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CAPÍTULO 2 O CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO DE DIADEMA

2.2 A ASCENSÃO DA ESQUERDA E AS PRIMEIRAS POLÍTICAS PÚBLICAS

A resposta popular às péssimas condições de vida em que se encontrava Diadema, no início dos anos 1980 - com um terço de sua população morando em favelas sem água encanada, esgoto ou ruas asfaltadas, entre tantos outros problemas sociais - foi dar apoio a sucessivas administrações de esquerda, que tiveram como mandato melhorar a situação da infraestrutura, habitacional, saúde, etc. da população trabalhadora. Isso foi possível no período de abertura política e redemocratização do país, que vai de 1982 a 1986, com o fim da ditadura militar.

Gilson Luiz Correia de Menezes, baiano radicado em São Paulo, era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Nas eleições de 1982, Menezes se lançou candidato à prefeitura de Diadema e venceu. E foi com o PT à frente da prefeitura que o processo de transformação de Diadema começou. Todavia, isso não aconteceu de forma tranquila ou linear. Problemas de diversas ordens se fizeram sentir nessa primeira experiência de participação política do partido.

Em primeiro lugar, havia sérios impedimentos políticos e materiais a serem superados. O PT conquistou a prefeitura por uma margem muito pequena em relação aos candidatos do PMDB e do PTB, numa cidade onde os problemas sociais eram enormes e o orçamento municipal insuficiente para solucioná-los. Em segundo, mesmo quando a prefeitura petista conseguiu boas realizações, teve dificuldade de projetá-las em nível nacional. Ao contrário das administrações do MDB, que havia experimentado novas formas de participação popular nas prefeituras de Lages, Santa Catarina, e de Piracicaba, São Paulo, o PT em Diadema não desfrutou de uma cobertura positiva na imprensa nacional; houve extensas reportagens sobre os conflitos no partido e sobre os seus erros, em Diadema, e muito pouco comentário sobre os esforços bem-sucedidos. Se é verdade que estas dificuldades externas sem dúvida complicaram a situação, fatores internos impediram que o partido aproveitasse bem os espaços disponíveis. Estes

fatores internos podem ser divididos, para efeitos de análise, em três categorias: os que resultaram de falta de preparo político para governar; os que provinham da natureza do partido; e os que refletiam a reação geral do partido às eleições de 1982. (KECK, 2010, p. 272).

Margaret Keck (2010, p. 273) chama a atenção para a falta de clareza acerca de um consenso programático prévio para a realização dos projetos para a cidade e isso se tornou evidente, porque o que o partido tinha, na verdade, era uma vaga proposta de formação de conselhos populares e políticas públicas que beneficiassem os mais pobres. O PT não examinou em profundidade os reais problemas da cidade, revelando que o partido tinha apenas um plano eleitoral e não um plano político. Faltava-lhes um programa de governo. Outro ponto refere-se ao fato de que sendo Diadema a única cidade brasileira administrada pelo PT, no período de 1983 a 1987, grande parte das decisões ali tomadas refletia-se em todo o partido, mesmo em nível nacional. Porém, as mudanças advindas da experiência local levavam tempo demais para serem absorvidas de modo mais amplo dentro do partido por questões diversas. Outro ponto levantado por Keck (2010) é sobre a heterogeneidade política do PT e as consequentes lutas e embates internos por posição de poder, fato que levava as muitas facções do partido a tomarem diferentes posições em relação ao que se passava em Diadema.

Um agravante dessa situação era a proximidade das relações pessoais de Gilson, Lula e presidentes de diretório do partido, amigos da época do movimento sindicalista. Para Keck (2010), isso prejudicava, sobremaneira, a percepção que algo estava errado na administração de Gilson. Mesmo porque, para os dirigentes estaduais e nacionais, as crises de força internas do partido, em Diadema, não passavam de um problema local. Crises alimentadas por uma tomada de direção de Menezes que se voltou para uma ala intelectualizada paulistana do partido, causando indisposição com quem era da cidade. Os militantes locais afirmavam que a eleição tinha sido ganha em Diadema e que, portanto, os militantes de Diadema é quem deveriam ser consultados.

Menezes torna a prefeitura autônoma diante do diretório municipal, mas não sem problemas. Em seu plano de urbanização de favelas havia a legalização dos lotes ocupados ao passo que a prefeitura tentava evitar novas ocupações. Houve situação em que militantes do partido que estavam fora do governo lideraram ocupações como forma de represália a Menezes. Percebe-se que seu mandato não foi nada tranquilo.

Ele foi atacado por muitos lados, desde militantes do partido até a impressa conservadora que blindou a cidade evitando divulgar os bons feitos empreendidos, como a melhoria e redução de tarifas no transporte público, a expansão de luz elétrica e água encanada em favelas em processo de urbanização e legalização dos lotes, criação de instâncias de participação popular para resolver problemas da falta de creches ou, ainda, buscar soluções para área de saúde buscando o contexto comunitário.

