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Análises de distribuição espacial dos Sambaquis da Paleolaguna da Santa Marta

Capítulo 2. Pressupostos Teóricos

6. Análises de distribuição espacial dos Sambaquis da Paleolaguna da Santa Marta

A partir de um primeiro contato com os sítios localizados na área do projeto, dois

fatores logo chamam a atenção. O primeiro é o tamanho de alguns dos sambaquis, colossais

aglomerados de conchas que por vezes ultrapassam os vinte metros de altura, estendendo-se

por mais de quatrocentos metros de extensão. Outro fator é a quantidade de sítios muito

próximos. Do topo de qualquer um deles, quase sempre é possível avistar uma série de

outros concheiros. Os trabalhos de prospecções e levantamentos revelaram que a região

estudada apresenta mais de noventa sambaquis e sítios líticos ligados à ocupação

sambaquieira, além de dezoito sítios cerâmicos atribuídos à cultura Guarani

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, boa

quantidade de sítios líticos ligados a grupos caçadoes-coletores e alguns relacionados a

horticultores caracterizados como vestígios das culturas Jê meridionais que habitaram a

região num período mais recente.

O entendimento completo desse complexo contexto regional de ocupação localizado

no entorno da Paleolaguna da Santa Marta, é tarefa muito árdua, e demanda dados que não

possuímos, sendo assim estipulamos um recorte:

Neste capítulo apresentaremos a análise de distribuição levando em conta apenas os

sambaquis cujas datações se apresentaram ligadas ao o período clássico de ocupação (4500

a 1500 anos AP) utilizando apenas os sítios que foram classificados como principais,

entendendo que estes podem ser caracterizados como marcos territoriais individuais de

cada grupo. Alem disso optamos por apresentar o mapa da região com os contornos da

paleolagoa há 3000 anos AP. data mediana para o período apresentado, de acordo com o

modelo fisiográfico de evolução lagunar proposto por Andréas Kneip (2004).

Vale ressaltar que analises de distribuição espaço-temporal não são comuns no

estudo de sambaquis, são poucos os casos em que se possui um bom controle da

distribuição locacional dos sítios e mais raros ainda os contextos suficientemente datados.

No Brasil a primeira análise articulada do conjunto de sítios conchíferos litorâneos foi

realizada por Maria Dulce Gaspar (1991). Questionando o estudo de sítios isolados, a

autora analisa os sambaquis da costa carioca e seu contexto ambiental, interpretando os

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Estes sítios Guarani serão objeto de estudo de doutoramento realizado por Rafael Milheira junto ao programa de pós-graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo

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conjuntos de sítios muito próximos como vestígios de ocupação de uma mesma unidade

sociocultural, a autora coloca ainda que diferentes unidades ocupariam um território

comum de capitação de recursos. Esse modelo, embasado na idéia de sítios articulados

modificou a interpretação que os arqueólogos tinham para os grupos construtores de

sambaquis, vistos anteriormente como sociedades forageiras e de grande mobilidade.

Mais tarde DeBlasis et al. (2007) propuseram um modelo análogo, a ser testado,

para a região da paleolaguna de Santa Marta. Onde os sambaquis de grande porte seriam

entendidos como monumentos de caráter funerário sendo construídos de forma intencional

com destaque na paisagem que refletiriam marcas de territorialidade de cada um grupos

dentro de uma ampla cultura litorânea. O modelo admite organização social elaborada e

estabilidade cultural e econômica para essas populações.

Discutir a viabilidade deste modelo é uma das tarefas de nossa pesquisa. Tentando

entender a dinâmica sociocultural ocorrida no litoral sul de Santa Catarina numa

perspectiva sistêmica. Apresentaremos agora os mapas resultantes das análises de

distribuição que, alem de facilitar a avaliação dos agrupamentos de sítios, podem render

observações na assunção dos grupos de sítios como parte de uma mesma unidade

sociológica.

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Fig. 36. Mapa de análise de vizinho mais próximo.

O mapa mostra o resultado das análises de vizinho mais próximo (Hodder & Orton

1976), os sambaquis que possuem maior quantidade de concheiros próximos são

representados com maior índice de sombreamento, enquanto aqueles detectados à distancia

dos demais, possuem sombreamento mais claro.

Como pode ser avaliado, a dispersão dos sambaquis se distribui de modo circular no

entorno da paleolagoa seguindo dos patamares iniciais da Serra Geral à linha de costa. No

entanto são percebidas quatro aglomerações de sítios principais, sendo três localizadas a

costa, a primeira mais a leste englobando os conjuntos de sítios da Carniça, morro da

Teresa e Galheta. A segunda na porção central da costa é formada pelos os sítios da Santa

Marta e a terceira mais ao sul, composta pelos os sítios implantados sobre o sistema barra-

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barreira, mais especificamente os conjuntos da Garopaba do Sul, Laranjal, Figueirinha e

Encantada. Por fim temos o quarto conjunto localizado mais a oeste, composto por sítios

que não estão diretamente ligados à linha de costa, mas aos aglomerados cristalinos

formadores do morro da Congonhas, Porto Vieira, Jabuticabeira e bordas do vale do rio

Cubúculo/Caipora.

