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A Arte da Retenção (Kumbhaka)

No documento Luz Sobre o Prāṇāyāma (páginas 95-103)

1. Kumbha quer dizer um vaso que pode estar cheio ou vazio. Kumbhaka é de dois tipos. É ou (a) uma pausa entre uma inalação e uma exalação ou (b) entre uma exalação e uma inalação. É a arte de reter a respiração em um estado suspenso.

2. Também significa a retirada do intelecto dos órgãos da percepção e ação, para focar na sede do Ātmā (puruṣa), a origem da consciência. Kumbhaka mantém o sādhaka silencioso nos níveis físico, moral, mental e espiritual.

3. A retenção da respiração em kumbhaka não deve ser interpretada erroneamente como uma re-tensão do cérebro, dos nervos e do corpo para suster a respiração. A re-tensão conduz à hiper-tensão. Kumbhaka tem que ser feito com o cérebro relaxado para que possa re-vitalizar o sistema nervoso.

4. Quando a respiração está estática em kumbhaka, os sentidos estão estáticos e a mente se torna silenciosa. A respiração é a ponte entre o corpo, os sentidos e a mente.

5. Kumbhakas são realizados de duas formas: sahita e kevala. Quando a respiração é mantida intencional e deliberadamente, isso é sahita. Sahita kumbhaka é a pausa na respiração (a) depois da inalação total antes do início da exalação (antara ou pūraka kumbhaka), ou (b) depois de completar a exalação antes do início da inspiração (bāhya ou rechaka kumbhaka). Kevala significa ‘por si próprio’ ou ‘absoluto’. Kevala kumbhaka é a pausa na respiração desacompanhada de pūraka ou rechaka, como quando um artista está totalmente absorvido em sua arte ou um devoto está sem alento em adoração. Esse estado é frequentemente precedido de tremores corporais e medo, como aquela situação que um homem está no ponto de ser oprimido pelo inesperado. Paciência e perseverança removerão esse sentimento. Kevala kumbhaka é instintivo e intuitivo. Nesse estado alguém está completamente absorvido no

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objeto de sua devoção e isolado do mundo, experienciando um sentimento de alegria e paz que passa entendimento. Essa pessoa está afinada com o Infinito. (Haṭha Yoga Pradīpikā, II. 71.)

6. Antara kumbhaka é a retenção do Senhor na forma de energia cósmica ou universal, que se combina com a energia individual. É um estado em que o Senhor (Paramātmā) está unido com a alma individual (jīvātmā).

7. Bāhya kumbhaka é o estado no qual o iogue submete seu próprio si, na forma da sua respiração, ao Senhor e combina-se com o Alento Universal. É a forma mais nobre de submissão, pois a identidade do iogue está totalmente combinada com o Senhor.

8. No Bhagavad Gīta (IV, 29/30) Kṛṣṇa explica a Arjuna os diferentes tipos de sacrifícios (yajñas) e de iogues. Kumbhaka prāṇāyāma é um desses yajñas e tem três categorias: inalação-retenção, exalação-retenção (ambos são sahita kumbhaka) e retenção absoluta (kevala kumbhaka). O corpo do iogue é o altar sacrificial, o influxo do ar (pūraka) é a oblação e o refluxo (rechaka) é o fogo. Kumbhaka é o momento quando a oblação de pūraka é consumida no fogo de rechaka, e a oblação e a chama tornam-se uma. O iogue adquire o conhecimento de como controlar a sua respiração (prāṇāyāma vidyā). A parte superior do tórax é a morada do influxo de ar (prāṇa), e a parte baixa do refluxo de ar (apāna). Quando ambas se unem no influxo de ar, esse é o estado de pūraka kumbhaka. Quando apāna entra em contato com o prāṇa e flui para fora na exalação, o estado vazio é o rechaka kumbhaka. Absorvendo esse conhecimento pela experiência, o iogue torna Prāṇāyāma vidyā uma parte da sua sabedoria (buddhi), a qual ele finalmente oferece seu conhecimento, sua sabedoria, seu próprio alento vital e seu ‘Si’ como oblação (Ātmāhuti). Esse é o estado de kevala kumbhaka, ou submissão absoluta, na qual o iogue é absorvido na adoração do Senhor.

