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As Condições para argumentação eficiente: o acordo prévio e os lugares da

3 A RETÓRICA: BREVES PERCURSOS HISTÓRICOS

3.1 A Nova Retórica

3.1.1 As Condições para argumentação eficiente: o acordo prévio e os lugares da

O conceito de acordo prévio, são as proposições iniciais da argumentação que devem ser aceitas pelo auditório. Para Perelman e Tyteca (2005, p 73), “[...], esse acordo tem por objeto ora o conteúdo das premissas explícitas, ora as ligações particulares utilizadas, ora a forma de servir-se dessas ligações: do princípio ao fim, a análise da argumentação versa sobre o que é presumidamente admitido pelos ouvintes.” Na ausência desse acordo, a argumentação torna-se impraticável. No entanto, mesmo durante o desenvolvimento da argumentação, o acordo entre orador e auditório estabelecido inicialmente pode ser reafirmado ou redefinido.

Há dois tipos de objetos que servem de acordo prévio: o real, que comporta os fatos, as verdades e as presunções, e o preferível, que comporta os valores, as hierarquias e os lugares do preferível. Para Perelman e Tyteca (2005), as premissas baseadas no real são mais propícias ao auditório universal, enquanto as premissas fundamentadas no preferível são melhor orientadas para auditórios particulares.

 Objetos de premissas baseados no real: por um lado, agregam os fatos e as verdades, cujos limites classificatórios são tênues e, por outro lado, as presunções.

a) Os fatos e verdades: os fatos são definidos como dados concretos que se referem a uma realidade objetiva e dependem de sua condição de verificação, no entanto, os autores compreendem que, dependendo da cultura, do lugar geográfico, das crenças e dos valores filosóficos de um grupo, determinados fatos possuem maior ou menor grau de aceitação. “Os fatos que são admitidos podem ser, quer fatos de observação – e esta será, talvez, a fração mais importante das premissas –, quer fatos supostos, convencionais, fatos possíveis ou prováveis” (Perelman; Tyteca 2005, p. 77). As verdades são conjuntos ou sistema inter- relacionados de fatos. “[...] designar-se-ão de preferência com o nome de verdades sistemas mais complexos, relativos a ligações entre fatos, quer se trate de teorias científicas ou de concepções filosóficas ou religiosas que transcendem a experiência”. (Perelman e Tyteca 2005, p. 77). Os pontos de partida da argumentação, dependem quase que exclusivamente do conhecimento que o orador dispõe do auditório, ou seja, o orador precisa estar ciente das concepções defendidas pelo auditório. A argumentação discursiva o mais das vezes, utiliza fatos e verdades (teorias, dados científicos, verdades religiosas, por exemplo) como objetos de acordo distintos, mas entre os quais existem vínculos que permitem a transferência do acordo.

b) As presunções: baseiam-se na ideia de que um enunciado, mesmo que não expressando um fato objetivo da realidade concreta ou uma verdade aceita, refere- se a um dado possível enunciado em condições de verossimilhança. Para Perelman e Tyteca (2005), todos os auditórios admitem presunções. Algumas das presunções mais usuais são

[...] a presunção de que a qualidade de um ato manifesta a da pessoa que o praticou; a presunção de credulidade natural, que faz com que nosso primeiro movimento seja acolher como verdadeiro o que nos dizem e o que é admitido enquanto e na medida em que não tivermos motivo para desconfiar; a presunção de interesse, segundo a qual concluímos que todo enunciado levado ao nosso conhecimento supostamente nos interessa; a presunção referente ao caráter sensato de toda ação humana. (PERELMAN; TYTECA, 2005, p.79)

 Objetos do acordo prévio baseados na estrutura do preferível: nesse grupo se encontram os valores, as hierarquias e os lugares do preferível e são mais indicados para argumentações destinadas a auditórios particulares.

a) Os valores: são crenças e, portanto, possuem um caráter relativo, em geral, dizem respeito àquilo que deve ser objeto de desejo ou de estima e podem ser concretos ou abstratos. Os valores concretos estão vinculados a uma pessoa ou a

um grupo determinado ou, ainda, a um objeto particular; os valores abstratos relacionam-se a algumas noções da cultura ocidental, tais como disciplina, solidariedade, fidelidade, lealdade, etc.