Fig. 37. Mapa mostrando os polígonos de Thissen entre os sambaquis Principais.

Neste segundo mapa apresentamos a análise de distribuição dos sítios principais a

partir da utilização dos polígonos de Thissen ou Voronoi (Hodder & Orton 1976), as linhas

entre os sambaquis marcam a distancia média entre um sítio e seu visinho em todas as

direções. Pode-se perceber que não temos territórios de captação de recursos

individualizados devido a pouca distancia entre cada sítio principal, o que temos são áreas

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compartilhadas pelos grupos que indicam articulação e possível integração desses no

entorno da laguna, que como no mapa anterior, se apresentaria como centro desse universo

social como afirmam DeBlasis et al. (2007). Esse território compartilhado daria conta de

proporcionar um alto grau de recursos durante um longo período de tempo que pode ser

comprovado pela quantidade e longevidade dos sítios principais.

Mais uma vez o mapa demonstra a existência de quatro agrupamentos mais coesos,

que podem ser percebidos a partir dos tamanhos reduzidos dos polígonos nesses pontos do

mapa. O primeiro e segundo agrupamentos de sítios principais, localizados respectivamente

nas regiões a leste (Carniça) e central (Santa Marta) da linha de costa, serão melhor

avaliados no próximo capítulo, dedicado somente ao contexto regional da Ilhota de Santa

Marta. Já em relação ao terceiro agrupamento formado pelos sítios da região sul da área de

pesquisa, situados sobre o sistema barra barreira, podemos notar que grandes sambaquis

principais apresentam-se rodeados de concheiros menores, formando conjuntos. Apesar de

ainda não estar clara a relação entre os sítios principais e os menores de seu entorno,

algumas datações indicam que os sítios do mesmo conjunto estavam sendo utilizados

concomitantemente, fato que fortalece o modelo de unidades sociais proposto por Gaspar

(1991) e DeBlasis et al. (2007).

Por sua vez, tratando do quarto grupo constituído pelos sítios localizados mais a

oeste, já fora da linha de costa, as prospecções de reconhecimento extensivo realizadas no

baixo vale do rio Cubículo/Caipora já haviam demonstrado a existência sambaquis de

grandes dimensões, localizados na baixa vertente de paleoilhas graníticas em meio ao

banhado, confirmando que os vales localizados a quilômetros da costa atual, foram

propícios as ocupações de grupos sambaquieiros. A quantificação dos dados relativos a

implantação dos sítios em terrenos cristalinos e agora a análise de distribuição regional

confirmam essa idéia.

Entendemos que o número bastante significativo de sítios principais localizados nas

encostas recortadas e paleo-ilhas graníticas está relacionado ao acesso de recursos mais

diversificados como a grande quantidade de nascentes de água, e os bancos de Ostreas

fixadas nos costões rochosos, que são detectados em muitos dos sambaquis ali alocados.

Além disso restos de madeira de espécies ligadas a Mata Atlântica foram detectadas no

registro arqueológico do Jabuticabeira II, denotando que as áreas florestadas eram parte

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integrante do sistema sambaquieiro e mostrando que sua economia não estava totalmente

atrelada a recursos aquáticos. Acreditamos que a diversidade ambiental encontrada junto

aos cristalinos, assim como a presença de fontes de água doce, e maior quantidade de fontes

de matéria prima lítica, possibilitaria um contexto mais propício à implantação das áreas de

habitação, ainda não localizadas nos contextos costeiros.

Esse conjunto apresenta um diferencial em comparação com os demais, não foram

detectados sítios satélites ao redor dos sambaquis principais, isso pode ser entendido como

um padrão diferenciado de ocupação, mas vale ressaltar que os concheiros considerados

menores só foram encontrados em locais averiguados a partir de métodos intensivos de

levantamento, não realizados nessa região. Isso nos leva a indagar se os contextos de

distribuição dos sítios apresentados aqui, de fato refletem um padrão de ocupação pré-

colonial, ou estão distorcidos por desvios amostrais e graus diferenciados de integridade

natural de cada área? Somente novas averiguações intensivas podem responder essa

pergunta. No mais, entendemos que as análises aqui apresentadas foram de grande valia

para melhor interpretação da distribuição regional dos sítios principais ligados ao período

clássico de ocupação das populações sambaquieiras, demonstrando sua ligação não

somente com a lagoa, mas também contemplando ambientes diversificados como a costa e

a floresta ombrófila que cobre os terrenos cristalinos.

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