9. Como uma mãe protege o seu filho de toda catástrofe, a consciência (chitta) protege o corpo e a respiração. A espinha e o tórax são ativos e dinâmicos como uma criança e chitta está alerta e protetora como uma mãe.

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10. Em kumbhaka a vibração no corpo é como a de uma locomotiva a vapor estacionária, o seu condutor alerta e pronto para iniciar, mas relaxado. Similarmente, o prāṇa vibra no tórax, mas a chitta mantém-se relaxada e pronta para deixar ir ou vir a respiração.

11. A sensibilidade, a trava e o alongamento da pele do tórax são como as de uma criança disciplinada, que é tanto audaciosa quanto cuidadosa.

12. A duração de tempo que a respiração é retida pode ser comparada com os sinais de trânsito. Se alguém passa no vermelho, acidentes podem ocorrer. Assim também em kumbhaka, se alguém vai além de sua capacidade, o sistema nervoso será danificado. A tensão no corpo e no cérebro indicam que chitta não pode armazenar prāṇa em kumbhaka.

13. Não retenha a respiração pela força de vontade. No momento em que o cérebro se torna tenso os ouvidos internos rígidos e os olhos vermelhos, pesados ou irritados, alguém está excedendo a sua própria capacidade. Preste atenção nesses sinais de advertência, que indicam que o ponto de perigo está próximo. 14. O objetivo de kumbhaka é a contenção da respiração. Enquanto a respiração é mantida suspensa, a fala, a percepção e a audição são controlados. A chitta nesse estado está livre da paixão e do ódio, ambição e luxúria, orgulho e inveja. Prāṇa e chitta se combinam em kumbhaka.

15. Kumbhaka é o impulso de trazer para fora a divindade latente no corpo, a morada do Ātman.

A Técnica de Antara Kumbhaka

(a) Não tente manter a sua respiração depois da inalação (antara kumbhaka) antes de dominar as inalações e exalações profundas (pūraka e rechaka). Não tente retê-la depois da exalação (bāhya kumbhaka) antes de dominar antara kumbhaka.

(b) Dominar significa um ajustamento artístico pelo refinamento disciplinado e controle do movimento da respiração. Equalize a duração da sua inalação e

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exalação antes de tentar o kumbhaka. Leia o Cap. 13 sobre os bandhās do início ao fim antes de começar o kumbhaka.

(c) Aprenda a fazer antara kumbhaka em passos lentos. Comece retendo a respiração apenas por alguns segundos sem perder a aderência ao corpo interno. Perceba a condição do corpo, dos nervos e do intelecto. Leva algum tempo antes que você possa entender, experienciar e reter a aderência interna precisa sobre os músculos intercostais e o diafragma no kumbhaka.

(d) Quando começar a aprender a retenção interna (antara kumbhaka) permita que passe algum tempo entre cada kumbhaka. Isso capacita os pulmões a reverter à condição normal, natural e fresca antes de fazer outra tentativa. Por exemplo, três ou quatro ciclos de respiração normal ou profunda devem seguir um ciclo de kumbhaka até que a sessão termine.

(e) Se os iniciantes realizam a retenção interna depois de cada inalação, eles tencionarão os pulmões, enrijecendo os nervos e tornando o cérebro tenso, fazendo com que o progresso seja excessivamente lento.

(f) Conforme você melhora, diminua o intervalo entre os ciclos de respiração normal e antara kumbhaka.

(g) Aumente o tempo que você retém a sua respiração na retenção interna sem exceder sua capacidade.

(h) Se o ritmo da inalação e da exalação é perturbado pela retenção da respiração, isso mostra que você excedeu a sua capacidade; portanto, reduza a duração da retenção interna. Se o ritmo não é perturbado, então a sua prática está correta.

