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Capítulo 2. Pressupostos Teóricos

2.3 A arqueologia regional e os sambaquis

Nosso trabalho tem como objetivo analisar a concomitância e articulação dos

sambaquis localizados no litoral sul de Santa Catarina numa perspectiva regional. Sendo

assim, contemplaremos alguns estudos relacionados a trabalhos de âmbito regional e

algumas definições utilizadas por autores que trataram esse tema.

A arqueologia regional propõe o entendimento da ocupação humana em um

determinado território através da busca de padrões de assentamento e detecção de sistemas

de ocupação da paisagem, levando em conta que os grupos que ali se estabeleceram, o

fizeram por meio de estratégias econômicas, simbólicas, políticas e sociais (Fish &

Kowalewsky 1990). Nesta perspectiva, território e paisagem assumem um significado

importante, uma vez que se tratam do espaço geográfico onde esses grupos humanos se

estabelecem, vivem e interagem entre si e com o meio, criando referências de identidade

com o mesmo.

Segundo Fish (1999:203) padrão de assentamento pode ser entendido como “um

conjunto de localidades culturalmente significativas, cada uma das quais ocupando uma

posição específica em um determinado cenário, ou território, de modo a compor uma

distribuição coerente”. Morais (2000:202), por sua vez, entende que “padrão de

assentamento é a distribuição de sítios arqueológicos em determinada área geográfica,

refletindo as relações das comunidades do passado com o meio ambiente e as relações

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entre elas próprias no seu contexto ambiental (Yoffe & Sherratt 1997). Estratégias de

subsistência, estruturas políticas e sociais e densidade da população foram alguns dos

fatores que influenciaram a distribuição do povoamento, desenhando os padrões de

assentamento”.

Resumidamente podemos assumir que “padrão de assentamento” foi um conceito

formulado com o intuito de verificar a disposição dos sítios arqueológicos em uma área

geográfica, levando em conta as relações internas entre as atividades de um determinado

grupo humano, suas relações com outros grupos, e com o meio onde se encontram. Sendo

assim a análise do padrão de assentamento indica como se deram as relações das sociedades

humanas com o meio, assim como com outras sociedades situadas em seu entorno.

Quanto ao “sistema de assentamento”, tomamos aqui a definição proposta por

Araújo (2001:88), sendo entendida como “a maneira pela qual uma comunidade se

organiza no espaço ao longo dos ciclos sazonais. Pode-se dividir os sistemas de

assentamento em sedentários ou móveis. Apesar de todos os sistemas terem de se

reorganizar sazonalmente devido a diferenças na energia disponível no ambiente, alguns

grupos respondem mudando a localização das habitações (móveis), enquanto outros não o

farão por este meio (sedentários)”. No entanto o autor advoga que muitas vezes este

conceito tem sido utilizado levando em conta que os sítios arqueológicos representariam

áreas de habitação, o que nem sempre pode ser verificado. Alguns destes vestígios podem,

de fato, ser interpretados como antigos locais de moradia, outros não, representando

diferentes utilizações não relacionadas à habitação.

Araújo argumenta ainda que o arqueólogo, em seu trabalho de campo, pode

observar apenas vestígios relacionados a determinada ocupação, podendo verificar a

distribuição destes na paisagem. Os sistemas de subsistência, organização comunitária ou

padrão de assentamento, podem ser apenas inferidos, com base num padrão de distribuição

destes vestígios. Deste modo, a plotagem das estruturas ou sítios arqueológicos não

constitui a determinação de um “padrão de assentamento”, mas sim de um “padrão de

distribuição”, definido pelo autor como: “Padrão de Assentamento” “a descrição das

relações espaciais que os vestígios arqueológicos apresentam entre si e com a paisagem”.

É só a partir do padrão de distribuição aferido que poderíamos pensar o sistema de

subsistência, organização comunitária e sistema de assentamento.

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Este trabalho de mestrado se incumbe da avaliação do padrão de distribuição dos

sambaquis no entorno da paleolaguna de Santa Marta. A análise da distribuição dos

vestígios proporcionará bases para compor um panorama regional, possibilitando testar

modelos relacionados aos padrões de assentamento dos grupos humanos pretéritos que

construíram estas estruturas.

Como podemos ver, a arqueologia regional propicia trabalhos em áreas amplas,

compreendendo a ocupação de um território com enfoque na longa duração, se constituindo

em ferramenta apropriada para estudos arqueológicos em regiões pouco pesquisadas. Nesse

sentido o enfoque em estudos de arqueologia regional se faz necessária no Brasil, onde a

imensidão do território associada à pequena quantidade de especialistas acarretam a

existência de amplas áreas ainda desconhecidas arqueologicamente.