b) As hierarquias: são ligadas aos valores, pois se baseiam em conceitos como a superioridade dos homens sobre os animais ou dos deuses sobre os homens, ou ainda do ser humano sobre a coisa. Hierarquias abstratas podem ser convocadas para estabelecerem acordos prévios, tais como a superioridade do justo sobre o útil ou da causa sobre a consequência.

c) Uma vez estabelecido o acordo prévio, o passo seguinte de qualquer argumentação é determinar o lugar do qual o discurso se desenvolverá, isto é, selecionados os valores, as hierarquias ou os fatos, é preciso fundamentá-los. Na retórica aristotélica, havia dois tipos de lugares: os lugares-comuns e os lugares- específicos. Os lugares-comuns serviam a todo tipo de fundamentação dialética e os lugares-específicos seriam próprios de uma ciência particular ou de uma filosofia. A partir de estudos dos lugares estabelecidos por Aristóteles, Perelman e Tyteca (2005) estabelecem dois lugares principais: os lugares da quantidade e os lugares da qualidade e outros tipos de lugares (lugares da ordem, do existente, da essência e da pessoa), que fundamentam os argumentos selecionados para a argumentação eficiente:

 Os lugares da quantidade: são os lugares comuns que apontam que alguma coisa é melhor do que outra por razões quantitativas, por exemplo, a escolha da maioria é preferível à escolha da minoria, um bem mais duradouro é preferível a um bem menos duradouro, um produto que serve a muitos é preferível a um produto que serviria somente a alguns, e assim sucessivamente. “Podemos considerar como lugares da quantidade a preferência concedida ao provável sobre o improvável, ao fácil sobre o difícil, ao que há menos risco de nos escapar”. (Perelman e Tyteca, 2005, p. 99).

 Os lugares da qualidade: em oposição aos lugares da quantidade, desprezam o benefício dos números. Fundamentar uma argumentação a partir dos lugares da qualidade é ― mostrar que nossa escolha sobre determinado ente ou de um objeto qualquer está associado à maneira como decorre da maneira como concebemos nossas relações com ele, ou seja, podemos valorizar aquilo que é raro e original para contrapor ao múltiplo e corriqueiro.

Lugares como da ordem, do existente, da essência e da pessoa também são examinados por Perelman e Tyteca (2005), embora reconheçam que, de maneira geral, todos

os lugares poderiam ser agrupados nos dois primeiros tipos, e afirmam que examinar esses outros lugares é somente uma especificação dos primeiros.

 Os lugares da ordem sustentam que o anterior é superior ao posterior, isto é, as causas são superiores às consequências e os princípios superiores aos objetivos; os fatos são superiores às leis etc.

 Os lugares do existente afirmam a superioridade daquilo que existe em relação ao que é possível, do que é concreto em relação ao que é abstrato; o que é real é superior ao que é eventual e o possível é superior ao que é impossível.

 Os lugares da essência serão construídos a partir de protótipos, ou seja, basear- se-á no elemento que melhor representa a categoria na qual a tese se enquadra, isto coloca em evidência a superioridade de alguns elementos em relação aos demais do grupo categorial a que ele pertence. Isso mostra que os lugares são, em primeira instância, pertencentes aos lugares da ordem, e, estes por sua vez, pertencentes aos lugares da qualidade.

 Os lugares da pessoa fundamentam os argumentos a partir de acordos prévios baseados nos valores, pois afirmam os vínculos entre a pessoa e sua dignidade, mérito, autoridade e autonomia. Isto é, os lugares da pessoa valorizam aquilo que é essencialmente o ser humano, suas qualidades mais importantes e suas características mais desejáveis.

Figura 5 - Esquema das categorias da Teoria da Argumentação no Discurso

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Em relação aos lugares examinados por Perelman e Tyteca (2005), não se mencionam a interação entre eles, a não ser para reconhecer que uns são derivados de outros ou a eles se vinculam. No entanto, é possível afirmar que os discursos argumentativos, em

geral, utilizam mais de um lugar durante o percurso da argumentação, e, muitas das vezes, um lugar pode ser convocado justamente para confirmar argumentos trazidos a partir de um lugar diferente. Assim, defendemos a interação entre os lugares e sua interdependência para deixar a argumentação mais consistente e eficaz.