(i) O conhecimento dos bandhās é essencial para a prática adequada de kumbhaka. Eles agem como válvulas de segurança na distribuição, regulação e absorção da energia, e previnem a sua dissipação. Um motor elétrico queima se se permite que a voltagem suba muito. Similarmente, quando os pulmões estão cheios e a energia neles não é verificada pelos bandhās, eles sofrerão danos, os

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nervos se desgastarão e o cérebro tornar-se-á excessivamente tenso. Isso não acontecerá se a pessoa praticar jālandhara bandha.

(j) Nunca faça antara kumbhaka em pé, pois você pode perder o equilíbrio e cair. (k) Quando em uma posição reclinada, coloque travesseiros abaixo da cabeça para mantê-la mais alta do que o tórax, para que nenhuma tensão seja sentida na cabeça (grav. 77)

(l) Iniciantes devem prestar atenção no uḍḍīyāna bandha e no mūla bandha até que eles dominem o ritmo da respiração. Pupilos avançados devem fazer todos os bandhās depois de dominá-los individualmente enquanto retém a respiração. (m) Não levante o dorso do nariz na retenção interna. Se este se mover para cima, o cérebro é enredado no movimento; ele não poderá, então, assistir ao tórax (grav. 78).

(n) Do início ao fim da prática de prāṇāyāma, rotacione a cabeça e a coluna cervical para a frente e para baixo e mantenha ereta a coluna dorsal e o esterno (grav. 76). Isso ajuda o cérebro e a coluna cervical a moverem-se em direção ao esterno e relaxa a testa. Isso faz com que a energia do cérebro descenda até a sede do Si.

(o) Ao longo de cada retenção interna, mantenha uma firme trava no diafragma e nos órgãos abdominais. Há uma tendência, seja inconsciente ou deliberada, de enrijecê-los e afrouxá-los para manter por mais tempo a respiração. Evite isso porque dissipa energia.

(p) Se uma pressão é sentida nos pulmões e coração, exale e faça algumas respirações normais ou profundas. Isso refresca os pulmões a fim de retomarem antara kumbhaka. Se você continua depois de ter sentido a pressão, você perturba o funcionamento harmônico tanto do corpo quanto do intelecto. Isso leva a desequilíbrios mentais.

(q) Quando você é capaz de suster a respiração na retenção interna por um mínimo de dez a quinze segundos você pode introduzir mūla bandha. Nos

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estágios iniciais faça mūla bandha no final da inalação e retenha-o por toda a retenção.

(r) Na retenção interna, empurre os órgãos abdominal para dentro e para cima, e simultaneamente traga a coluna inferior à frente (grav. 69). Mantenha o tórax firme e a cabeça, braços e pernas relaxados do início ao fim.

(s) Mantenha a elevação da coluna a partir da região sacroilíaca, base do fígado e estômago do início ao fim.

(t) Mova a coluna espinhal exterior e interior à frente e para cima, rítmica e igualmente. Conforme a coluna se move anteriormente, estenda consigo a pele em direção ao tórax.

(u) Se a pele do seu peito afrouxa sobre as costelas é um sinal que a respiração escapou dos pulmões inconscientemente.

(v) Não alongue por demais ou escave o peito. Eleve-o na frente, nas costas e em ambos os lados igualmente. Mantenha a estrutura interna das costelas firme e o corpo externo solto. Isso equilibrará o corpo e aumentará a duração do kumbhaka.

(w) Perceba se a parte de trás e a da frente dos músculos intercostais e se as camadas internas e externas dos lados se movem independente e uniformemente.

(x) Ajuste a pele das axilas de trás para frente. Não pressione a pele em torno das axilas do peito mas eleve-a. Se a pele das axilas ou dos ombros move-se para cima, esse é um sinal de tensão. Solte-a e traga-a para baixo.

(y) No final da inalação (pūraka) e no início da retenção (kumbhaka) o sādhaka experiencia uma centelha da divindade. Ele sente a unidade do corpo, da respiração e do si. Nesse estado não há consciência que o tempo está passando. O sādhaka experiencia liberdade da causa e do efeito. Ele deve reter esse estado ao longo do kumbhaka.