Apesar dos percalços, Menezes conseguiu aos poucos adotar um novo modo de administrar a cidade através da implantação de políticas públicas voltadas para a consolidação de diretrizes básicas de governabilidade, cujo objetivo era pôr em prática seu plano de envolver as comunidades mais carentes em seu governo. Sua gestão buscou manter um olhar atento para a criação de melhorias sociais às pessoas mais carentes e de baixa renda que somava, à época, cerca de cem mil pessoas, um contingente expressivo da população total.

Em suma, a vitória em Diadema tinha a missão de demonstrar, nacionalmente, que um partido comandado por trabalhadores seria capaz de administrar uma cidade tão problemática, e por isso mesmo, tão necessitada de políticas sociais.

Em todo caso, o desafio era bem claro: se o partido era constituído por trabalhadores, para quem deveria governar? Segundo Jeanne Bisilliat:

Questão polêmica abordada desde 1983 em Diadema e também em várias outras cidades que o PT ganhara eleições em 1988. Após muitas discussões, a resposta era sempre a mesma: é preciso governar para todos. Mas a preocupação democrática de criar uma sociedade mais justa, atenuando a exclusão e, se possível, rompendo com ela – sendo a maioria dos habitantes pobre e por isso excluída dos direitos sociais, parte integrante da cidadania –, leva os dirigentes petistas de Diadema a favorecer abertamente essa camada da população, graças às suas políticas públicas. Isso não vai impedir que os mesmos dirigentes tenham uma visão global das necessidades da cidade em sua diversidade socioeconômica: o asfaltamento de ruas é um bom exemplo de obras públicas não somente úteis para todos como também necessárias para mudar a imagem da cidade, promovendo o uso de suas potencialidades e, por conseguinte, seu desenvolvimento futuro. (2004, p. 44).

A crise criada pela falta de uma proposta inicial vai aos poucos cedendo lugar a uma maior participação popular, lidando com conflitos habitacionais difíceis, rupturas partidárias e políticas – os rachas – além da imprensa, que não dava trégua. Conforme nos informa Oliveira:

Esse governo significou novos rumos nas políticas públicas do município, até então administradas por setores conservadores da cidade. Essas eleições também significaram um verdadeiro rompimento no cenário local. A partir daí os políticos tradicionais praticamente sumiram do cenário e surgiram novas lideranças ligadas a esse governo (1983-1988), que assumem a gestão da cidade em outros momentos. (2002, p. 18).

Após a eleição de 1983, foi desarticulada uma elite política que se revezava no poder local desde os tempos de fundação do município, cuja contribuição para as melhorias da condição de vida da população de baixa renda não se fez sentir. Bisilliat (2004, p.300) menciona que na plataforma de governo de Gilson Menezes era proposta a luta contra os despejos e aluguéis abusivos, pela saúde e ensino gratuitos e, por fim, a democratização e descentralização da administração pública. Esse último item era uma resposta à ditadura que não raro fazia nomeações políticas de forma autoritária. Gilson imaginava a criação, em todos os bairros, de Conselhos Populares e Conselhos de Sustentação. Tais conselhos deveriam formular propostas e decidir sobre a aplicação de recursos financeiros disponíveis. Conforme podemos perceber, essa ideia embrionária de orçamento participativo local – embora não fosse uma ideia nova em si, haja vista os casos de Lages/SC e Piracicaba/SP – seria desenvolvida e implementada posteriormente em Porto Alegre, no governo petista de Olívio Dutra, a partir de 1989.

As primeiras políticas públicas foram voltadas para o setor da habitação (problema mais agudo e de difícil resolução). Movimentos sociais engajados na luta por moradias e/ou terrenos pressionavam o governo municipal a estabelecer um diálogo mínimo, impulsionados pela quantidade de moradores de favelas:

Em 1983, a primeira etapa foi o reconhecimento da existência de favelas e o início da urbanização das mesmas, procurando assegurar a propriedade do solo aos ocupantes. Para implementar essa política, dando prioridade evidentemente à população de baixa renda, o governo municipal criou uma estrutura administrativa, a Secretaria de Urbanização de Favelas. Conseguiu que fosse votada em 1985 a Concessão do direito Real do Uso da Terra, um dos primeiros exemplos no Brasil, instrumento legal que beneficia os moradores de casas construídas em áreas públicas já urbanizadas. As intervenções começaram com a delimitação dos lotes, a abertura de pequenas estradas e caminhos para tornar possível a implantação de infraestrutura. (BISILLIAT, 2004, p. 85-86).

era dar cabo às ocupações clandestinas de terrenos, problema recorrente nas regiões metropolitanas brasileiras.