização temporal (até que); explicação ou justificativa (porque); adição de argumentos ou ideias (e). Através destes mecanismos, vai se apresentando a tessitura do texto, denominada de coesão textual.

A partir do estudo sobre coesão textual, apresentaram-se algumas subdivisões para facilitar melhor a compreensão, que são a coesão referencial, a coesão sequencial e a progressão temática. Como nos coloca Elias (2016, p. 176), no princípio a linguística textual trazia a coesão textual como a forma pela qual poderíamos remeter um elemento linguístico a outros elementos no interior de um texto. Assim, temos a anáfora, que faz um movimento retrospectivo, remetendo a um referente anterior. Um exemplo seria “O apaixonado é incapaz se declarar, ele se denuncia”. (Carpinejar, 2010 apud Elias, 2016) O pronome ele retoma o referente que veio antes dele: “o apaixonado”; e a catáfora, que faz um movimento prospectivo e que remete a um referente que lhe era subsequente. Temos como exemplo: “Eles eram pequenos, grandes ou enormes. Alguns corriam animados, outros – mais tímidos - deitavam no chão. Todos eram cães de raça e estavam fantasiados para desfilar em um ... shopping.” (Machado, 2014 apud Elias, 2016). Os pronomes eles, alguns e outros remetem ao referente que vem depois: cães de raça. Assim, temos uma catáfora.

Quadro 2 - Estratégias de coesão referencial e sequencial

Estratégias de coesão referencial Estratégias de coesão sequencial

 Uso de elementos de ordem gramatical: pronomes, numerais, artigos, advérbios locativos, etc;

 Uso de elementos de ordem lexical: repetição de item lexical; sinônimos ou quase sinônimos, expressões nominais definidas, nominalizações, nomes genéricos, etc;

 Uso de elipse (substituição por zero).

 Com reiteração de formas linguísticas: repetição, paralelismo, paráfrase;

 Sem reiteração de formas linguísticas; - progressão temática (com tema constante, com temas variados, com progressão do tema de forma linear, etc; - encadeamento (por justaposição e por conexão).

Fonte: Elias (2016)

Os elementos que contribuem para a coesão referencial são os pronomes, os numerais, os artigos, advérbios locativos, repetição total ou parcial de um mesmo item lexical, sinônimos ou quase sinônimos, nomes genéricos, expressões ou grupos nominais definidos, nominalização.

A coesão sequencial diz respeito a procedimentos linguísticos por meio dos quais se estabelecem entre segmentos do texto (enunciados, partes de enunciados, parágrafos, sequências textuais) diversos tipos de relações semânticas ou pragmática-discursivas, à medida que faz o texto progredir. Pode ocorrer com a repetição de termos, o paralelismo (recorrência de estruturas sintáticas) e com a paráfrase (recorrência de conteúdos semânticos).

Já a progressão temática diz respeito ao modo como se encadeiam os temas (aquilo que se fala) e os remas (o que se diz sobre o tema). Existem alguns tipos de progressão temática, conforme Koch (2004), que são progressão temática com tema constante, progressão temática com divisão do tema, progressão temática linear e o encadeamento.

Assim, foram apresentadas algumas estratégias de coesão textual, sequencial ou referencial que são utilizadas para estabelecer a conexão entre as partes do texto.