(z) Os conteúdos voláteis de uma garrafa bem selada não vazam, mesmo que a garrafa seja agitada. A energia vital do sādhaka não escapa quando o kumbhaka

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é feito com os bandhās. O tórax é selado na base pela contração do ânus e do períneo e sua elevação de Mūlādhāra. O sādhaka então se torna cheio de vigor (tejas) e lustre (ojas).

A Técnica de Bāhya Kumbhaka

(a) Bāhya kumbhaka (a retenção da respiração depois da exalação completa) é de dois tipos, ponderada ou dinâmica. Quando ponderada, é praticado sem uḍḍīyāṇa. É realizado para manter-se silencioso e pode ser feito a qualquer momento, mesmo depois das refeições. Quando dinâmico é feito com uḍḍīyāṇa bandha, que massageia os órgãos abdominais e o coração e previne a dissipação da energia.

(b) Comece praticando ciclos ponderados de retenção externa. Então concentre- se na retenção externa com uḍḍīyāṇa bandha.

(c) No início, depois de cada retenção externa dinâmica, permita que se passe algum tempo para os pulmões e os órgãos abdominais voltarem ao normal. (d) A retenção externa com uḍḍīyāṇa nunca deve ser forçada. Se forçada haverá arquejos, perda da trava dos órgãos abdominais e a sensação de secura nos pulmões.

(e) Comece a retenção externa com uḍḍīyāṇa muito gradualmente e mantenha a trava de uḍḍīyāṇa pela mesma duração de tempo em cada ciclo. Faça de seis a oito ciclos por dia.

(f) Faça alguns ciclos de respiração normal ou profunda e um de retenção externa com uḍḍīyāṇa. Por exemplo, três ou quatro ciclos de respiração normal podem ser seguidos por um de retenção externa com uḍḍīyāṇa. Repita a sequência, reduzindo o número de ciclo de respiração normal conforme a estabilidade é ganha pela prática.

(g) Enquanto pratica siga as técnicas dados nos parágrafos b, d, e, f, h, l, m, p, s, t, u e w das técnicas de antara kumbhaka, substituindo por ‘bāhya kumbhaka’ as palavras ‘antara kumbhaka’ onde quer que elas ocorram.

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(h) Assim como alguém usa pinças para remover um espinho e se sente livre da dor imediatamente, utilize a inteligência como as pinças para remover travas imperfeitas e movimentos que atuam como espinhos na prática.

(i) Assim como as pálpebras agem instintivamente para prevenir a matéria estranha de entrar nos olhos, o sādhaka deve estar sempre alerta para prevenir travas falsas, movimentos e hábitos que entram em sua prática de prāṇāyāma. (j) O kumbhaka que ruboriza a face, queima os olhos e causa irritabilidade está errado. Nunca faça kumbhaka com os olhos abertos. Não o pratique se você tem problemas cardíacos ou no peito, ou quando você não está bem.

(k) O corpo é o reino. A pele é sua fronteira. O seu governante é o Ātman, cujo olho que tudo vê (jñāna chakṣu) assiste a todo detalhe durante o prāṇāyāma. (l) As avalanches removem rochas e escavam cânions entretanto, quando a energia da água que flui é acalmada e equilibrada contra a energia das rochas, ambas perdem as suas identidades separadas. O resultado é um lago, refletindo a beleza serena das montanhas em volta. As emoções são as avalanches, enquanto o intelecto constante forma às rochas. No kumbhaka ambos são igualmente equilibrados e a alma é refletida em seu estado prístino.

(m) A consciência (chitta) oscila com a respiração enquanto o kumbhaka a acalma e a liberta de seus desejos. As nuvens dispersam-se e o si brilha como o sol. (n) Depois da prática de prāṇāyāma e kumbhaka relaxe em śavāsana (veja o Cap. 30).

102 Capítulo 16

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