Araújo (2001) relaciona a adoção de análises de cunho regional na arqueologia

estado-unidense a programas de arqueologia de contrato ou salvamento, em nosso país

podemos dizer que os trabalhos de cunho arqueológico regional, ganharam força nas

ultimas décadas do século XX, em grande parte, devido também a trabalhos de arqueologia

de contrato, que avaliam o contexto arqueológico de áreas amplas antes que a implantação

de empreendimentos cause impacto sobre os possíveis vestígios ali existentes. Em suma

podemos perceber que ainda são poucos os trabalhos regionais de cunho acadêmico. Araújo

(2001: 1) comenta: “A Arqueologia brasileira permanece carente de estudos regionais

sistemáticos para que se torne um corpo sólido de conhecimentos. A acumulação de dados

na disciplina ainda se faz de maneira assistemática, grandes áreas permanecem

desconhecidas do ponto de vista arqueológico, e até mesmo a simples seqüência

cronológica de acontecimentos, que constitui a base para se construir hipóteses e aplicar

teorias, é ainda falha.”

Levando em conta este pressuposto, nosso trabalho almeja estudar os sambaquis do

litoral sul catarinense a partir da aplicação de um enfoque regional buscando diminuir a

defasagem indicada por Araújo. Concordamos com o autor, observando que ainda são

tímidos os trabalhos sobre contexto regional voltados a sítios litorâneos conchíferos, no

entanto algumas pesquisas merecem destaque.

Maria Dulce Gaspar (1991) realizou um dos primeiros trabalhos a utilizar

abordagem regional sobre o registro arqueológico encontrado no litoral norte fluminense. O

processo de ocupação sambaquieiro é analisado através das relações entre os sítios e destes

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com o ambiente. A autora interpreta os sítios como monumentos que seriam marcos de

identidade em um sistema sócio-cultural articulado. Sua característica como marco

territorial, se destacando na paisagem, e a constatação de que grande parte deles são

estruturas funerárias, apontam para sítios com um valor simbólico relacionado aos

ancestrais que perduram por várias gerações. Através de análises espaço-temporais dos

sambaquis do litoral fluminense, Gaspar propõe um modelo interpretativo que relaciona os

grupos de sítios mais próximos entre si, como pertencentes a uma mesma unidade

sociológica, que ocuparia um determinado território através da exploração conjunta com

outras unidades sociais, indicando sobreposição territorial. Isso acarretaria trocas de bens,

pessoas e idéias que podem ser inferidas a partir da padronização no que se refere à

construção dos sítios, estruturas funerárias, indústrias líticas e osteodontomalacológicas, e

padrão de assentamento.

Marco Aurélio De Masi (2001), também tratou sobre o padrão de assentamento dos

grupos sambaquieros, tendo como área de análise a Ilha de Santa Catarina. O autor constrói

um modelo baseado na diferenciação de sítios de habitação e acampamento, observando

que os locais de maior adensamento de sítios se encontravam em áreas com maior

produtividade da lagoa.

Em pesquisa recente, Márcia Barbosa-Guimarães (2007) apresenta um apanhado

sobre sistema de assentamento e relações sociais entre grupos sambaquieiros, Tupinambás e

ceramistas da Tradição Una, com foco regional no litoral do Rio de Janeiro. O trabalho teve

como objeto de estudo a compreensão do sistema de assentamento dos grupos

sambaquieiros que habitaram o complexo lagunar de Saquarema entre 6600 a 1500 anos

AP. A autora propõe um modelo onde a mudança ambiental e as relações com grupos

ceramistas influiriam no processo de mudança cultural observada no registro arqueológico

encontrado nos sambaquis da região. Entendendo a Laguna de Saquarema como centro do

sistema de assentamento que proporcionaria um caráter identitário para esses grupos, ainda

que estes apresentassem diferenças entre si. Estas diferenças seriam explicadas através de

um longo processo adaptativo ligado às mudanças ambientais. Barbosa-Guimarães também

parte da premissa de que os sambaquis estudados em sua área de pesquisa são decorrentes

de grupos que formavam uma unidade social, mas entende que houve grupos melhor

adaptados que outros acarretando algumas diferenças no registro arqueológico. Alguns dos

grupos de sítios seriam centrais em relação aos demais.

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Avaliando os trabalhos de cunho regional realizados com base na distribuição

espacial dos sambaquis, uma premissa geral pode ser observada: os agrupamentos de sítios

muito próximos entre si são entendidos como representantes de uma única unidade social.

Nosso trabalho pretende testar se este modelo pode ser observado nos sítios litorâneos do

sul de Santa Catarina.

A disciplina arqueológica propõe o estudo da cultura material e seu contexto como

fonte para analises referentes às sociedades, na maioria das vezes, pretéritas. Entendemos

que trabalhos relacionados a sítios específicos são relevantes, no entanto o que estamos

propondo é a análise dos sítios em seu conjunto, tratando-os como artefatos. Segundo

Maria Dulce Gaspar (2003: 28) “o próprio sítio é tratado como um artefato construído

pelos indivíduos que o ocuparam. Os materiais que o compõem foram deliberadamente ali

depositados como resultado de ações pertinentes ao sistema sociocultural. O padrão de

distribuição espacial dos sítios remete à interação entre os seus ocupantes”. A análise do

conjunto desses artefatos (sítios arqueológicos) deve levar em conta seu contexto, sua

distribuição no território e suas inter-relações.

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